Search
segunda-feira 25 novembro 2024
  • :
  • :

Ministério Público vai apurar atendimento prestado à vítima fatal de acidente em Iraí

Motociclista teve uma das pernas mutilada ao se envolver em uma colisão com um carro na noite de terça-feira

Gera discussões sobre as condutas e o preparo  dos profissionais de saúde entre a população, vídeo com cenas fortes que circula pelas redes sociais desde a noite de terça-feira, 16 de outubro, que mostra a vítima fatal* de um acidente de trânsito caída no asfalto pedindo socorro enquanto uma enfermeira analisa as providências a serem tomadas diante do quadro do motociclista, o qual teve uma das pernas mutilada (por pouco totalmente decepada) ao se envolver em uma colisão lateral com um automóvel Volkswagen/Fox no começo da noite, no quilômetro 6,9 da BR-386, em Iraí, no Norte do Rio Grande do Sul. Ao redor, enquanto filmam, populares pedem à enfermeira e ao motorista da ambulância municipal que o idoso – Elvanir Gonçalves Barboza, de 69 anos – seja encaminhado ao hospital de Frederico Westphalen, cidade vizinha distante aproximadamente 30 quilômetros. Com o auxílio de quatro policiais militares que estavam de folga em Iraí e foram até o local para ajudar quando souberam da situação, o homem foi colocado na ambulância e levado primeiro ao Hospital Nossa Senhora Auxiliadora de Iraí, casa de saúde mais próxima, para ser estabilizado e receber o primeiro atendimento médico, e depois transferido ao Hospital Divina Providência de Frederico Westphalen, unidade que é de médio porte e teria mais condições de cuidá-lo por ter sobreaviso de especialidades. “Assim que chegamos, em menos de cinco minutos ajudamos a colocar a vítima na ambulância para levar ao hospital de Iraí. A PRF [cuja unidade operacional fica em Seberi] ainda não havia chegado. Ficamos sabendo porque ligaram ao 190 e comunicaram o operador sobre o acidente, ele ligou à Base do Samu Básico em Frederico Westphalen e foi informado que a ambulância não poderia se deslocar para lá porque ficava fora de sua área de cobertura”, contou o sargento Jonas Almeida.

A reportagem do Folha do Noroeste não conseguiu contato com o motorista do carro envolvido. Na manhã desta quarta-feira, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) divulgou que ele não se feriu e que o teste do etilômetro a que foi submetido apontou resultado negativo para ingestão de bebida alcoólica.

Segundo a corporação, pela análise dos vestígios no local, foi possível apurar que a motocicleta transitava no sentido Iraí a Frederico Westphalen quando colidiu lateralmente no automóvel, que trafegava na pista contrária, momento em que ocorreu a queda do motociclista. Os veículos foram removidos e encontram-se à disposição da polícia judiciária para perícia.

*Nota da redação: Vítima fatal é considerada toda pessoa que morreu em razão das lesões decorrentes do acidente de trânsito no momento ou até 30 dias depois.

Bombeiros teriam feito o mesmo que equipe da ambulância municipal

Quando o Corpo de Bombeiros de Frederico Westphalen chegou com a viatura de resgate, o motociclista já fora recolhido para ser encaminhado ao hospital de Iraí. Segundo o comandante do pelotão, sargento Nilton Pedon, os bombeiros também atuam em casos de salvamento e o procedimento adotado teria sido o mesmo, levar primeiro à casa de saúde mais próxima. “Atendemos 16 municípios do Norte do Rio Grande do Sul, em algumas situações as cidades são mais distantes, então o deslocamento é maior e a vítima pode acabar morrendo. Pelo sistema de gravação de ligações que temos, os bombeiros foram chamados às 19h10. A equipe colheu os dados e imediatamente se deslocou até lá com a viatura-resgate, a uma distância entre 25 e 30 quilômetros. O socorro já havia sido prestado, mas se ainda não tivesse, teríamos imobilizado a pessoa e colocado na ambulância do município – que é mais adequada que a nossa – e partido em direção ao atendimento médico especializado mais próximo. Estamos na expectativa de receber, no próximo orçamento participativo, um novo veículo para resgates, com área limpa, onde fica a vítima, e o que a gente chama de área suja, onde colocamos materiais como o desencarcerador, utilizado para remoção de ferragens”, explicou Pedon.

