Bolsa terminou o dia em alta de 1,26%, maior nível desde 21 de fevereiro, com foco na vacina
As notícias positivas sobre a vacina da AstraZeneca para combater o coronavírus animaram as bolsas pelo mundo, mas tiveram pouco efeito no mercado local de câmbio. O dólar chegou até a cair pela manhã, mas as preocupações fiscais tiveram peso mais determinante e a moeda americana voltou a subir ante o real, em dia também de altas nos emergentes, com a divisa da Turquia, outro país com problemas macroeconômicos, despencando mais de 3%.
A falta de novidades concretas sobre o ajuste fiscal em discursos do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi recebida com desconforto pelas mesas de operação. Com a persistência do risco fiscal, participantes do mercado argumentam que mesmo o forte fluxo de capital externo que entra no país este mês não será suficiente para fazer o real se valorizar de forma sustentável. Só na Bolsa, já são R$ 26 bilhões, mas o efeito nas cotações tem sido localizado. “Até agora não houve anúncios oficiais sobre as medidas fiscais”, observam os economistas do JPMorgan, ressaltando que o Congresso nem começou ainda a discutir o Orçamento de 2021.
“O mercado vai querer ver para crer. O governo tem que priorizar o fiscal, fazer alguma coisa entre dezembro e janeiro. O ideal seria em dezembro, mas está muito complicado”, afirma o gestor e economista da JF Trust Gestão de Recursos, Eduardo Velho. “Tem que ter alguma saída. Nas últimas semanas, basicamente o Congresso ficou parado”, afirma ele, ressaltando que a briga para a presidente da Câmara e da Comissão Mista do Orçamento está atrasando o resto da agenda.
Sem avanços, mesmo com o fluxo forte que entra no País, o economista da JF ressalta que o real não consegue se fortalecer de forma sustentável, com efeito apenas pontual. “É um sinal de que tem outros problemas internos, que fazem manter um certo descolamento, e é a questão fiscal.” Sobre a proposta de Guedes de vender reservas cambiais para reduzir a dívida, o gestor da JF avalia a medida como positiva e factível, mas com o timing errado. Ao sinalizar esta intenção agora, o governo passa a impressão de não estar contando com outras medidas de ajuste fiscal. “O governo não pode priorizar instrumentos cambiais para adiar o ajuste, porque o mercado vai pedir prêmio mesmo que ele tire reservas cambiais.”
Sobre o real, os analistas do Bank of America observam que os preços da moeda brasileira são atrativos, mas investidores apontam que a volatilidade segue alta e falta clareza sobre tendência.
Ibovespa
Enquanto dólar e juros refletiram nesta abertura de semana as preocupações com a trajetória fiscal, o Ibovespa se desgarrou das questões domésticas e se alinhou ao otimismo em Nova Iorque, com o anúncio de eficácia de até 90% para a vacina da AstraZeneca, ampliando o cardápio de opções de imunizantes para 2021.
Assim, o índice, como no último dia 17 (107.248,63), voltou a fechar na casa de 107 mil pontos, vista anteriormente no início de março (107.224,22 no dia 4). Nesta segunda-feira, subiu 1,26%, aos 107.378,92 pontos, melhor nível desde 21 de fevereiro (113.681,32), tendo oscilado entre mínima de 106.050,48, na abertura, e máxima de 107.495,35 pontos. O desempenho foi impulsionado pelo forte avanço das ações de commodities (Petrobras PN +6,13% e ON +4,86%, ambas na máxima do dia no fechamento, com Vale ON em alta de 4,16%), em contraponto ao varejo (Carrefour -5,35%, Pão de Açúcar -3,97%, Magazine Luiza -3,22%).
Perto do fim da sessão, em linha com movimento em Nova Iorque, o Ibovespa ganhou um pouco mais de fôlego, após relato de que o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, planeja nomear a ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) Janet Yellen para o cargo de secretária do Tesouro, de acordo com pessoas familiarizadas com a decisão. Se confirmada pelo Senado, ela será a primeira mulher a assumir a função. Yellen também seria a primeira pessoa na história a ter ocupado a liderança do Fed, do Tesouro e do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca.
Como na sexta-feira, o giro na B3 ficou mais próximo à normalidade, a R$ 28,5 bilhões, após a exuberância proporcionada pelos estrangeiros na maior parte de novembro. Os investidores estrangeiros continuaram com aporte positivo na B3 no pregão de quinta-feira, quando ingressaram com R$ 449,397 milhões no mercado acionário à vista, segundo dados divulgados hoje pela B3. Foi o menor volume neste mês de novembro desde o dia 6 e somente a quarta vez no período em que ficou abaixo de R$ 1 bilhão. Em novembro, a entrada chega a R$ 26,175 bilhões, o maior nível da série de dados mensais, que retrocede a 1995. No mês, o Ibovespa sobe 14,29%, limitando as perdas do ano a 7,15%.
“O Ibovespa teve abertura positiva e sustentou ganho em torno de 1%, sem conseguir engrenar uma tendência altista (mais forte). O dólar refletiu a questão fiscal, com políticos defendendo a renovação do auxílio emergencial por dois ou três meses em 2021, o que traz um pouco de preocupação porque a parte fiscal, já crítica, pode se agravar. Neste cenário, os investidores pisam no freio”, observa Rafael Panonko, analista-chefe da Toro Investimentos.
