Hoje vamos falar sobre um tema que tem intrigado muitos profissionais da Educação Física, bem como atletas e amantes dos exercícios físicos: a fadiga muscular. O que é fadiga muscular? Por que ocorre? É possível evitá-la ou retardá-la?
Fadiga muscular é definida como a incapacidade de se manter o rendimento durante o exercício físico intenso ou prolongado. Seria a inabilidade do músculo esquelético de gerar elevados níveis de força muscular ou mantê-los durante um determinado tempo.
Assim, segundo Mark H. (2006), fadiga é qualquer redução na habilidade do sistema neuromuscular de gerar força. Esta situação é corriqueira em esportes de resistência bem como em atividades de maior intensidade.
O controle neural do movimento envolve uma cadeia de processos fisiológicos que abrange desde o controle cortical no cérebro até o comando periférico da musculatura esquelética.
A fadiga muscular, uma vez instaurada, demonstra que pode ter havido uma falha em qualquer um dos níveis do trajeto desde o sistema nervoso central até a periferia, representada pela mecânica da contração muscular (Silva et al., 2006).
Situações típicas de fadiga muscular ocorrem diariamente, por exemplo, um campeão mundial de natação que liderava todo o percurso da prova entra em fadiga muscular aguda e perde a medalha de ouro nos metros finais daquela prova (com isso perde o treinador, perde o patrocínio milionário e os contratos com empresas esportivas).
Esta é uma questão presente em nosso cotidiano como profissionais da Educação Física e merece todo cuidado e dedicação na tentativa de buscarmos soluções eficazes e seguras.
Por incrível que pareça, existem pontos positivos e negativos em relação a fadiga muscular. Por exemplo, a fadiga é um mecanismo de defesa do corpo que pode proteger o atleta.
Um indivíduo fadigado está próximo da exaustão e, consequentemente, com mais chances de sofrer lesões, já que vai perdendo sua propriocepção e diminuindo sua coordenação motora. Sentindo-se fadigado, a pessoa interrompe o esforço físico antes de se machucar e acaba se protegendo.
Contudo, há o lado negativo da fadiga muscular, o indivíduo perde performance e deixa de executar o esforço físico desejado. Isso pode significar que um obeso não consiga completar sua caminhada ou que um atleta de elite perca uma prova por conta do esgotamento físico.
A indústria do esporte hoje gera milhões de dólares diariamente com publicidade em torno de mitos do esporte. Existe um interesse direto por parte de empresas que patrocinam grandes ídolos do esporte, no sentido de investir em mecanismos que possam desacelerar o processo de fadiga em atletas, para que os mesmos tenham melhor rendimento em suas competições.
Ademais, mesmo no âmbito da estética e da saúde, muitos são os estudiosos que tentam desvendar os reais fatores causadores da fadiga muscular para impedir ou retardar a ação dos mesmos. Vamos, aqui, tentar elucidar os principais pontos sobre esse tema.
Tipos de Fadiga Muscular
É preciso considerar que a fadiga muscular depende diretamente do tipo de trabalho que está sendo realizado, bem como da duração e da intensidade do exercício, além do tipo de fibras musculares que foram recrutadas para aquela tarefa.
O estado de condicionamento físico do indivíduo e as condições do meio ambiente no qual ele se encontra durante a execução do exercício também são fundamentais para ditar a forma como a fadiga muscular irá se instaurar (Silva et al., 2006).
A fadiga muscular pode ocorrer basicamente de duas formas:
- Central: neurônios motores proximais em sua maioria no cérebro;
- Periférica: neurônios periféricos, as fibras musculares e as unidades motoras.
Tanto a fadiga central como a periférica (ou ambas) pode incapacitar o indivíduo a continuar na execução de um determinado exercício físico.
Fadiga Muscular Central
A fadiga central ocorre quando os níveis de excitamento do sistema nervoso central estão baixos. É causada pela inibição dos impulsos nervosos em determinado grupo muscular fatigado.
Ainda não se conhece o mecanismo exato desse tipo de fadiga, mas parece que a inibição pode ocorrer em qualquer parte do trajeto do impulso nervoso, desde o cérebro até os neurônios espinhais.
Existem alguns fatores que já estão sendo apontados pela literatura científica como prováveis razões da fadiga central:
- Desidratação;
- Diminuição dos estoques de glicose no sangue;
- Falha na atuação de determinados neurotransmissores;
- Alteração plasmática da concentração de aminoácidos de cadeia ramificada e triptofano.
A desidratação parece exercer um importante papel na fadiga muscular central. Desidratado o indivíduo reduz o seu tempo de performance durante o exercício, aumenta a sua temperatura corporal interna, aumenta a frequência cardíaca e ainda perde mais água em forma de transpiração na tentativa de regular a temperatura interna. O suor em excesso reduz o volume sanguíneo o que leva a um suprimento inadequado de oxigênio aos tecidos musculares e acelera o estado de fadiga.
