Uma conversa com o DJ Cassiano Barbosa
Me propor a significar a música, seria sujeitar-me à passar todos os dias, até o fim de minha vida em uma tarefa interminável, refletindo sobre algo sem resposta, ou significado único. A música é arte, e arte é tudo o que é, e tudo que você quer que ela seja. Multifacetada, pois é um pouco de quem cria e um pouco de quem a aprecia (significar e resignificar).
Ela nos toca de modos diferentes, segue as linhas de nossa subjetividade.
A música em sua instância terapêutica, é um reservatório de sentimentos, onde não escolhemos qual deles vamos sentir.
Na verdade, ela mergulha, sem permissão, em nosso inconsciente e se utiliza da emoção que melhor a veste. <br> Acho que o que mais me chama a atenção na música é isto: a capacidade de criar momentos reflexivos, eufóricos, epifanias atravessadas por incontáveis influências e acontecimentos que compõem quem somos, nossa subjetividade.
Ser Dj, hoje em dia, em minha opinião, requer uma super necessidade de estar em evidência, e isso, com certeza, desloca um pouco do foco da música, em si, para o dj, ou a vida que ele leva. Não basta ser Dj, é preciso mandar bem no seu marketing pessoal e em sua rede de relacionamentos, muitas vezes, mesmo com alguém que você não gosta. Eu não quero isso, não faz parte de quem sou.
Não vou me aproximar e criar laços com pessoas que não conheço motivado por interesses pessoais.
Respeito quem pensa desta forma, mas eu não funciono assim.
Esse atual cenário somado a possibilidade de expressão que produzir permite, definitivamente foi o que me motivou a deixar em segundo plano a carreira de Dj e começar a criar meu próprio som, no meu cantinho, onde minha introspecção, que me acompanha desde pequeno, torna-se um atributo positivo. Compartilho do pensamento da lenda da NFL Walter Payton: “Quando tu és bom em alguma coisa, tu vais dizer à todos. Quando tu és fantástico em alguma coisa, eles vão te dizer.
” Chegou um momento da minha vida em que precisei decidir, um ou outro.
Psicologia foi minha escolha profissional, produzir música e tocar como Dj tornou-se uma via de fuga desse sistema capitalista onde tudo tem que ser visando o dinheiro e o sucesso. Aqui, eu faço por mim e da maneira que gosto.
Alguém, em algum lugar do mundo, vai sentir se tocado.
Um amigo meu me dizia: “Não tenho que agradar a ninguém, só quero que aquele que ouvir meu som sinta algo, bom ou ruim, ame ou odeie.” Não descarto a possibilidade de isso um dia me trazer dinheiro ou sucesso, mas nunca será esse o meu norte.
Na produção musical, meu maior intuito é deixar um pouco de mim em minhas produções para sincronizar sentimentos e palavras não ditas entre música e ouvinte.
Ainda estou me conhecendo, me adaptando à esse universo de criação, deixando que ele me guie pelas linhas que meu inconsciente me permite enxergar. Meu erro foi acreditar que apenas música eletrônica era bom, nada mais além dela.
Só mais tarde percebi que a minha ignorância não estava me permitindo ver muita coisa boa que havia além dos meus preconceitos e que todas as músicas que gosto hoje em dia, são reflexos daquilo que o produtor ouvia em outros estilos musicais, que eu ouvia.
Minhas referências fora da música eletrônica são Zé Ramalho, Pink Floyd, SOJA, Groundation, Cachorro Grande, Comunidade Nin Jitsu. Já na música eletrônica: Fabricio Peçanha, Guy J, Mirco Niemeier, Mano Le Tough, David August, Stefan Biniak, Hernan Cattaneo e muitos outros. Acredito, sim, que a cena da música eletrônica está poluída de mesmice (aqueles que pensam que acharam a “fórmula mágica” e produzem tudo igual), e que há uma grande correlação com uso de drogas. Já experimentei algumas e tive certas experiências, por isso, posso dizer que nada é mais gratificante que não precisar de estimulantes para ter vontade de cair na pista, sentir prazer e amor em ouvir um som.
Nas palavras de Hernan Cattaneo, grande nome da música eletrônica: “Os vícios não são da noite, nem da eletrônica. Eles são das pessoas, a qualquer hora, lugar e com qualquer preferência musical.”