O Peru de Natal
Até onde minha memória alcança o “Peru” sempre foi um convidado de honra nas nossas Ceias Natalinas, mesmo antes de vir embalado em plástico, já temperado e cheio de corantes e conservantes, na companhia de seus irmãos genéricos:
Chester , Bruster e Fiesta.
Nas décadas de 60/70 ele era nosso hóspede cativo por uns 15 dias antes do Natal.
Vinha diretamente da colônia para o nosso galinheiro onde reinava soberbo e galhardo, com seu porte majestoso causando inveja no galo e rebuliço nas galinhas e nos pintinhos com seus estranhos glu-glus.
Era tratado com regalias e comia gulosamente, em um regime de engorda acelerado.
Mal sabia ele que a sua glória duraria pouco.
No dia 23 de dezembro receberia sua última ceia que viria regada com um bom copo de cachaça com a finalidade de amaciar sua carne caipira e então já meio ” tchuco”, gaguejando nos glu-glus e balançando as pernas não tinha noção que havia assinado sua sentença de morte, sem apelo final ou revogação tardia!
Platéia infantil empoleirada nos degraus da escada que dava para o porão esperando o momento em que , com a cabeça no cepo o inocente “Peru” aguardava a execução, que seria feita com um faconaço desajeitado de minha mãe, selando seu curto destino na terra.
Cabeça para um lado e um corpo bambo dando os últimos passos para o outro!
Gritos histéricos das crianças, não por assistir uma decapitação, mas sim por presenciar o milagre de um corpo sem cabeça dando seus últimos passos.
Como vingança ele nos presenteava com sua carne dura e seca como só um peru caipira conseguia ter, ignorando com afronta o toque sutil da cachaça e das especiarias usadas para temperá-lo.
Então reinava solitário no centro da mesa esperando o ataque da família, que ignorando a dureza da carne se refestelava sem dó nem piedade, até sobrar só sua carcaça.
Viviane M Foresti