Outro fator causador de fadiga central é a redução dos estoques sanguíneos de glicose. O sistema nervoso central funciona quase que exclusivamente à base de açúcar.
Em estado de esforço intenso aumenta a taxa de desidratação e com isso o risco de hipertermia é maior, levando a diminuição do fluxo de sangue para o fígado, limitando a quebra do glicogênio ali estocado e impedindo a elevação dos níveis de glicose.
Sem glicose o sistema nervoso central entra em colapso e não consegue enviar corretamente o impulso nervoso para as fibras musculares dos músculos exigidos em determinado exercício físico (Zając A. et al., 2015).
A fadiga também pode ser ocasionada por deficiência na atuação de certos neurotransmissores. Um dos primeiros neurotransmissores a serem relacionados à fadiga muscular foi a dopamina (Santos et al., 2003).
Ainda não se sabe exatamente como a dopamina influencia no aparecimento da fadiga muscular, mas já é certo que sua diminuição durante o exercício reduz a coordenação motora, com perda da motivação.
A acetilcolina é outro neurotransmissor relacionado com a produção de força e com a fadiga central, pois a diminuição da colina durante o exercício, principal percussor da acetilcolina, leva a diminuição da velocidade de transmissão dos impulsos nervosos nos músculos esqueléticos (Rossi L. et al., 2004).
O aminoácido triptofano também está ligado ao processo de fadiga. Necessário para que haja a síntese do neurotransmissor serotonina no cérebro, o triptofano é um aminoácido que circula na corrente sanguínea ligado à albumina.
Contudo, há uma pequena proporção que circula livremente no sangue, e essa forma livre do triptofano pode contribuir para a fadiga central, por ser um antecessor do neurotransmissor serotonina. Em um estado de fadiga, os níveis de serotonina aumentam, o que inibe as sinapses.
Esse aumento da serotonina acima do normal prejudica a função do sistema nervoso central, prejudicando também a termorregulação e o desempenho motor.
A serotonina também influencia na melhora do sono, no relaxamento e no aumento na fadiga. Logo, uma grande liberação de serotonina durante o exercício físico seria prejudicial à performance do indivíduo.
Assim como o triptofano, outro aminoácido tem mostrado ser importante na regulação do mecanismo de fadiga. Os BCAA (branchedchain amino acids) são aminoácidos de cadeia ramificada formados a partir da junção de leucina, isoleucina e valina, considerados essenciais, pois não são sintetizados pelo nosso organismo.
Os BCAAs competem com o triptofano pelo transportador na barreira hematoencefálica. Logo, aumentar a concentração de BCAAs no sangue através de suplementação, resultando na diminuição da síntese e na liberação de serotonina, consequentemente, prevenindo a ocorrência de fadiga central.
Fadiga Muscular Periférica
A fadiga periférica ocorre por uma falha de um ou mais mecanismos na unidade motora, ou seja, nos neurônios motores, nos nervos periféricos, nas ligações neuromusculares ou nas fibras musculares.
As principais razões causadoras da fadiga periférica são: déficit energético, alteração na concentração de íons de Ca, alterações de pH e quantidade de lactato.
O déficit energético é um grande facilitador da fadiga muscular periférica. A diminuição de fosfatocreatina no músculo, componente energético fundamental para os exercícios de alta intensidade e curta duração, faz com que o músculo entre em fadiga.
Essa é uma das hipóteses mais aceitas para explicar a fadiga periférica: a deficiência de energia para o trabalho muscular conhecida como “hipótese da Depleção de Glicogênio”.
A depleção de glicogênio muscular está relacionada a fadiga muscular, já que com pouca quantidade de glicogênio o musculo seria incapaz de manter uma taxa suficiente de ressentisse de ATP (Zając A. et al., 2015).
Outro mecanismo intracelular responsável pela fadiga é a diminuição da libertação de Ca2+ e, consequentemente, o decréscimo da concentração intracelular ou mioplasmática de Ca2+.
Parece estar claro que durante o exercício intenso e de curta duração, reduções na libertação de Ca2+ comprometem a tensão desenvolvida pelas fibras musculares causando fadiga muscular.
Um terceiro fator responsável pela fadiga muscular periférica seria o aumento da acidez muscular como consequência do aumento da produção de ácido lático. Essa acidose metabólica é produzida especialmente em exercícios de curta duração e alta intensidade.
A maioria dos efeitos do ácido láctico no desenvolvimento da fadiga muscular resulta do aumento da concentração de íons de H+ e consequente diminuição do pH, decorrente da rápida dissociação do ácido láctico.