Hoje, durante participação em evento da Empiricus, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a afirmar que a ideia é extinguir o pagamento de auxílio emergencial no fim de 2020, embora tenha reconhecido que há “muita pressão” por prorrogação. “Se tiver segunda onda (da Covid-19), já sabemos como reagir”, acrescentou o ministro, cuja reiteração da agenda liberal tem sido recebida com ceticismo cada vez maior pelo mercado, ante a falta de progresso palpável, seja nas privatizações, seja nas reformas estruturais.
“A evolução das vacinas é fato, assim como a presença do investidor estrangeiro, especialmente desde a eleição do Biden, o que contribui para dar mais clareza para 2021, especialmente quanto a enfrentamento maior da pandemia nos EUA. Mas diante de nossos problemas, entre os quais o endividamento cavalar (do setor público), é preciso ver se esta recuperação é consistente. Depois da eleição do domingo, a agenda deve ser retomada, então veremos como o aspecto fiscal será tratado, inclusive com relação ao Renda Cidadã”, diz Shin Lai, estrategista-chefe da Upside Investor Research.
Na ponta do Ibovespa nesta segunda-feira, PetroRio fechou em alta de 7,64%, à frente de CSN (+6,80%), Petrobras PN (+6,13%) e BRF (+5,91%). No lado oposto, Carrefour Brasil cedeu 5,35%, estendendo a correção provocada pela morte de um cliente negro provocada por seguranças brancos de unidade em Porto Alegre, na noite de quinta-feira – destaque também para queda de 3,97% em Pão de Açúcar e de 3,33% em Cielo.
Juros
Os juros cumpriram trajetória altista nesta segunda-feira influenciados principalmente pela piora nas perspectivas de avanço nas medidas de ajuste fiscal ainda este ano, na contramão do discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, que pela manhã mostrou otimismo com a aprovação das matérias que estão no Congresso ainda em 2020. Outro fator foi o desempenho ruim das moedas de economias emergentes, sendo o real um dos destaques justamente em função da piora do risco fiscal doméstico, com o dólar voltando a se aproximar de R$ 5,45. Nesse contexto, a melhora nas expectativas em torno do lançamento das vacinas contra covid que embalou as bolsas não chegou na renda fixa.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 encerrou em 3,42% (regular) e 3,40% (estenida), de 3,365% no ajuste de sexta-feira, e a do DI para janeiro de 2023 subiu de 5,126% no ajuste anterior para encerrar a 5,24% (regular) e 5,20% (estendida). O DI para janeiro de 2025 fechou com taxa de 7,06% (regular) e 7,04% (estendida), de 6,955% no ajuste anterior, e a do DI para janeiro de 2027 terminou em 7,83% (regular) e 7,80% (estendida), de 7,744%.
Do ponto de vista externo, embora as bolsas estejam embaladas pelos avanços das fabricantes que trabalham na vacina contra o coronavírus, sendo o destaque hoje a AstraZeneca que lidera um projeto com a Universidade de Oxford, há grande preocupação com a evolução da segunda onda da pandemia. “O mercado lá fora está bem confuso”, disse o economista-chefe da Guide Investimentos, João Mauricio Rosal.
Internamente, o mercado parece impaciente com a paralisia das reformas e ausência de progresso das matérias no Congresso, tendo recebido muito mal o discurso de Guedes num evento pela manhã, no qual disse acreditar que até o fim do ano estarão aprovadas pautas como lei de falências, de gás natural, cabotagem e autonomia do Banco Central.
“Paulo Guedes perdeu a noção do seu lugar político, não percebeu que não tem mais influência alguma sobre a agenda, falando coisas disparatadas”, disse um profissional, que se diz cético sobre qualquer avanço legislativo este ano. Segundo ele, o apagão no Amapá complica ainda mais a situação, ao mobilizar a atenção do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), cujo irmão, Joel Alcolumbre, é candidato a prefeito em Macapá. As eleições municipais no Estado tiveram de ser adiadas em função do apagão.
À tarde, o ministro tentou fazer uma correção da rota, ao falar num evento da Empiricus, no qual admitiu estar “bastante frustrado” com o andamento de reformas em algumas dimensões e reconheceu que erros de sua própria pasta que podem ter contribuído para a demora na evolução das privatizações.
Carlos Lopes, economista do Banco BV, vê três principais eixos para explicar a inclinação da curva. Na cena fiscal, “nada vai ser solucionado tão cedo”. Há ainda a imprevisibilidade da segunda onda de covid e, por fim, a preocupação com a inflação. Por mais que o Banco Central veja os choques de preços como temporários, fato é que as estimativas vêm piorando sucessivamente em função do aumento em preços de alimentos, pressionados pela valorização das commodities e depreciação do câmbio, e administrados. Ainda não chegam a romper, no ano calendário, o centro da meta de 4% para 2020 e 3,75% para 2021. “Mas os sinais são de alerta”, diz Lopes, que espera IPCA de 3,5% em 2021.
Correio do Povo