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sexta-feira 22 novembro 2024
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“Socorro”, esboço de choro e sem protestos: o 1º dia do novo júri do Caso Bernardo

“Socorro”, esboço de choro e sem protestos: o 1º dia do novo júri do Caso Bernardo

Foro da Comarca de Três Passos ouve Leandro Boldrini, acusado de participar da morte do filho aos 11 anos, em 2014

Foto: Christian Bueller / Especial CP

O júri de Leandro Boldrini, acusado de participar da morte do filho, Bernardo Boldrini, de 11 anos, em 2014, começou na manhã desta segunda-feira, na Comarca de Três Passos, no Noroeste gaúcho.

É o segundo julgamento do médico como réu, após a sentença que o condenou, em 2019, ter sido anulada dois anos depois pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Durante a manhã, foram apresentados pela promotoria áudios e vídeos mostrando a relação conturbada entre pai e filho.

Uma gravação caseira feita por Boldrini com o menino Bernardo gritando “socorro” repetidas vezes marcou o início do julgamento. Em certo momento, o réu pediu para sair da sala para voltar em seguida. Em outra ocasião, chegou a esboçar um choro contido.

Uma conversa entre Bernardo, o pai e a madrasta prosseguiu em apresentação da promotoria. Ofendido verbalmente algumas vezes pelos adultos, o menino dizia que o pai o havia agredido. Descontrolado, o menino chega a desejar a morte de Leandro, ao que a madrasta, Graciele Ugulini, responde dizendo: “tu não sabe o que sou capaz de fazer”.

Conforme o Correio do Povo, no primeiro dia de júri popular, Leandro repetiu negativas com a cabeça, engoliu seco diversas vezes, roeu unhas e se moveu na cadeira demonstrando nervosismo. Em outra gravação, Bernardo apareceu falando com dificuldade e aparentando estar dopado.

Em uma conversa telefônica com Boldrini, em 2014, a madrinha de Bernardo, Clarissa Oliveira, que residia em Santa Maria, questionou o pai sobre o “calhamaço” de remédios que o afilhado passou a tomar.

O médico responde que era para amainar o lado “agressivo” do menino. Clarissa se dizia a  “segunda mãe” de Bernardo. Ela era amiga de Odilaine Uglione, mãe do menino, que morreu em 2010. Ela menciona, na ligação, não acreditar que o médico tenha participação no crime, mas questiona por que não havia sido procurada antes, quando a criança desapareceu. Ela também sugere ficar com a guarda de Bernardo.

Na conversa de Clarissa com Leandro, obtida pela investigação e apresentada pelo Ministério Público (MP) durante o júri, a madrinha questiona sobre a viagem de Graciele a Frederico Westphalen. Foi em uma cova na cidade vizinha de Três Passos que Bernardo teve o corpo enterrado.

Na mesma ligação, ao relatar a Leandro uma situação expondo o temperamento difícil do menino, Clarissa comenta ter percebido que ele sentia carência afetiva. O médico responde que a criança, às vezes, parecia um “bichinho sem raciocínio” e parecia ter “surtos psicóticos” e crises.

Boldrini também explica, na conversa com Clarissa, em 2014, a calma dele em relação ao sumiço do filho: “Não sou desses de sair na rua gritando ‘socorro’”, argumenta o médico.

Delegada que investigou sumiço depõe

Na parte da tarde, como testemunha arrolada pela acusação, a delegada Caroline Machado, que recebeu a primeira ocorrência, sobre o desaparecimento de Bernardo, em abril de 2014, depôs durante cerca de seis horas. Ela relatou o “desleixo” e o abandono com que Bernardo era tratado pela família, embora os depoimentos não tenham apontado desavenças na família.

“Não constava que havia problemas. Mas na escola, a história que ouvimos era diferente”, lembrou. A delegada disse que, inicialmente, pensou estar diante de um crime de sequestro. “Fomos na casa e no quarto onde Bernardo morava. Olhei a mochila, não havia nada escrito no caderno. Um pai deveria saber”, pontuou.

Diligências aumentaram as desconfianças de Caroline. “Foi um somatório de fatos. Leandro falava no filho sempre no passado. Além disso, não disponibilizou todos os números de celular. Ele era um médico conceituado, poderia se tratar de um sequestro. Mas, somos Polícia, tínhamos desconfianças”, acrescentou a delegada. A policial disse que se surpreendeu com a “frieza” do médico durante as buscas e relembrou que Leandro e Graciele foram a uma festa, em Três de Maio, mesmo com o menino ainda sumido. “Até a mãe dele (Leandro) questionou”.

“Com as escutas e oitivas, ficou claro o desamor na família. E Leandro sabia disso”, contou a delegada. Caroline relembrou o dia em que Bernardo, sozinho, se dirigiu até o Fórum de Três Passos, meses antes da morte, levando reclamações sobre o que vivia em família. A policial apontou que o menino ouvia do pai que era dele a culpa pela morte da mãe – caso investigado como suicídio, em 2010. “Com sete anos de idade, ele viu que queimaram fotos da mãe dele. Além disso, percebia que a Graciele vestia roupas dela”, frisou Caroline.

A delegada detalhou, na sequência, o depoimento de Edelvania Wirganowicz, amiga de Graciele, que participou da execução do assassinato. “Ela foi trazida para Três Passos, onde falou tudo o que fizeram. ‘Pintaram’ o menino como louco, esquizofrênico, que a família corria risco com o guri”, completou a delegada. “Edelvania falou das compras da pá e da soda, que serviria para diminuir o cheiro do corpo. Mas não falou do medicamento durante o inquérito.

O midazolan foi receitado por Leandro. Mas isso foi omitido inicialmente”, revelou a delegada. Segundo Caroline, o hospital onde o médico atendia deu falta de ampolas do remédio. “Solicitamos à prefeitura se havia pedidos do medicamento. Para nossa surpresa, havia solicitação para Edelvânia, com receita assinada por Leandro”.

Uma testemunha procurou a polícia nas época porque não conseguia dormir. “Ela havia sido procurada para fazer o que a Edelvania fez depois. Estavam inocentando Boldrini e ela não aceitou. Por isso, procurou a polícia”, revelou a delegada. “Bernardo não se encaixava na família. Nem ia nas viagens. Ficava sempre em Santa Maria com os padrinhos.

O menino era um estorvo na vida deles. Como um médico conceituado vai dar um filho? Então, resolveram matar”, concluiu, acrescentando que a existência de uma possível herança para o menino não chegou a ser aprofundada no início das investigações.

As outras testemunhas serão ouvidas a partir desta terça, segundo dia do julgamento. Ao contrário do ocorrido no primeiro júri, em 2019, não houve manifestações ou protestos por parte da comunidade. Apenas alguns curiosos se aproximaram do prédio do Foro da Comarca de Três Passos.

Christian Bueller/Correio do Povo



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