Relatório aponta novos indícios do envolvimento de facção criminosa na eleição em Sarandi
Em 258 páginas, Ministério Público reúne conversas que levaram a Justiça a tornar réus o prefeito e o vice eleitos em novembro
Um relatório anexado ao processo que apura o envolvimento de uma organização criminosa nas eleições de Sarandi demonstra a proximidade entre um militante do PDT e o homem apontado pelas autoridades como chefe da facção do município. Em mais de 550 mensagens trocadas, eles conversam sobre o uso de armas e drogas, monitoram a movimentação da polícia e combinam ações eleitorais, como entrega de panfletos e atemorização dos adversários.
A suspeita de que o prefeito Nilton Debastiani e o vice Reinaldo Nicola tiveram ajuda do bando na eleição de 2020 levou o Ministério Público (MP) a pedir a cassação do diploma dos dois, eleitos em novembro pelo PDT. A Justiça Eleitoral recebeu a ação MP e mandou citar os quatro réus para apresentação de defesa prévia.
No total, são 258 páginas que dão suporte à Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) protocolada pelo promotor Caio Isola de Aro. A documentação reúne uma série de indícios que aproximam a organização criminosa de Debastiani e Nicola, incluindo fotografias e reuniões clandestinas. Por decisão da juíza Andreia dos Santos Rossatto, o material foi compartilhado com a Polícia Federal e também deve subsidiar eventuais investigações criminais contra o grupo.
O dono do aparelho era Gilberto Ribeiro Bueno, suspeito de ser o chefe na cidade de uma facção com origem no Vale do Sinos e atuação no tráfico de drogas. Autorizada pela Justiça, uma varredura no aparelho revelou farta interlocução de Gilberto com Guilhermo Beck da Silva, militante filiado ao PDT e de ativa participação na campanha eleitoral.
Empregado de uma das empresas do vice-prefeito, Guilherme aparece na troca de mensagens ora combinando churrascos com Gilberto, ora encomendando revólveres e munição, ora planejando a entrega de panfletos, ora avisando sobre a presença da polícia, ora prometendo combustível, ora pedindo ajuda para intimidar os militantes rivais.
Em determinado momento, eles chegam a acertar a distribuição de crack para que viciados passem a noite em vigília. “Aquela jogada dos fumador de pedra temos que colocar em ação”, escreveu Guilhermo em 3 de novembro. “Vamos usar os guri, usuário. Tudo que tiver (…). Vamos dar umas pedras para eles ficarem na campanha. Incomodar eles”, responde Gilberto.
As conversas mostram que Gilberto, que atualmente está preso preventivamente por envolvimento com o tráfico de drogas, mantinha relações com o prefeito e o vice. Em 31 de outubro, ele pede a Guilherme uma fotografia que havia tirado no mesmo dia com Debastiani. Pouco antes de enviar a foto, Guilherme pede um revólver e recebe como resposta as imagens de duas armas, para escolher.
Na sequência, ele avisa Gilberto de uma reunião. “Às 17h vamos ter uma reunião com a turma da noite. E o chefe pediu para você participar”, alerta. Para o Ministério Público, é “inequívoca a devoção de ambos a Nicola, a quem chamam de patrão, chefe ou homem, a indicar superioridade hierárquica”.
O promotor Caio Aro também sustenta que caberia a Nicola o pagamento do advogado de defesa da membros da facção que estão presos. Como exemplo do compromisso financeiro, Aro anexou ao processo áudios e trocas de mensagens em que o advogado João Vianei Weschenfelder cita o vice-prefeito e cobra pelo serviços prestados. “A questão do Nicola, aí quem tem que resolver isso aí entre vocês. Eu preciso receber. E se o Nicola não pagar, é você que tem que pagar, entendeu?”, diz Vianei a Gilberto em 20 de outubro.
As suspeitas são reforçadas por mensagens enviadas do Presídio Estadual de Sarandi por Pablo Rupulo, o Babalu, suposto membro da facção, condenado por tráfico de drogas. Babalu quer ajuda para tirar da cadeia a esposa, também presa por tráfico.
“Vocês têm que comunicar o Nicola para chegar no Vianei, meu guri”, orienta Babalu. “Já marquei para conversar com ele pessoalmente. Não dá pra confiar em mensagem, né, principalmente com autoridade”, responde Gilberto. Dois dias depois, ele tranquiliza Babalu: “Tá beleza, o Nicola vai conversar com ele”.
Para o MP, a documentação comprova que Debastiani e Nicola teriam sido beneficiados pelos atos de abuso de poder econômico da organização criminosa. Ao analisar os dados extraídos do celular de Gilberto e o material apreendido em cumprimento de mandado judicial na casa de Guilherme, o promotor Caio Aro afirma que “são suficientemente exaurientes no sentido de que o PDT, sobretudo na figura de Reinaldo Nicola, valeu-se de amplo apoio de integrantes de facção criminosa e do tráfico de drogas na campanha eleitoral”.
Contrapontos
O que diz o prefeito de Sarandi, Nilton Debastiani:
“Tem de perguntar para o Ministério Público de onde tirou isso daí. Se tem foto minha (com o Gilberto), não sei. Devo ter conversado com 8 mil, 10 mil pessoas durante a campanha. Não conheço Gilberto, não sei como é, nunca vi na minha vida. Não vi a foto do inquérito. Se olhar, pode ser. O Guilhermo é um militante nosso, fazia o que faz um militante, sai na rua, em campanha. Essa construção que eles estão falando terá de ser provada, não sei do que estão falando. Não acredito que exista isso, é uma versão do Ministério Público apenas. Não fomos intimados, não sei de nada. O que eu sei é o que está sendo publicado por vocês. Vamos nos defender no processo.”
O que diz o vice-prefeito Reinaldo Nicola:
“Ainda não fui intimado, tampouco o Debastiani. Nunca sentei com o Gilberto. Conheço ele de vista, vi duas vezes. Uma, num batizado após as eleições, e antes da eleição, uma vez. Nunca ninguém pediu pra eu pagar conta de advogado, não paguei, nem solicitado fui. Até porque não falei sobre o assunto com ninguém. É absurdo, ilação. Se acharem uma conversa, uma foto minha com o Gilberto, eu renuncio ao mandato. Eu vi a foto dele com o Debastiani. Sabe onde foi? Numa visita do prefeito à casa do sogro dele (Gilberto), que é um militante histórico do PDT. Nós visitamos 3 mil casas. Eu não tenho foto nenhuma, não falei com o cara, não paguei conta, não existe absolutamente nada disso. Não sei manusear arma, nunca vi droga na vida, só pela televisão. O Guilhermo eu conheço, é militante do PDT e trabalha comigo, numa empresa em que sou sócio. Ele trabalha até as cinco da tarde, depois a vida é dele. O que existe aqui é uma briga local, o pessoal não aceitou a derrota, tanto que pela primeira vez na história de Sarandi o prefeito e o vice derrotados não foram na cerimônia de posse dos eleitos.”
O que diz Gilberto Ribeiro Bueno:
GZH não conseguiu contato com a defesa de Gilberto Ribeiro Bueno.
O que diz Guilhermo Beck da Silva:
GZH ligou diversas vezes para a empresa em que ele trabalha, mas não conseguiu contato.
O que diz João Vianei Weschenfelder: