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sexta-feira 22 novembro 2024
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Tragédia em cânion expõe falta de regra sobre risco em área turística

Especialistas apontam que não há norma específica sobre avaliação de risco geológico em regiões naturais voltadas ao lazerDez pessoas morreram na tragédia em Capitólio

Dez pessoas morreram na tragédia em Capitólio 

A tragédia em Capitólio (MG), em que 10 pessoas morreram após um paredão se desprender e atingir embarcações no Lago de Furnas, expõe a necessidade de regras específicas para análise de risco geológico em áreas exploradas pelo turismo, dizem especialistas.

Há uma lei federal, a 12.608/2012, que aponta ser “dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios adotar as medidas necessárias à redução dos riscos de desastre”. No artigo 8º, a norma diz que é competência do município “identificar e mapear as áreas de risco de desastres”. Outro trecho diz que cabe ao município elaborar o mapeamento de áreas suscetíveis a deslizamentos.

Apesar disso, especialistas consultados pelo R7 apontam que a lei se refere à ocupação urbana, que não é o caso em Capitólio.

Área de risco é diferente de área de visitação turística, explica especialista

Doutora na área de mapeamento geológico e professora da UFG (Universidade Federal de Goiás), Joana Sanchez afirma que é preciso diferenciar uma área de risco de uma área de visitação turística. A geóloga, que estuda riscos em áreas exploradas pelo turismo, afirma que não há nenhuma lei que obrigue um ente a realizar a avaliação técnica dessas regiões de lazer.

“Existe uma falta de conhecimento e uma negligência do poder público. Não existe uma legislação sobre regiões turísticas, nem quem tem que fazer [os estudos]”, afirma.

Joana Sanchez integra um grupo de trabalho com estudiosos de outras instituições que foi criado no fim do ano passado depois do acidente em uma gruta que matou nove bombeiros civis no interior de São Paulo. A ideia é elaborar uma cartilha nacional sobre como devem ser os cuidados e mapeamentos geológicos em áreas naturais exploradas turisticamente. A geóloga frisa que a tragédia em Capitólio era “superevitável”.

“Se existisse esse conhecimento da área técnica… As rochas davam indícios que iriam cair há muito tempo. E não era uma coisa sutil. Era fácil de perceber que a rocha poderia se desprender. Se houvesse um laudo técnico, qualquer geólogo poderia dizer: não cheguem perto deste local”, explica.

Professor da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), o geólogo Heitor Siqueira Sayeg ressalta que existe um conjunto de responsabilidades compartilhadas pelos entes da federação, mas que não há uma regulamentação com protocolos e obrigações relativos aos riscos de áreas exploradas pelo turismo. “A princípio, a prefeitura deveria estar cuidando disso, mas não dá para cobrar deles, porque não há uma regra da administração pública que incorpore a geologia como um fator de gestão de risco”, diz.

O professor afirma que a tragédia poderia ter sido evitada e que o turismo em regiões como Foz do Iguaçu e Lago de Furnas é de natureza geológica. “É preciso de uma lei específica, porque a situação envolve entes federal, estadual e municipal”, opina.

Lei 12.608 é genérica, avalia geólogo do CPRM

O geólogo Tiago Antonelli, do CPRM (Serviço Geológico do Brasil), afirma que a Lei 12.608 não traz especificação sobre áreas de lazer e turismo, o que pode ser visto como uma lacuna. “Não é clara. É uma lei geral que foi criada com o cunho das cidades, centros urbanos e zonas de expansão. Valeria uma legislação específica para isso”, aponta.

Antonelli ressalta que o Brasil tem turismo muito frequente em áreas naturais, e que seria necessário uma lei específica. Em áreas com empreendimentos, esse tipo de estudo geológico é obrigatório. Mas em áreas de turismo, não há nenhum tipo de verificação ou monitoramento. “Se houvesse, seria possível saber que aquela porção está na iminência de cair. Por isso, uma lei específica obrigando o responsável a fazer um estudo geológico técnico, seria interessante”, diz.

O Serviço Geológico, quando provocado, realiza o mapeamento de regiões para municípios. Em Capitólio, entretanto, isso nunca foi demandado.

Política pública precisa ser discutida

Professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e presidente da Febrageo (Federação Brasileira de Geólogos), Fábio Augusto Gomes Vieira Reis pontua que a Lei 12.608 não trata de área de risco de zona turística. Por isso, segundo ele, é difícil remeter a responsabilização ao caso em Capitólio a um dos entes, ainda que, a princípio, a responsabilidade seja do município.

“Precisa discutir uma política pública para ter claramente em áreas turísticas de quem seria a responsabilidade”, ressalta. O professor explica que apesar de a exploração turística não ser feita por Furnas, poderia ser o caso de observar a responsabilidade da empresa, que precisa manter a qualidade do seu reservatório. “Furnas não tem responsabilidade pelo turismo e navegação, mas dentro do licenciamento ambiental você pode colocar como condicionante a necessidade de fazer um monitoramento de erosão, de movimentação de massa”, explica.

“Autonomia constitucional”

A reportagem entrou em contato com a Marinha, responsável pela fiscalização de embarcações na região, e com a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, mas ainda não obteve retorno. No caso da secretaria, a pasta informou que servidores foram deslocados para a região.

Em nota, o Ministério do Turismo afirmou que “estados e municípios têm autonomia constitucional para atuar na organização de produtos e serviços turísticos, regulamentando questões de segurança e determinando regras de operação de acordo com as características locais”. A reportagem aguarda também retorno do prefeito de Capitólio sobre o assunto.

Em nota, Furnas afirmou que usa a água do lago para a geração de energia elétrica, “e que compete aos respectivos poderes públicos a gestão dos demais usos múltiplos do reservatório, dentre os quais as atividades econômicas de turismo profissional”.

Correio do Povo




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