Nesta quarta-feira, Elissandro Spohr, mais conhecido como Kiko, além das últimas quatro testemunhas prestaram esclarecimentos sobre tragédia; sentença pode sair até sábado
O ex-roadie da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão, vai ser o primeiro dos últimos três acusados a prestar esclarecimentos sobre a tragédia da boate Kiss, que vitimou 242 pessoas e feriu outras 636, em janeiro de 2013, em Santa Maria.
Os trabalhos no julgamento, que chega ao nono dia nesta quinta-feira, vão começar a partir das 9h, no segundo andar do Foro Central de Porto Alegre.
Após depoimento de Bonilha, devem depor Mauro Hoffmann, o outro ex-proprietário da casa noturna, e o ex-vocalista do grupo musical Marcelo de Jesus dos Santos.
Oitavo dia
A quarta teve o depoimento das últimas quatro testemunhas, além de um dos réus, Elissandro Spohr, mais conhecido como Kiko. Pela manhã, ocorreu um dos relatos mais aguardados, o do ex-prefeito de Santa Maria e atual secretário de planejamento e assuntos estratégicos de Porto Alegre, Cezar Schirmer.
Interrogado por cerca de duas horas e meia, o ex-prefeito se emocionou ao lembrar da tragédia, principalmente de um telefonema que recebeu de Dilma Rousseff, então presidente da República, poucas horas depois do fato.
“Desde o começo eu ouço insinuações de que deveria estar aqui, não como testemunha, mas como réu. Não fiz nada!”, exclamou Schirmer. O Ministério Público arquivou ainda em 2016 o inquérito policial contra o então prefeito de Santa Maria.
Schirmer também criticou, em mais de uma oportunidade, o inquérito feito pela Polícia Civil. Segundo ele, as inquirições foram feitas pela imprensa, com objetivo de incluir a prefeitura de qualquer maneira. À época do incêndio, a investigação concluiu que o ex-prefeito era um responsáveis pela tragédia.
Em paralelo ao depoimento de Schirmer, familiares das vítimas da tragédia deixaram o plenário durante testemunho do ex-prefeito.
Após, realizaram uma manifestação silenciosa na frente do prédio do Tribunal de Justiça, mostrando fotos do interior da Kiss após o incêndio.
Depois de Schirmer, depuseram duas pessoas que tinham relação profissional com o réu Mauro Hoffmann.
Em um primeiro momento, falou o gerente de vendas Geandro de Vargas, e na sequência o publicitário e à época da tragédia gerente de uma rádio local, Fernando Bergoli, que destacou que as divulgações de festas da Kiss eram tratadas somente com Kiko.
Quarta e última das 28 testemunhas previstas para prestar esclarecimentos no julgamento, o promotor de Justiça Ricardo Lozza, depôs durante a tarde.
Responsável por conduzir o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) referente à poluição sonora provocada pela boate, Lozza detalhou o documento, que segundo ele havia sido firmado 14 meses antes da tragédia. Além disso, afirmou que na época do incêndio a licença ambiental da Kiss era válida.
O promotor também falou que a fiscalização cabia à prefeitura. “Que tem poder de polícia para fechar estabelecimentos é a prefeitura, e não o MP”, sustentou.
A respeito do projeto de isolamento acústico, a testemunha relatou que a instalação de espuma – item que acabou alastrando as chamas e liberando o cianeto que vitimou a maioria das pessoas – não era prevista no documento.
O promotor também esclareceu que o inquérito de poluição sonora havia sido instaurado antes de Kiko adquirir a boate.
Kiko garante não ter sido consultado sobre pirotecnia durante show
Após o término dos testemunhos, o primeiro dos quatro acusados, Elissandro Spohr, falou por mais de duas horas. Durante depoimento, Kiko relatou a trajetória pessoal até comprar parte da boate Kiss por R$ 15 mil e um automóvel.
“Meu negócio com a noite era até então a musica”, disse o réu, ao ser questionado pelo juiz Orlando Faccini Neto.
Ao magistrado, o réu afirmou que a casa noturna era muito vistoriada, e que havia sido orientado pelo engenheiro Samir Samara a colocar espuma e uma parede ao lado da vizinhança, como forma de diminuir o barulho.
Sobre a utilização de artefatos pirotécnicos em shows, ele destacou que nunca tinha visto uma banda fazer aquilo. E complementou: “se faziam, eu não vi”, ao relatar não ter sido informado pelo grupo a respeito da utilização do artefato na apresentação.
Ao relatar o dia do incêndio, Kiko relembrou que quando as chamas iniciaram tentava convencer um frequentador a deixar o local por conta de embriaguez. “Não vi o início do incêndio. Só as pessoas gritando e correndo na direção contrária a porta”.
Em determinado momento, Kiko não conteve as lágrimas e desabafou: “Nós fazíamos corrente, pegávamos uns nas mãos dos outros, para sair de lá (casa noturna)”. “Eu não sabia o que fazer. Não sabia resolver. Não tem explicação isso daí”, complementou ao relembrar o momento em que ficou sabendo do número de vítimas.
Emocionado, na sequência ele virou a cadeira para o público que assistia o julgamento e disparou: “se querem me prender, me prendam! Eu não aguento mais!”.
A situação acabou gerando revolta dos familiares, sobreviventes e amigos das vítimas, que acabaram deixando a sessão. O juiz, então, anunciou um intervalo. Nesse momento, tanto Kiko quanto alguns alguns familiares precisaram de atendimento médico.
No retorno dos trabalhos, Kiko salientou que os extintores haviam sido colocados nos locais corretos e em boas condições de uso. “Por que ele (extintor) não funcionou? Eu não sei”, disse. Ao ser questionado pelo juiz sobre buscar contato com pais ou parentes das vítimas, o réu respondeu que sempre se sentiu envergonhado.
“Sem saber o que dizer. Eu fiquei como o culpado da situação. Perdi contato com amigos meus. Fiquei uns três anos sem sair de casa”. Na época, Kiko e a família se mudaram para Tramandaí, no litoral Norte.
Após Faccini concluir o interrogatório e conceder a palavra à defesa de Kiko, o advogado Jader Marques optou por que não fazer perguntas ao cliente, o que levou ao encerramento da sessão.
Durante o testemunho, Kiko respondeu apenas aos questionamentos do juiz, já que a defesa do réu optou pelo silêncio seletivo, artifício garantido por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que permite ao acusado responder as perguntas de quem desejar.
“As máscaras caíram”, avalia promotora
Após o término dos trabalhos, a promotora de Justiça do MP-RS, Lúcia Callegari, atendeu a imprensa. Na oportunidade, ela disse que acredita que os jurados já devem ter as decisões estabelecidas e avaliou de maneira positiva os relatos trazidos pelo primeiro réu.
“Foi um dia em que as máscaras caíram, pois ele passou todos esses anos tentando acusar outras pessoas”, avaliou.
Na ocasião, a promotora também disse acreditar que o julgamento, que já é o mais longo da história da Justiça gaúcha, possa ter um desfecho até o próximo sábado.