Para especialistas, ações podem representar excesso do Judiciário e exigem apuração aprofundada para não ferir direito fundamental
Acusados de discutirem um golpe de Estado, caso o presidente Jair Bolsonaro perca as eleições deste ano, os empresários foram incluídos no inquérito que investiga a realização e financiamento de atos antidemocráticos, em curso desde 2019. Moraes determinou a apreensão dos celulares, computadores, pen drives e o bloqueio de contas dos alvos, além da quebra de sigilo bancário.
Para o jurista Matheus Falivene, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), é preciso entender como agiram os empresários para classificar ou não como crime.
“Considerando que temos os crimes contra o Estado Democrático de Direito, o limite entre a liberdade de expressão e o crime, previsto no artigo 359 L do Código Penal, que é a abolição violenta do Estado, está na utilização de violência ou grave ameaça, com a finalidade de abolir o estado democrático de direito, por meio do impedimento ou da restrição ao exercício dos poderes constitucionais”, salienta.
“Não se pode utilizar um discurso ou uma ameaça que tente abolir o Estado democrático de direito. Porém, se há uma mera discussão, uma mera conversa, que não significa uma combinação para a prática de um ato contra a democracia, está dentro da liberdade de expressão”, completa o jurista.
Para o advogado Ives Gandra Martins, as medidas autorizadas contra os empresários não podem ser enquadradas nas ações previstas contra o abuso da liberdade de expressão. “Tenho uma interpretação da Constituição um pouco diferente da do Alexandre de Moraes, que também é um grande constitucionalista. A liberdade de expressão está garantida no artigo 5º da Constituição”, observa.
“Contra o abuso só há possibilidade de duas ações: indenização por danos morais ou denunciação caluniosa. Fora isso, qualquer ação preventiva, que não tenha passado, em tese, que seja tomada contra a liberdade de expressão, ela passa a não ser aquilo que o constituinte pretendeu”, explica.
Martins, que é professor em uma das principais escolas militares do país, rechaça a chance de golpe de Estado. “Na prática, não há nenhuma possibilidade de golpe no país. Pois um golpe só se faz através das Forças Armadas. E elas jamais dariam golpe. Eu posso dizer isso porque sou professor da Escola de Estado Maior das Forças Armadas. O Moraes é meu amigo, é um grande jurista e tenho muita admiração por ele, mas, apesar disso, discordo”, completou.
O especialista em processo penal, Vitor Poeta, enfatiza que as diligências ocorreram no curso de um inquérito que investiga atos contra a democracia. “Primeiramente, importante salientar que se trata de inquérito que corre no STF, relevante e com muita importância, pois visa verificar a ocorrência de atos concretos contra a democracia e suas instituições. Esse inquérito começou em 2019 e tem uma importância gigante para o cenário brasileiro”, considera.
Para ele, não existe ilegalidade na ação do ministro Alexandre de Moraes. “Tudo se origina de uma suposta troca de mensagens em aplicativos de telefonia celular e, por isso, houve a busca e apreensão, para que se faça a devida competência legal e justa investigação, mormente para se verificar a veracidade das informações e possibilidade de se identificar algum intento específico contra a democracia ou cometimento, propriamente dito, de algum crime em específico”, sustenta.
“Friso isso pois as próprias gravações falam, inclusive, de uma tentativa de interromper o processo eleitoral, o que é crime específico. Não se pode olvidar da capacidade de influência e financeira do grupo em questão”, ressalta.
A professora Vera Chemim, especialista em direito constitucional, avalia que as medidas de busca e apreensão podem ser excessivas, pois não existe fato concreto para tentar um golpe. “Determinar busca e apreensão, bloqueio de contas e de redes sociais, além da quebra de sigilo bancário me parecem medidas que demandariam atos ilícitos concretos por parte dos investigados para serem devidamente motivadas e fundamentadas”, considera.
Vera entende que apesar de mostrarem radicalismo político, as mensagens não parecem representar crime. “São expressões que remetem a uma posição de radicalismo do ponto de vista político-ideológico, mas no meu entender, enquanto não socializadas, não podem ser enquadradas como ameaça ao Estado Democrático de Direito e tampouco à formação de organização criminosa”, ressalta a especialista.