Em meados dos anos 80 a Família grande costumava reunir-se em Atlântida, aproveitando que minha mãe passava parte do verão na nossa saudosa casa de praia, palco de muitas de nossas histórias.
Nos fins de semana meu pai vinha de Sarandi e aportavam juntos os filhos com suas famílias e o caos se instalava.
A superlotação era rotina.
O pai e a mãe refestelados em seu quarto não interferiam na disputa das quatro famílias pelos dois quartos restantes, pelo sofá-cama da sala e o último que chegasse era obrigado a resignar-se em acampar na garagem.
Bem, em uma dessas vezes eu fiquei no quarto da frente com as minhas filhas e minha irmã mais nova e seu marido, um casal ainda jovem e sem filhos no quarto de trás.
O dia começou ensolarado . Fomos para o mar, voltamos, almoçamos e os dois romanticamente retiraram-se para o quarto.
Nesse ínterim a empregada fazia um bolo para o lanche da tarde .
Lá pelas tantas , eu que não dormia depois do almoço, entrei na cozinha e me deparei com um fogaréu que saía da mangueira do gás ao lado do fogão.
Com a fleuma britânica que me é característica, saí gritando para quem quisesse ouvir: fogo, fogo!
O botijão de gás vai explodir!
Rapidamente resgatei minhas filhas que brincavam no quarto e saímos para a rua ainda gritando.
Com a algazarra minha mãe acordou da sesta e em vez de ir apagar o fogo, juntou-se a nós nos gritos.
Subitamente surgiu pelo corredor meu cunhado, um jovem alto, atlético, completamente descabelado e nu como veio ao mundo, com os documentos expostos ao nordestão , para delírio de sua sogra e espanto de minhas filhas, perguntando :
onde é o fogo, onde é o fogo?
Então com sua tranquilidade habitual foi até a cozinha e com uma manobra tão simples como fechar o gás, acabou com o incêndio .
Em seguida veio para a sala obviamente ainda pelado nos explicar como devíamos proceder em casos semelhantes.
Primeiro, botijão não explodia, segundo, bastava fechar a saída de gás do mesmo e terceiro, nunca, jamais, entrar em pânico!
Minha mãe como boa Grapiglieta, não conseguia concentrar-se na explicação, perturbada que estava com a imagem dos documentos balançando ao vento e as meninas achando muito engraçado seu tio dar uma aula sobre segurança, pelado, no meio da sala.
Terminada a explicação ele retirou-se garbosamente para o quarto, como se estivesse vestindo um smoking.
Enquanto isso minha mãe tentava se recuperar da entrada apoteótica de seu genro e com essa quase tragédia teve assunto para o resto do veraneio.
Não sobre o fogo mas sobre a aparição do David de Michelangelo, como ela gostava de contar.
Viviane M Foresti