………..Numa tarde de sábado de primavera, na época dos Anos Dourados, no Café Central de Sarandi, havia duas mesas ocupadas. Num canto, junto à janela, para o lado do Evaristo Cerbatto, político dos mais vibrantes, Idelso Piazza, Augusto Conte, Beltrame (Artur) e eu tentávamos entender o comportamento de uma loira da classe média sarandiense. Apesar dos nossos conhecimentos limitados, estudamos o futuro dela. Nós só mudamos de assunto, quando o entusiasmo da outra mesa nos arrebatou…
………Idelso queria construir um túnel. Se fosse Prefeito e houvesse verbas. Queria furar o morro da britadeira, onde mais tarde, um punhado de idealistas edificou um dos mais belos hospitais do Estado.
………Na outra mesa, no centro do Café, havia umas 10 pessoas sentadas, gravitando em torno de um político jovem, Djalmo Angelo, proprietário daquele saudoso estabelecimento. Willy Nilo Schaefer estava de pé, junto àquela mesa importante. Com um pano branco sobre o ombro direito, apoiava a mão esquerda numa cadeira. Ostentava um sorriso belo e enigmático. Eu não sabia se estava contra ou a favor daqueles argumentos que oscilavam entre a lucidez e o devaneio.
………Atrás do balcão, Dona Vênus, Eliane e alguns guris, quase rapazes, Nilson, Édson, Ademar, Adolfo (Dido) e Ivo, vendiam sonhos, sorvetes e refrigerantes.
………Os empresários falavam da campanha política que, naquela época, “pegava fogo”. Gobbi enfatizava a educação. Tinha voz rouca, o que não o prejudicava, pelo contrário, tornava-o popular.
………Quando a reunião terminou, com todos sorrindo, tive a impressão de que votariam no Gobbi.
………O tempo seguiu a sua marcha. E, ao marchar, cruzou novamente caminhos e caminhantes. As luzes da ribalta eram acesas, agora, no Clube Harmonia. Não tentei parar o tempo. Sabia que era impossível detê-lo. O máximo que posso fazer é pegar as rédeas da última flor do Lascio, a Língua Portuguesa e recordar, enfim, viver outra vez. Os frequentadores do Clube gostavam quando o Prefeito lá comparecia. Falava das decisões tomadas, em prol do pequeno Sarandi. A gestão dele era, portanto, transparente. A palavra “Glasnost” (transparência) seria inventada décadas depois.
………Num final de tarde, junto ao balcão do Clube, revelou o sonho de calçar toda a Cidade. Ele precisava de quatrocentos mil cruzeiros, moeda que havia voltado na década de 40, aposentando, para sempre, o popular “mil-réis”.
………As seguintes pessoas, entre outras, escutavam o líder carismático Carlos Rushel, Dr Aldo Conte, Nilo Sérgio, Paulo Roberto Blank, Lemes Boni, Salada (Osvaldo), Artur Biavatti, Henry Weingartner, Dr Olavo Donassolo e representando Rio de Janeiro, Mara Gomes.
………Ali ficávamos sabendo também, sobre o lançamento de discos, do incrivel Roberto Carlos, dos Os Carbonos, e quem tocaria no carnaval. Quase sempre, era escolhido o Conjunto Joãosito e seus Cometas. Tocavam os grandes sucessos da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Bons tempos! Época de canções geniais, envoltas em emoções, sonhos e paixões juvenis. As vidas e músicas estavam entrelaçadas.
………Houve um fato marcante. Até hoje me emociono. Eu pude ver, com meus próprios olhos, a iniciativa e a responsabilidade de um Líder com “L” (ele) maiúsculo.
………Num sábado de carnaval, no salão superior do Clube Harmonia, a empolgação era geral. Não havia motivo para tristeza. Eu e alguns guris – rapazes não nos alimentamos adequadamente. Seguimos maus exemplos. Ingerimos bebidas proibidas para menores.
………Eu e um amigo do Ginásio Sarandi, o Tique (Joiafard Luiz Weingartner) ficamos meio tontos. Sentamos no meio do salão. Ninguém se importou. Cada um cuidava da sua própria vida. Mas o Prefeito veio falar conosco. Abaixou-se. Orientou-nos com tato e firmeza. Não era mais para ingerir a bebida, prejudicial à saúde. Advertiu: “Se continuarem assim não passarão dos 35 anos!” Ele estava alegre. Era dia de festa. Uma “baita festa”! O “TIQUE”, meio envergonhado, respondeu: “Se chegar aos 35 tá loco de bom!”. Eu não disse nada. O Prefeito tinha razão. Tudo girava. No palco dos músicos, o JOÃOSITO cantava, sem parar, acompanhado pela multidão:
“Se você pensa que cachaça é água,
Cachaça não é água não,
Cachaça vem do alambique
E água vem do ribeirão.
Pode me faltar tudo na vida:
Arroz, feijão e pão.
Pode me faltar o amor.
Isso eu até acho graça.
Só não quero que me falte a… cachaça.”
………O assoalho balançava. Não sabia mais qual era o Henry… qual era a Renata. Vi dois “TITI” BIAVATTI. Decidi voltar para casa com ajuda de “aparelhos”..
………A noite estava agradável e bela. Não dava sono. Eu havia recebido uma lição super importante. Precisava pensar. Com certeza, mudar…
………Na sacada circular do Clube, um outro amigo, o Carlos Luiz Piccini, agora sem a camisa, com as mãos apoiadas no cano horizontal, mais pensativo que o normal, olhava para o horizonte, perdidamente apaixonado, o “ÍTIO” do Vitório não tinha estrutura para ver a bela morena em outros braços. Ninguém tinha!
………Mesmo sem querer, o “Joãosito e seus Cometas” colocavam mais lenha na fogueira das paixões:
“Se você fosse sincera
ÔÔÔÔ, AURORA…
Veja só que bom que era
ÔÔÔÔ, AURORA…”
………Ainda pude ver o pequeno Ademar (Gauchinho) no chocalho…
………Logo, logo, alguém iria procurar saber como ele estava. E seria, com certeza, um líder…
…………No Cine Guarany, Patrimônio Cultural do Povo, passava “JUVENTUDE TRANSVIADA”, com James Dean.
………Na Estação Rodoviária do Seu Alves, fazia fumaça, pronto para partir, o “Goio-en”, que um dia me levaria embora, para longe de casa…
………O ex-Prefeito Gobbi, um líder verdadeiro, não ajudou a construir, apenas, a Cidade de SARANDI. O Líder GOBBI construiu, também, Cidadãos Sarandienses!
Obrigado, Prefeito!
Muito obrigado, GOBBI!
Cel Claudio Vogt
Fotos acervo Rogério Machado