O Mergulho mais perigoso
Eis que um belo dia estamos caminhando e nos deparamos com uma situação inusitada. Vemos algo que poderia estar acontecendo a qualquer um de nós, mas que sempre achamos que nem de perto nos atingiria. Aquilo te abala. Você muda de expressão. Esquece o café que queria tomar, a loja que
queria ver e volta para casa. No caminho, você se pergunta sobre o que viu. “Como aquilo pôde acontecer daquela forma?”. Sem perceber, você está subindo os degraus do trampolim.
E os pensamentos começam a se fundir em sua mente. Você começa a tecer conexões. Tem pensamentos cada vez mais claros sobre hipóteses e aquilo te traz uma profunda angústia. O café agora é amargo, morno e na sua velha xícara, que confortavelmente repousa entre seus joelhos, enquanto se reclina em sua cama, encostando em seus travesseiros. Você subiu mais dois ou três degraus rapidamente agora.
E liga a tevê, desliga o telefone e nem se dá conta do que está passando na tela. É apenas um truque para tentar espantar o silêncio que te incomoda. Mas é o silêncio da dúvida. Aquele que cala nossas vozes, fecha nossos olhos e nos ensurdece. Você chegou à plataforma de saltos.
“Dor de cabeça”, você pensa. Mas não é. É só uma desculpa para antecipar o relaxante muscular. O café já frio, passaram-se horas desde que chegou em sua casa. A imagem do episódio serviu como catalisador desse instante. Reabriu suas feridas. Reacendeu seus medos. Você está de pé na beira da
plataforma com os braços estendidos.
A sensação é de solidão. Você vê a vida que leva e não encontra nela um real sentido para que siga, que sorria. O sentimento que antes era de pena, agora passou a ser o de troca, de culpa. “Por quê não aconteceu comigo?”. O episódio mexeu com uma parte sua que desconhecia. Mexeu com a sua falta de força diante das adversidades mais profundas. Aquelas com as quais não adianta brigar, gritar, fazer escândalos ou tentar bater. Você se vê agora com todos os seus temores antigos. Aqueles que te incomodam e que interferem na sua felicidade. Você fechou os olhos, respirou fundo e saltou.
E agora se lembra de suas brigas familiares; do mal desempenho que isso te trazia nas tarefas diárias. Nos relacionamentos pessoais desfeitos depois de demonstrados interesses baseados em coisas e não em sentimentos. Perdas, danos e prejuízos. Como isso pôde ter acontecido com você? Como você foi
capaz de permitir? Seu corpo se projeta rapidamente em direção à água.
“Como eu posso mudar isso?”. É o que você se pergunta nesse momento. “Como passar por cima do meu orgulho, se foi ele quem me trouxe até aqui?”. A sua estrutura toda está sob suspeita. Tudo o que você pensa que é real e o que nem desconfia que seja, agora se manifestam como dois times que jogam dentro da sua mente. Um mais agressivo que o outro. Você rompeu velozmente o espelho d’água e se projetou para o fundo escuro dessa piscina.
Esses times são compostos de valores e de defeitos. Eles jogam juntos, porém de forma desigual. A partida que você observa é a síntese da sua vida até agora. Na arquibancada estão seus sonhos futuros e planos frustrados, sentados em lados opostos. Você está lá, de pé, sem saber para que lado ir. Onde irá se sentar? Se acostumou tanto com a frustração e o pouco sucesso que não tem certeza de que queira que os sonhos vençam. Seu corpo sente frio, não há oxigênio em seu peito e o escuro te confunde.
Num longo segundo você olha para o seu passado e vê tudo o que viveu. Vê os rostos distorcidos, sentimentos negativos, poucos instantes intimamente felizes e uma grande carga que não te pertencia e que até hoje te impede de ser feliz. Do outro lado, seus sonhos estão de braços abertos, te chamando,
gritando seu nome de uma forma que você sempre desejou ouvir. Você escolhe seu lado. Seu corpo está sentindo os efeitos da água fria. Pontadas e câimbras.
E quando você começa a entender que os dois times são um só, isso começa a se fundir dentro de você. Não é a atitude apenas, mas a falta de confiança no que pretende fazer. Está na hora de romper com o que te machucou e começar a se conciliar com o seu presente. Entender que o tempo é algo precioso e que não se renova. Ordenar os sonhos por ordem de possibilidade. Fazer deles um elemento constante na realização de suas necessidades e desejos. Você está subindo à tona.
Então, depois de horas de pensamentos desconexos, de toda essa tempestade de emoções que você deixou fluir de dentro de das cavernas e profundezas da sua mente, tudo se clareia. As partes quebradas do seu passado não foram consertadas, mas jogadas fora. O que sobrou é parte do presente agora.
São as coisas que valeram à pena trazer com você desse profundo mergulho. As luzes se acenderam em sua mente. Você está no ponto certo do relógio.
Você está no Agora. Saia da piscina. Foi um longo mergulho e você ganhou uma bela nota. Tome um café fresco e quente, como a vida.