Presidente afastada concedeu entrevista à Rádio Guaíba nesta segunda-feira
Foto: Roberto Stuckert / Divulgação / Presidência da República / CP
A presidente afastada Dilma Rousseff mantém a confiança de que conseguirá os votos necessários no Plenário do Senado para retornar ao Palácio do Planalto. Em entrevista ao programa Esfera Pública, da Rádio Guaíba, na tarde desta segunda-feira, Dilma criticou algumas medidas do governo interino de Michel Temer e afirmou que elas poderão levar alguns senadores a votar contra o seu afastamento definitivo.
“Se a gente levantar todos os atos praticados ao longo desse período de 45 dias, vamos ver que começa, primeiro, com algumas medidas que são altamente nefastas. Extinção do Ministério da Cultura, que foi corrigido, do Ministério das Mulheres, de Igualdade Racial e Direitos Humanos. Isso não foi resolvido e olhando que é um ministério de homens brancos e ricos é um problema. Hoje o Brasil tem uma maioria de mulheres, de 51%, e elas não têm representação no Ministério, assim como ocorre com os negros”, disse a presidente afastada.
“O programa que perdeu a eleição é o Temer que está executando no Brasil. Não foi esse programa que eu desenvolvi em 2015. Tivemos que tomar um conjunto de medidas, mas sem reduzir direitos sociais. Continuamos pagando Bolsa Família, todos os encargos. Infelizmente, o então presidente da Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha) se elegeu com apoio de influências financeiras externas que apoiaram ele e o PMDB. Mesmo assim, algumas medidas que tomamos deram resultados. Se hoje a inflação indica para queda é porque tomamos medidas que influenciaram”, analisou.
A presidente afastada falou sobre a sua relação com Michel Temer desde a aceitação na Câmara dos Deputados do processo de impeachment. Dilma negou ter pecebido o momento em que se sentiu “traída” por Temer até ficar evidente para todos.
“Eu não percebi a não ser quando ficou tão evidente, quando todos perceberam. O que aconteceu previamente aquele vazamento dele de propósito, em que falava da sua própria posse antes do julgamento do impeachment. Eu recebi uma carta que era uma lamentação. Era interessante que nas entrelinhas da carta ficasse evidenciado que havia uma inconformidade com o cargo. Ele queria e reclamava de responsabilidades que são típicas do presidente. Talvez ali tenha sido um início, mas eu levei como lamentação. Hoje vejo que ali já tinham pitadas de interesse no poder. É típico de quem trai esconder o ato”, afirmou.
Críticas ao processo de impeachment
A presidente afastada Dilma Rousseff voltou a chamar o processo de impeachment de golpe. Ela contou que tem procurado fazer reuniões com diferentes áreas da sociedade para tentar fazer com que isso influencie na decisão do Senado na votação final do processo.
“Tenho não só esperança, como sistematicamente feito tratativas nessa direção. Converso com senadores, discuto com movimentos sociais. Há uma interação entre toda ação do Senado e os diferentes setores da sociedade. Isso passa por intelectuais, professores. Tenho ido a universidades. É uma agenda que tenta esclarecer os motivos pelos quais nós consideramos que esse processo de impeachment se constitui em um golpe. Não aquele tradicional, o militar, que se usava de instrumentos como tanques. etc. Mas é um golpe parlamentar porque não há base jurídica para o impeachment. Se o impeachment está previsto na Constituição, também ela prevê que teria de haver um crime de responsabilidade. Hoje há uma perícia do Senado que os motivos pelo qual me acusam não se acusa crime. No Plano Safra nem a minha presença em um ato foi constatada. Eu não participei em nenhum momento porque não é papel do presidente. Nós vínhamos dizendo isso há muito tempo e agora a perícia do Senado constatou isso”, disse Dilma.
“Nós começamos sendo acusados de seis decretos e agora são três. Nesses três também não foram constatadas ações dolosas minhas. Não há uma avaliação que diga ‘presidente, se você assinar esse decreto, estará comprometendo a meta fiscal’. Cada dia fica mais claro que isso é um impeachment sem base legal. Por isso se caracteriza como golpe”, continuou.
Plebiscito para novas eleições
Dilma também comentou sua posição sobre a possibilidade de chamamento de um plebiscito para novas eleições. Ela ressaltou que seu objetivo é retornar ao governo para cumprir o mandato, mas disse considerar a possibilidade de novas eleições gerais melhor que uma eleição indireta para presidente.
“Se todos forem afastados, a lei prevê que seja feita uma eleição indireta. Nós não queremos eleição indireta porque seria um retrocesso. Seria voltar à ditadura. Para evitar qualquer tentativa de eleição indireta que se colocou essa questão da consulta das pessoas a respeito da eleição direta. Para que haja qualquer processo democrático no país tem uma condição essencial, que é a volta integral, plena e irrestrita do meu mandato. Caso contrário estaremos na ilegalidade da ruptura sem causa”, avaliou.
Dificuldade na relação com Congresso e aliados
Uma das razões apontadas por oposicionistas e antigos aliados para que o processo de impeachment tenha tido andamento é a dificuldade que Dilma Rousseff teve para dialogar com o Congresso. A presidente afastada afirmou que o que fez foi evitar “um certo tipo de conversa” e admitiu que não teve uma bom diálogo com o presidente da Câmara dos Deputados agora afastado Eduardo Cunha.
“Algum erro eu devo ter cometido. Não vou falar que sou a única que não comete erros. Tem certo tipo de conversa que de fato eu não gosto. Uma certa conversa que a gente sabe que leva a negociações que muitas vezes não são republicanas. Aí podem me chamar de dura e do que for. Não faço esse tipo de conversa porque não acho que seja bom para o Brasil. Não é correto. Não acredito que o povo brasileiro gostaria que eu fizesse esse tipo de conversa. Muitas vezes o Congresso na negociação de processos é que se encontra o consenso adequado. Para essas eu sempre estive aberta”, destacou.
Dilma também falou sobre sua relação com Cunha. “No caso do Eduardo Cunha, nós tínhamos uma contradição. A pauta conservadora que constitui o estado brasileiro não é a que eu defendo. Dialogar com o Eduardo Cunha é muito difícil. Ele tinha controle de uma parte do Congresso. A imprensa já reportou, avaliou e radiografou as condições em que ele teve esse controle de uma parte expressiva. Em alguns momentos era muito difícil encaminhar as questões. Ninguém diz de um presidente homem que ele é duro, que é firme. Diziam que eu era dura. Isso tem um componente misógino e machista”, afirmou.
Dilma defendeu a reforma política e disse que o Brasil tem partidos demais. “O Brasil hoje tem um sistema político que deixa impossível governar o país com essa quantidade de partidos. No período do (presidente) FHC se fazia maioria simples com três partidos. No do Lula eram oito para maioria simples. No meu governo, 14 para maioria simples e para chegar à absoluta você tinha que ter bem mais partidos para margem de segurança. Isso ocorre porque os partidos se fragmentam. Com um sistema proporcional e sem cláusula de barreira, há um incentivo para a criação de partidos por ter acesso ao fundo partidário. A governabilidade também está em causa por isso”, finalizou.
Correio do Povo