Investigações no Ministério Público e na Polícia Civil

Como o Ministério Público tem entre suas atribuições defender a vida e interesses coletivos como o acesso à saúde, ao receber as imagens, o promotor de Justiça de Iraí, Fernando Freitas Consul, decidiu abrir procedimento para apurar eventual falha, tempo e como foi o socorro prestado ao então paciente, que não resistiu aos ferimentos e morreu em torno de três horas depois, pouco depois das 22h, no Hospital Divina Providência de Frederico Westphalen. “Instaurei, de ofício, procedimento para apurar as circunstâncias do socorro à vítima. Já oficiamos o hospital, o posto de saúde e o Corpo de Bombeiros”, expôs Consul.

Já a Polícia Civil instaurou inquérito policial para investigar o acidente. “Vamos analisar, ouvir pessoas, apurar também eventual omissão no socorro”, pontuou o delegado Ercilio Carletti.

O que dizem o hospital e a Secretaria Municipal de Saúde

De acordo com o secretário municipal de Saúde de Iraí, Edson Borges do Canto, e o administrador do Hospital Nossa Senhora Auxiliadora de Iraí, Eder Lehmann, a equipe agiu dentro do esperado, por isso não devem abrir procedimentos internos de apuração. A enfermeira trabalha na casa de saúde e a ambulância usada é do município. “Nunca negamos atendimento porque não nos omitimos, mas a BR não seria nossa jurisdição. Quando a ambulância chegou ao hospital, o médico já esperava o paciente e o acompanhou até Frederico Westphalen, juntamente com a enfermeira e uma técnica em enfermagem, além do motorista. A enfermeira e a técnica são contratadas para dentro do hospital, mas os profissionais se disponibilizaram a ir e fizeram o que temos como correto, trouxeram ao hospital mais próximo”, justificou o secretário.

Canto disse que os dois se reúnem nesta quinta-feira com o prefeito Antonio Vilson Bernardi para discutir medidas e se o município continuará prestando atendimento externo.

Sem médicos no Samu Avançado

Os pedidos de socorro foram feitos a vários órgãos públicos diante da agonia da vítima. Uma das primeiras pessoas que chegaram ao local foi a motorista Marileia Santos, que ressaltou que ligou ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) pelo telefone de emergência 192 e lhe disseram que naquele caso, o Corpo de Bombeiros seria responsável por Iraí. “Aí liguei para os Bombeiros, atenderam de primeira. Contei o que estava acontecendo e o atendente me perguntou, ‘tem alguém preso às ferragens?’. Não, só tem uma pessoa que perdeu a perna… Aí ele respondeu: ‘estamos indo’”, relatou.

A reportagem do Folha do Noroeste ligou à Central de Regulação Estadual e recebeu a mesma informação.

O Ministério da Saúde define: o Samu tem como objetivo chegar, em qualquer lugar, precocemente a vítimas que estejam em situações de urgência ou emergência, que possam levar a sofrimento, a sequelas ou mesmo à morte. O serviço pré-hospitalar visa conectar as vítimas aos recursos que elas necessitam e com a maior brevidade possível.

Com abrangência sobre os 26 municípios que fazem parte da 19ª Coordenadoria Regional de Saúde de Frederico Westphalen – o que corresponde à população estimada de 200 mil habitantes do Norte do RS –, a região possui uma base do Samu Avançado em Seberi, a 45 quilômetros de Iraí. A equipe deveria ser composta por um médico, um enfermeiro e o condutor de emergência. Contudo, devido à falta de repasse de recursos por parte do Estado, os quatro médicos que integravam o serviço pediram rescisão de contrato no dia 6 de setembro, após sete meses sem receberem salários. “Participamos de reuniões com a direção do hospital, com a prefeitura, fomos até Porto Alegre, na Coordenadoria Regional de Saúde, no Ministério Público, porém a situação não foi resolvida. Nossa intenção não era deixar de fazer atendimento, mas buscar a regularização dos salários de toda a equipe, não somente dos médicos”, comentou na época o médico Jorge Alan Souza, em entrevista ao Folha do Noroeste.

A reportagem entrou em contato com a Administração municipal de Seberi para questionar se já foram efetuadas novas contratações, mas não obteve retorno até o momento. Diante das dificuldades financeiras, a prefeitura já manifestou em outras ocasiões que não descarta a possiblidade de fechar o Samu Avançado. Outra alternativa estudada é a formação de um consórcio regional entre as prefeituras para subsidiar a manutenção do serviço.

Folha do Nordeste-Cristiane Luza

 




error: Content is protected !!