Ou o que podemos aprender com “Na Natureza Selvagem”
“Dois anos ele caminha pela Terra. Sem telefone, sem piscina, sem animais de estimação, sem cigarros. Liberdade total. Um extremista. Um inusitado viajante cujo lar é a estrada. Fugiu de Atlanta. Não deseja voltar porque o Oeste é o melhor. E agora depois de dois anos de caminhada aproxima-se a grande e final aventura. A culminante batalha para matar o falso ser interior e vitoriosamente concluir a revolução espiritual. Dez dias e noites de comboios de mercadorias e de boleias trazem-no para o grande norte branco. Sem continuar a ser envenenado pela civilização ele foge e caminha solitário pela terra para se perder em meio à natureza selvagem.”
Christopher McCandless, um jovem americano, ganhou o mundo em sua biografia nas telas dos cinemas em 2007 dirigida por Sean Penn, baseado no livro de Jon Krakauer. Chris ganhou fama devido a aventura que fez no início dos anos 90 em direção ao Alasca, EUA, abandonando a vida de classe média alta que tinha por problemas familiares e por seu desprezo pelo materialismo na sociedade, na busca de algo incerto.
Em 6 de setembro de 1992, o corpo decomposto de Christopher McCandless foi descoberto por caçadores de alce no limite norte do Denali National Park, Alasca, EUA. Chris faleceu dentro de um ônibus – magic bus – enferrujado que servia de abrigo improvisado para os caçadores, para os condutores de cães, e demais visitantes e turistas. Colada na porta estava uma nota rabiscada em uma página arrancada de um livro de Nikolai Gogol:
“Atenção, possíveis visitantes.
Chris morreu aos 24 anos de idade, pesando somente 30 quilos e não possuía gordura subcutânea. A causa provável da morte, de acordo com o relatório do legista, foi a fome.
Henry David Thoreau (autor da frase-título deste post) foi um escritor que pregou o anarquismo individual. E, com essa filosofia, foi morar sozinho no meio de uma floresta aos 27 anos de idade, com medo de que na hora da morte descobrisse não ter vivido de verdade. E sem coincidências, foi um dos filósofos que influenciaram Chris em seu abandono da vida em sociedade.
O que sua aventura fatal tem a nos ensinar, afinal? Que, talvez, você nem saiba (sério!), mas você não é feliz. É preciso aceitar que, talvez, estejamos vivendo uma vida sem sequer procurar entender seu sentido. É preciso aceitar que, talvez, você chegue ao final de sua vida repleto de arrependimentos, simplesmente por ter sido passivo durante toda ela. É preciso aceitar, por fim, que é sua obrigação encontrar a verdade pela qual valha a pena viver e morrer.
Tudo isso nos leva, então, ao ponto principal do post: “o homem mais rico é aquele cujos prazeres são mais baratos”. É que, caro leitor, durante sua busca você irá perceber que aquilo que mais possui valor para a sociedade, em geral, são apenas coisas. Nietzche diria que fomos “adestrados”, durante a formação da civilização, para obedecer as regras. Nos disseram, desde pequenos, o que vestir, o que comer, o que fazer para ser alguém bem sucedido. Tivemos de descobrir, na marra, que a real felicidade não se encontra em nada disso. E quando você encontrá-la no mais simples e improvável momento de sua vida, vai poder entender o que Chris também entendeu e encontrou.
“É nas experiências, nas lembranças, na grande e triunfante alegria de viver na mais ampla plenitude que o verdadeiro sentido é encontrado.”
E então, você vai perceber que a história de Chris é um bem mais do que necessário para todos aqueles que desejam ir. Choca pela batalha que Chris trava durante sua vida – que não é contra o capitalismo, contra sua família, contra o governo, contra a sociedade, mas sim contra sua própria luz intensa de vida. Mais do que isso, é a batalha interna de alguém que se sente preso. Chris não era apenas mais umadolescentezinho-rebelde-sem-causa, tampouco sofria de crise existencial. Buscava, tão somente, o bem mais relativo e enigmático já existente: a felicidade. E acredite, caro leitor, não há nada mais puro e mágico que isso.
Desprendendo o foco macilento do ego movediço, a gente acaba lembrando que é resto de estrela morta, um desfoco ínfimo diante das incertezas e um ponto cego na natureza. Há tanto para descobrir que nem imaginamos. Afaste-se dessa enxurrada de sentimentos inúteis, desapegue-se das quinquilharias cotidianas e das promessas ocas que nunca foram juradas de coração, e fortaleça-se para ir.
O que Chris nos ensina é que é preciso ter coragem para libertar-se e ir. Limpar o porão. Bater os tapetes. Varrer a poeira das janelas. E ir. Existe um longa estrada a ser construída lhe esperando pela frente. Percorrendo a estrada, é possível que você não descubra o que quer. Acontece. Porém, com toda certeza, você saberá o que não quer.
O pensamento objetivo, conciso e simples ritmiza o caminhar sóbrio e a dança dos pensamentos. Abre-se, então, um imenso espaço propício à construção de sua própria estrada. Uma estrada que não anseia licitações, projetos e toda burocracia temporal que cobra impostos e deixa buraco na pista sem as bifurcações e os desvios necessários. Se caminhar faz bem, imagina construir estradas acimentadas em conhecimentos oriundos de vários saberes (que você ainda descobrirá), rodeados por lindas árvores floridas, semeadas a partir de longo processo de descobrimento e paciência.
Considere você que, tenha Chris fracassado ou não em sua busca, é inegável sua coragem. Chris socorreu-se à solidão da natureza para livrar-se do peso de viver em sociedade. Em tempos de covardia, pacatez e passividade, qualquer ato de desprendimento de valores tradicionais deve ser considerado um ato de bravura.
Entenda que isso independe da obtenção dos resultados desejados. O simples fato de sair de sua zona de conforto em busca da sua felicidade, deve ser valorizado. Mesmo que você ainda não saiba o que ela significa, mesmo que você nunca a atinja, mesmo que você pereça, mesmo que você se veja completamente sozinho, e, até mesmo que você falhe, orgulhe-se de ter se arriscado. Uma vida sem riscos não vale a pena. Não, não vale.
Infelizmente não existe resposta. Tampouco receita. Apenas o segredo da vida em debate: a sua felicidade está aonde? Debata sozinho. Convoque seus pensamentos e descubra o que eles têm a dizer. Fora ou dentro da gaiola. Aprender a se descobrir e a bater asas. Ser passarinho e ver o que acontece quando saímos do ninho.
“Gostaria de repetir o conselho que lhe dei antes: acho que você deveria promover uma mudança radical em seu estilo de vida e começar a fazer corajosamente coisas em que talvez nunca tenha pensado, ou que fosse hesitante demais para tentar.” (Christopher McCandless)
Latino-americano, mamífero. Sobrevivendo como advogado, costuma flertar com o cinema, filosofia e literatura. Metido a escritor e a fotógrafo amador, publica em seu Instagram e Facebook sua visão do mundo