Cenário “otimista” para o Planalto seria uma reviravolta nas projeções e a vitória de Trump
Na reta final das eleições nos EUA, o presidente Jair Bolsonaro tenta abrir canais de aproximação com o democrata Joe Biden, na frente nas pesquisas, e avalia como reagir à declaração do resultado oficial. A diplomacia brasileira se divide nas duas tarefas e apresentará ao presidente recomendações sobre como agir em todos os cenários.
Um deles é visto no Palácio do Planalto como de “considerável probabilidade”: a contestação do resultado por parte do aliado, Donald Trump, em caso de derrota por margem apertada. Neste caso, Bolsonaro seria aconselhado a silenciar. Nos últimos meses, o presidente americano tem pavimentado o caminho para a judicialização da eleição, com acusações de que o voto pelo correio permite fraudes.
No entanto, pelo menos dois colaboradores da equipe brasileira, diretamente envolvidos no monitoramento das eleições e com acesso às campanhas, sugerem comedimento. Ouvidos reservadamente, um deles disse que será necessário “esperar a poeira baixar”, em caso de judicialização. O outro afirma que a hipótese, já aventada por Trump, “exigirá cautela do nosso lado, para não se precipitar na comunicação”. Nenhum deles garante que Bolsonaro, cujo estilo é agir por impulso, seguirá a recomendação.
Bolsonaro recebe informações e análises constantes sobre o andamento da campanha. Ao longo deste mês, os republicanos travaram diálogo diário com o Planalto. As avaliações foram levadas ao conhecimento do presidente e dos ministros.
Amanhã é o prazo final para que Bolsonaro defina sua estratégia diplomática na noite da eleição e nos dias seguintes de apuração. Nos bastidores, o governo reconhece a dianteira de Biden nas pesquisas, embora seja proibido falar antecipadamente sobre possível derrota de Trump.
O cenário “otimista” para o Planalto seria uma reviravolta nas projeções e a vitória de Trump, mas a margem deve ser mais apertada do que há quatro anos. Não se descarta também a possibilidade de que a diferença no colégio eleitoral seja mínima, ainda que a favor de Biden.
Se a vitória de Biden for folgada, o governo brasileiro deve reconhecer a vitória. Dos dois lados, não há interesse em ruptura, por razões geopolíticas, o que fortaleceria a expansão chinesa nas Américas, objetivo declarado do presidente chinês Xi Jinping.
Neste caso, devem entrar em campo o embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, e o chanceler, Ernesto Araújo, além do assessor internacional Filipe Martins. Os dois últimos trabalham para não cair em desprestígio no governo e perder a pecha de “olavistas”, dada aos bolsonaristas influenciados pelo escritor Olavo de Carvalho. Araújo, no entanto, é frequentemente lembrado por democratas em Washington pela autoria de um texto em que classificou Trump como o “salvador do Ocidente”.
Houve tentativas de contatos com nomes próximos a Biden, por meio de intermediários, conselheiros e assessores. Até o momento, no entanto, uma reunião oficial com a equipe democrata foi vetada, pois a campanha não aceita relações formais com governos estrangeiros. A interferência da Rússia na campanha de 2016 fez Trump e seu time de segurança nacional serem investigados. Os democratas querem evitar acusações de interferência externa, segundo fontes dos dois lados.
Os brasileiros querem mostrar aos democratas que estão abertos a dialogar e trabalhar em conjunto. É um discurso-padrão da chancelaria há alguns meses. Embora credite os avanços em acordos de defesa, tecnologia e comércio à amizade entre Trump e Bolsonaro, Araújo já afirmou que a relação se reorganizará, mas não será afetada. Um assessor da campanha democrata disse entender que é difícil controlar as falas de Bolsonaro, afirmou que há pessoas tentando regularizar a situação, mas “o presidente ainda é o presidente”.
A saída para avançar em uma agenda bilateral, segundo envolvidos, deve exigir que os países retirem o foco da relação pessoal entre os líderes. Algo improvável de ser reeditado. Isso porque o imagem de Bolsonaro dentro do Partido Democrata é muito ruim e qualquer movimento de aproximação de Biden com o presidente brasileiro deve criar atritos com a ala mais progressista da legenda.
Nos últimos dois anos, Trump e Bolsonaro trocaram elogios em quatro encontros – três nos EUA e um no Japão. A boa vontade, não foi suficiente para que os EUA atendessem a boa parte das pautas do Brasil, mas abriu caminho para o diálogo. Com Biden, assessores apostam que a relação será oposta. Diplomatas continuarão o trabalho em silêncio e as fotos amistosas devem desaparecer.
No Itamaraty, a aposta é por uma relação mais formal, um “esfriamento e desaceleração” da agenda entre os dois países. Diplomatas experientes avaliam que Biden tentará conduzir uma política externa com abordagem multilateral, envolvendo diversos países, enquanto Trump valoriza mais o nacionalismo.
Biden quer ser o primeiro presidente a colocar a pauta climática no centro da política externa americana e já prometeu “reunir o mundo” para proteger a Floresta Amazônica. Ele afirma que vai retornar ao Acordo de Paris. Trump e Bolsonaro, por sua vez, são vistos nos fóruns internacionais como “negacionistas climáticos”.
O Brasil sabe que isso pode colocar Planalto e Casa Branca em choque, mas tenta sinalizar aos americanos que o caminho para a proteção ambiental é o de cooperação e isolar o governo brasileiro seria ineficiente. Do outro lado, o time de Biden vê com bons olhos algumas ações do governo brasileiro, como o combate às queimadas coordenado pelos militares e o engajamento do vice-presidente Hamilton Mourão.
A campanha de Biden espera um primeiro sinal formal de disposição ao diálogo vindo de Bolsonaro, mas o problema estará nas duas pontas: a figura do presidente brasileiro e a esquerda do Partido Democrata, que vai exigir que parte do trabalho seja feita nos bastidores. Se perder a eleição, Trump deixará o cargo sem cumprir uma promessa pessoal feita a Bolsonaro: uma visita ao Brasil – ao menos como presidente.