MEMÓRIAS DE SARANDI 66
Época: Década de 1960
Humberto Tesser Paris
BANHO DE RIO
Enquanto eu não tinha bicicleta, ia a pé com meus amigos até o açude da usina para tomar banho. Haviam três caminhos para ir: pelo catumbi, aproveitando para tomar banho na valeta; costeando o rio, aproveitando para tomar banho no açude do frigorífico se tivesse bastante gente; ou indo diretamente até a casa dos Bazanela, por onde entrávamos com consentimento dos proprietários. Após uma tarde de banho de rio, voltávamos famintos.
AS CEREJAS
Esta história quero ver se o Renato Klein se lembra. Certo dia voltávamos do açude da usina costeando o rio e, quando passamos pela propriedade dos Tonelo, encontramos um pé carregado de cerejas silvestres. Como o pé ficava longe da casa, achamos que eles nem ligavam para cereja e subimos para matar a fome. Quando estávamos em cima do pé, apareceu um dos filhos do Tonelo e perguntou o que estávamos fazendo ali em cima. Ele foi bem camarada e disse para descermos dali sem questionar a nossa atitude. Como ele foi bastante brando conosco, descemos do pé ainda comendo as cerejas. Aqui vai nossas desculpas atrasadas a família Tonelo.
O TORRESMO
Um dia voltei do banho de rio com meu amigo Kiko Giordani e passamos por dentro do frigorífico (antigo). Lá encontramos um recipiente cheio de torresmo e ninguém cuidando. Mais uma vez a fome falou mais alto e nos empanturramos de torresmo, alguns até com pelos de porco remanescentes.
Conforme eu me aproximava de casa, o torresmo, junto com o calor do verão, ia fazendo efeito. Quando cheguei já estava azul de tanto enjoo. Deitei no piso frio da área da frente de casa para amenizar um pouco.
Minha mãe nem tomou conhecimento, até por que a prima Ortenila Gambeta estava nos visitando. Sua filha Janice, que tem minha idade, na época por volta de 10 anos, veio me convidar para brincar. Eu disse que não podia. Ela insistiu e eu respondi que estava enjoado e que tinha de ficar ali deitado. Ela esperou um pouco (bem pouco) e veio com uma proposta irresistível: – então você é o pai e fica aí deitado, enquanto eu fico cuidando na filhinha. Naquele momento eu já era pai de uma boneca. Ela brincou um tempão sozinha, como se estivesse brincando comigo. Eu devo ter dormido, pois não lembro como terminou a brincadeira. Melhorei do enjoo, mas nem é preciso dizer que não podia mais ouvir falar de torresmo.