O acúmulo de prótons e alterações do pH no músculo durante esforço de alta intensidade e curta duração podem ser responsáveis pela produção de fadiga periférica.
No entanto, essa associação entre ácido lático, íons de H+ e a alteração dos demais agentes participante da contração muscular tem sido questionada (Brooks, 2001), especialmente porque esses estudos não foram conduzidos em temperaturas semelhantes ás observadas in vivo (Westerblad, 2003).
Fadiga Muscular e Ácido Lático
Falamos agora de um tema controverso. Por muito tempo pensou-se que o acúmulo de ácido lático era o responsável pela fadiga muscular aguda e crônica. Entendia-se que o ácido lático teria a mesma denominação que lactato e que este seria o responsável direto pela acidose ocorrida nos músculos quando expostos a exercícios de alta intensidade, porém, outros trabalhos mostraram que não é bem isso o que ocorre (Ernesto et al. 2003).
O processo de utilização da glucose na fibra muscular para a produção de energia (ATP) está dividido em duas fases, uma rápida, que se traduz por um saldo de apenas duas moléculas de ATP e que produz duas moléculas de ácido pirúvico, e uma outra mais lenta que ocorre dentro da mitocôndria porque a entrada dessas moléculas de ácido pirúvico é mais lenta do que a sua produção, na presença obrigatória de oxigénio, e produz uma determinada quantidade de moléculas de ATP.
O primeiro passo constitui um modo de disponibilização rápida de energia em esforços de elevada intensidade, mas é autolimitado, uma vez que o acúmulo de ácido pirúvico inibe o processo de degradação da glucose.
Quando acontece uma situação assim, e na necessidade de manter a produção de energia, as moléculas de ácido pirúvico que “aguardam” entrada para a mitocôndria são convertidas numa outra molécula que consegue ser eliminada para fora da fibra muscular, o ácido lático.
A produção de ácido lático é uma consequência natural do metabolismo energético durante a realização de esforços intensos. Constitui, assim, uma via de manutenção da utilização da glucose em esforços de alta intensidade e, ao mesmo tempo, uma via de
Quando o esforço intenso termina, cessa a produção de ácido lático, cujos valores demoram cerca de 20 a 30 minutos a reduzir para metade, e assim sucessivamente, tornando o processo passivo de eliminação demasiado lento.
No entanto, existe um tipo de fibra muscular que reutiliza o ácido lático para o reconverter em ácido pirúvico e assim disponibilizar substrato para a produção de energia, desde que a intensidade do esforço seja relativamente baixa (30 a 35% no máximo). Este é um processo ativo mais eficiente e eficaz de eliminação do ácido láctico após a realização de esforços intensos.
Por muito tempo afirmou-se que a dor muscular tardia era causada pelo acúmulo de ácido lático. Isso não é verdade. A fadiga muscular é um processo multifatorial, que tem a ver, como já vimos, com deficiências na produção energética, alterações que ocorrem nas fibrilas da contração muscular, alterações do equilíbrio ácido-base na fibra muscular e não propriamente com o acúmulo de ácido lático.
Naturalmente, quanto mais intenso e prolongado o exercício maior a probabilidade de fadiga e a medição dos valores do ácido láctico pode servir para a sua monitorização. Já a dor muscular durante e após o esforço está relacionada com processos de destruição e inflamação da fibra muscular e não é causada pelo ácido lático (Brooks, 2001).
Sintomas
A fadiga muscular central e periférica em geral leva o indivíduo a apresentar vários desconfortos. Alguns sinais e sintomas desse quadro geral podem ser sentidos pelo atleta/aluno ou observados pelo professor de Educação Física, tais como cansaço geral constante, baixo rendimento durante seus treinamentos e aumento do índice de lesões.
A passagem do ácido lático da fibra muscular para a corrente sanguínea provoca alterações no equilíbrio ácido-base, inicialmente compensadas por mecanismos tampão fisiológicos, mas que com a sua acumulação acabam por ser suplantados, acidificando o sangue para valores fora do normal.
Esta acidose provoca um conjunto de sinais e de sintomas, como por exemplo, queda da pressão arterial, tonturas, náuseas e, inclusive, vômitos e incontinência de esfíncteres com perdas involuntárias de urina ou fezes.
Esses efeitos podem ser tão sérios e prejudiciais que parte do treino dos atletas de alta competição de modalidades com elevada produção de ácido láctico passa pelo aumento da tolerância física e psíquica aos efeitos nocivos do ácido lático.
O Papel do Profissional da Educação Física
Como vimos, as causas da fadiga muscular central e periférica são inúmeras, dependem do tipo de exercício, da intensidade, do tipo de fibras musculares selecionadas, do ambiente e do clima, dentre outras variáveis.
