Medidas foram criticadas por especialistas e entidades ligadas ao sistema público
Ministro da Saúde, Ricardo Barros, saiu em defesa da proposta de mudar modelo de atendimento básico de saúde no Brasil | Foto: José Cruz / Agência Brasil / CP
O Ministério da Saúde apresentou ontem as novas propostas para a Política Nacional de Atenção Básica (Pnab). Entre as alterações estão a possibilidade de financiamento de outros modelos de atenção básica, além da Estratégia de Saúde da Família (ESF), e a unificação das funções dos agentes comunitário de saúde e de combate às endemias. As medidas foram criticadas por especialistas e entidades ligadas à saúde pública.
Segundo o ministério, ao possibilitar o financiamento de outros modelos de atenção básica, será possível aumentar o número de equipes assistidas pelos Núcleos de Apoio à Família (Nasf). Atualmente, apenas equipes da Estratégia de Saúde da Família recebem suporte. Outra mudança é que, pela nova Pnab, cada unidade passaria a receber a indicação de um gerente, que não precisaria ser da área de saúde – hoje há muitos profissionais de enfermagem com essa incumbência.
Entidades como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) lançaram notas oficiais contra as propostas. Segundo as instituições, a revisão da Pnab revoga a prioridade do modelo assistencial de Saúde da Família, ao permitir que o gestor municipal flexibilize equipes de atenção básica. “O texto repete várias vezes que a Saúde da Família é estratégica, mas rompe com essa suposta prioridade ao estabelecer que usará verbas específicas para financiar outras formas de atenção básica”, afirma a pesquisadora Ligia Giovanella, da Ensp-Fiocruz.
Segundo Lígia, a mudança poderá minar um dos aspectos que tornou a ESF uma “iniciativa exemplar”. “Hoje, os profissionais das equipes trabalham em tempo integral, e isso é uma característica fundamental para estabelecer o vínculo com os pacientes de cada comunidade. Na nova conformação, qualquer grupo de profissionais, independentemente da carga horária, será considerado de atenção básica – e drenará os recursos.”
Implementação
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, saiu em defesa da proposta. “O que a gente está fazendo é adequar o Pnab à realidade do País.” De acordo com ele, as propostas devem começar ser implementadas no fim deste mês. “Há uma desinformação muito grande. Alguns setores alegam prejuízos que não existem com a nova Pnab, afirmou Barros, dizendo que a política de atenção básica precisa “adaptar-se aos avanços” do País. Segundo o ministro, a flexibilização da atuação das equipes de Saúde da Família vai “facilitar o trabalho e ações desempenhados pelos profissionais”.
O diretor do Departamento de Atenção Básica do ministério, Alan Nunes, afirmou que não haverá retirada de investimento da área da saúde da família. “Reconhecemos que é preciso haver investimentos em outros modelos de organização. Estamos ampliando as possibilidades de reconhecimento, sem prejuízo ao orçamento já destinado à saúde da família.”
Barros reiterou que o Ministério da Saúde está “empoderando os municípios”. “O que nós estamos fazendo é flexibilizar o processo. Hoje não reconhecemos o mundo real, fazemos de conta que só existe o ideal. Quando falamos em ampliar o financiamento, é porque passaremos a financiar equipes e serviços que não são oferecidos formalmente hoje.”
O epidemiologista Luiz Augusto Facchini, que é ex-presidente da Abrasco e coordenador da Rede de Pesquisas em Atenção Primária em Saúde, observa que o sistema atual “dá cobertura a 60% da população e é preciso de fato expandi-lo”. “É razoável fazer alterações na Pnab para incluir no Saúde da Família a população hoje atendida por unidades tradicionais. Mas, quando se faz uma mudança nas políticas de saúde, é preciso assegurar recursos para isso. O ministro não deixou isso claro”, observou.
Hoje, para financiar a atenção básica, o governo federal transfere aos municípios o Piso de Atenção Básica (PAB), que é proporcional à população – cerca de R$ 24 por habitante por ano. Além do PAB fixo, os municípios recebem recursos extras – o PAB variável, a partir de R$ 7 mil por equipe – caso adotem equipes de Saúde da Família. “O PAB fixo é muito baixo. O governo deveria aumentá-lo para apoiar investimentos na rede básica de saúde e articular o Saúde da Família com as unidades tradicionais. Do jeito que está sendo feito, a revisão vai tirar dinheiro da área, promovendo iniquidades”, afirmou Facchini.
Integração
Outra mudança prevista pelo Ministério da Saúde é a integração com outras áreas, como a vigilância em saúde. A medida prevê a possibilidade do Agente de Combate à Endemia (ACE) compor as equipes com Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Dessa forma, haveria a unificação do agente comunitário de saúde e do agente de combate às endemias.
Correio do Povo