MEMÓRIAS DE SARANDI 55
Época: Década de 1960
Humberto Tesser Paris
A BATALHA
Na infância e adolecência em Sarandi, minha turma era em geral de amigos próximos a minha casa, mas nem sempre foi assim. Meu primo Heitor Tesser Vedana sempre me convidava para fazer parte da turma do centro e às vezes eu passava uma temporada naquela turma.
Em uma dessas vezes havia uma febre ou moda de brincadeiras com uso de espadas de madeira, às quais cada um fazia a sua com mais ou menos capricho, tentando impressionar os outros.
Essa moda era influenciada diretamente pelos filmes como Ben Hur, Hércules, Aquiles e especialmente o Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda. A gente não sabia bem o que era távola, mas sabíamos que era redonda. Os filmes assistíamos nas matinés de domingo no cine Guarani.
A turma se reunia na casa dos Wengartner. Um dia um guri que dou o nome de Felipe, que não lembro o nome pois tivemos pouco contato, surgiu com um plano já arquitetado para roubar a “espada sagrada” da turma cujo chefe era o Pita Bonamigo. A “espada sagrada” era “a” espada, pois era muito grande e cheia de detalhes. Pensa numa Escalibur.
O Felipe sabia todos os segredos da outra turma e detalhou o plano para a turma do centro, mas precisava de alguém para ajudá-lo na tarefa. Ninguém se manifestou, então eu me ofereci para acompanhá-lo. Fomos atravessando terrenos e pulando cercas até chegarmos na parte dos fundos da casa do Pita. Já dava pra avistar o local onde ficavam as espadas, que era feito com tábuas em forma de cabana, mas a porta dos fundos da casa estava aberta. Ficamos apreensivos, pois podia a qualquer momento aparecer alguém na porta. Naquela hora o coração já quase saia pela boca. Decidimos ir em frente mesmo assim. Dentro da cabana havia um baú. Abrimos a tampa e encontramos dezenas de espadas, muito mais que o número de integrantes daquela turma, e em cima estava a “espada sagrada”. Foi uma visão deslumbrante. Pegamos a “espada sagrada” e tratamos de sair logo dali.
Fomos até o nosso QG e a escondemos em baixo da casa dos Wengartner, que ficava na rua Arminio da Silva, tendo que nos arrastarmos, pois a casa era muito próxima do chão.
No dia seguinte o Pita quase chorando e sua turma apareceram para que devolvêssemos a espada. Ele estava muito emocionado e falou da importância daquela espada para eles. Em princípio negamos ter roubado, mas eles não acreditaram e propuseram que se fizesse uma batalha entre as duas turmas e no final a gente devolveria a espada, independente de quem vencesse. Acabamos topando a proposta, pois seria uma batalha emocionante e inesquecível.
No dia da batalha apareceu um pequeno problema, pois a turma do centro era mais numerosa que a turma do Pita. Então se propôs repassar algum integrante, para equilibrar o duelo. Nessa divisão os dois irmãos crentes, que moravam ao lado do Mazzoco, ficaram em lados opostos.
Cada um com seu par, deu-se o início a batalha. O que ficou combinado era que deveria ser uma luta leal, sem que alguém se machucasse. Algum tempo depois ouviu-se “ai-ai-ai”, “ai-ai-ai” e todo mundo parou pra ver o que estava acontecendo. Eram os irmãos crentes que estavam resolvendo uma desavença familiar antiga. A batalha encerrou e foi devolvida a “espada sagrada” como foi prometido, tendo a certeza que ficaria para a história.