O profissional da Educação Física deverá estudar e se informar sobre cada um dos mecanismos causadores da fadiga, para que possa reconhecê-los, e então, agir preventivamente tentando evitar tais situações.
Outro ponto importante para o profissional será utilizar todos os recursos possíveis para a desaceleração do processo de fadiga muscular, como cuidar para que seu aluno ou atleta não se exercite em clima muito quente, orientá-lo quanto à hidratação e o uso adequado de roupas que permitam a transpiração, além de orientá-lo para que respeite o repouso necessário à recuperação do sistema nervoso central.
Finalmente, é de suma importância que o profissional da Educação Física preste muita atenção ao seu atleta/aluno e tente reconhecer naquele indivíduo, em determinada situação fisiológica de esforço, quais seriam os principais mecanismos causadores de fadiga, para, então, atuar visando minimizar os seus efeitos.
Dicas Para Acelerar a Recuperação
Parece óbvio, mas é preciso sempre ressaltar que uma das melhores medidas contra a fadiga é dormir bem, o que significa repousar por quantidade de horas suficientes (cerca de 8 horas por dia) e ter um sono de boa qualidade.
Além disso, o repouso inclui respeitar os intervalos de descanso adequados entre cada sessão de treinamento, para que ocorra a recuperação do aparelho contrátil e dos sistemas energéticos depredados durante o último exercício.
Alimentar se bem, com ingestão adequada de carboidratos, proteínas e fibras, e pouca quantidade de gorduras também acelera a recuperação da fadiga. Em muitos casos, quando os esforços físicos são muito intensos, uma suplementação nutricional orientada por um nutricionista poderá ser de grande valia.
A suplementação com o BCAA durante o treino pode reduzir a fadiga central, o que causa uma redução da “percepção de esforço” e redução do cansaço precoce. A explicação bioquímica para a redução da fadiga seria que o BCAA e o triptofano (um precursor da serotonina) competem pelo mesmo transportador “de entrada” no cérebro.
Quando há muito triptofano entrando, temos um aumento da produção de serotonina o que pode gerar essa fadiga central, esse cansaço e a vontade de interromper o exercício, além de contribuir negativamente com a termorregulação e com o desempenho motor.
Hidratação e reposição energética adequadas às necessidades individuais podem retardar a fadiga e a falência muscular. As reservas de glicose devem ser priorizadas principalmente nos exercícios de endurance ou resistência muscular.
Para isso a dieta e hábitos alimentares (inclusive de hidratação) diários devem ser tão ou até mais valorizados do que os repositores utilizados durante o exercício. A utilização de líquidos isotônicos com correta proporção entre água, glicose e eletrólitos (como sódio e potássio) deve fazer parte do arsenal de todo atleta durante treinamentos e provas. O exercício moderado contínuo por mais de 60 minutos sem a reposição energética adequada pode causar diminuição dos níveis de glicose sanguínea.
Evitar a hipertermia através da hidratação constante, mas também com o uso de vestimentas adequadas que permitam a transpiração. Além disso, conhecer as condições climáticas e se adaptar corretamente a elas durante a prática de exercícios, para que o indivíduo poupe energia e retarde a fadiga.
Conclusão
A fadiga muscular, seja ela de caráter central ou periférico, pode ocorrer de forma isolada ou combinada, dependendo da situação fisiológica do exercício realizado. Qualquer desequilíbrio na longa cadeia de processos que envolvem desde a ativação dos centros motores voluntários no cérebro até a periferia representada pelos filamentos contráteis nas fibras musculares pode ser causa direta na ocorrência da fadiga muscular.
Contudo, podemos observar que ainda existe certa dificuldade de compreensão dos mecanismos responsáveis pela fadiga. De maneira geral, o que se pode entender é que alterações fisiológicas e bioquímicas que ocorrem durante o exercício e que acabam induzindo a uma situação de fadiga, impedem o funcionamento normal da atividade muscular, diminuindo a frequência de contração e a oferta de energia.
Podemos considerar que, muitas dessas alterações exercem papéis importantes na comunicação com o sistema nervoso central, que, com o intuito de preservar órgãos vitais de danos muitas vezes irreversíveis, inibem a continuidade do exercício.
O profissional da Educação Física pode preservar seu atleta/aluno de muitos desconfortos de souber identificar quais os principais mecanismos de fadiga muscular enfrentados por ele e, a partir de então, utilizar estratégias preventivas que retardem a instalação do quadro de exaustão, tais como incentivar a hidratação constante e a boa alimentação, orientar para um sono adequado e respeitar os intervalos de descanso entre cada sessão de treino, e, se for o caso, fazer o uso de suplementos alimentares que ajudem a retardar o processo de fadiga.