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domingo 28 abril 2024
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A queda dos aviões – Cel.Claudio Vogt

Foto Acervo Rogério Machado

A QUEDA DOS AVIÕES EM SARANDI

Em meados dos Anos 60, numa tarde de sábado, em pleno verão, passou, por sobre a Avenida 7 de Setembro de Sarandi, um avião que puxava outro…

O Cine Guarany mostrava aviões nos filmes. De repente, estávamos vendo dois aviões de verdade. O fato despertou o interesse de todos.

Aquele momento de alegria era o começo de um capítulo dramático da História da Cidade.

Alguns guris jogavam pingue-pongue.

Outros nadavam na Curva do Rio Bonito.

O Pai tomava chimarrão debaixo da bergamoteira.

O que mais havia era tempo.

Um mensageiro, vindo da Rua do Favretto, exclamou: “dois aviões pousaram num potreiro!” Continuou pela Cidade informando aos outros moradores… 50 Sarandienses foram para lá.

Queriam ajudar, ver os aviões, os pilotos, os uniformes diferentes…

Eu fui à pé, para o lado da Barra Funda. Inexperiente, não levei água…

Ficamos, em fileira, ao longo de uma estrada de chão, ao lado de uma cerca de pedra, de frente para um potreiro (baixo). Este era separado de um potreiro alto por um barranco inclinado de 100 metros de altura e por uma cerca de arame farpado (no alto). O avião (com motor) e o planador (sem motor) estavam no potreiro alto, sendo consertados por mecânicos sarandienses ( Domingos Zancanella… ).

Eu não consegui confirmar a cidade de origem dos pitotos, apaixonados pela aviação… Não subi até o potreiro alto. Não sabia se era permitido… Era mais uma meia maratona! Alguns cidadãos que voltavam de lá traziam notícias. À medida em que o tempo passava, aumentava o número de curiosos na estrada…

Os aviões já estavam prontos para decolar. A dimensão da “pista” era suficiente.  Os pilotos estavam preocupados com a cerca do potreiro alto. Queriam retirar 4 ou 5 postes. Os aviadores eram experientes em decolagens de emergência. Se o avião conseguisse voar por cima da cerca, os pilotos estariam salvos. A saudade de casa já estava batendo…

Numa hora destas, faz falta um gaúcho de braço forte. Como o Negro Aristides do Catumbi. Foi Soldado no Alegrete. Em menos de meia hora, teria arrancado a maldita cerca! No potreiro de baixo, disseram que o Dono da criação de gado não autorizou a retirada da cerca. Os pilotos ficaram com poucas alternativas. Estavam cansados. Confiavam na potência do motor. As condições eram desfavoráveis. Decidiram decolar…

Eu não era um guri pessimista. Mas tinha dúvida se o avião “subiria” percorrendo um potreiro curto. Os Sarandienses ficaram emocionados. O avião fui subindo… subindo… Parecia um milagre! A torcida de todos era para que as aeronaves passassem por cima da cerca… Estavam passando… mas o pneu direito do avião bateu na ponta de um moirão da cerca. O avião inclinou (30 graus) para o potreiro de baixo. Liberaram o planador, para que fizesse um pouso (de emergência) mais à frente, para o nosso lado esquerdo ( lado da Cidade ).

O Piloto do monomotor não conseguiu mais dominá-lo. Tentou aterrissagem de emergência. Caiu no potreiro de baixo, a 200 metros de onde estavam os moradores de Sarandi. Os Sarandienses que estavam no potreiro alto ( Vadis Pelizzari, Jorge Gambeta, Nelson Robin… ) desceram correndo. Um deles cortou o pé nos arames farpados da cerca derrubada pela aeronave…

Fomos correndo ao local da queda… Fui o primeiro a chegar. Aproximei-me do lado esquerdo do avião. Estava sem a porta. Poderia explodir ou incendiar. O Piloto estava vivo, consciente… Era jovem. Inclinou o rosto à esquerda e me viu. Não pediu nada. Estava abalado, assustado. Gemia de dor. Não tentava sair do assento. Esperava que alguém o salvasse. Do abdômen, vertia sangue… Eu, angustiado, queria ajudar, mas não sabia o que fazer…

Os grandes foram chegando aos poucos. Encontraram um caso complicado: um piloto ferido, um piloto muito ferido, um planador avariado, um avião em pedaços, uma ambulância inexistente, um hospital longe demais, um relógio que não sabia esperar… Retardatários continuavam chegando… A Emissora Sarandiense, também na infância, aguardava notícias… Pobre Piloto!

Abalado, nem fui ver o responsável pelo planador. Eu estava triste, com sede… sem esperança de que salvariam o Piloto.  Fui até onde poderia ter ido. Abaixei a cabeça. Voltei para casa. Chutei pedras na estrada. Pensei no valor do poste. Pensei no valor da vida.

           

Claudio Frederico Vogtcfvogt@yahoo.com.br

( Quando o mundo deu mais uma volta, os pilotos, sempre  educados, voltaram ao nosso pequeno Sarandi. Deram aula de gratidão. Agradeceram aos heróis Sarandienses que, em situação totalmente adversa, salvaram duas vidas… Em sinal de agradecimento, batizaram o “avião sem motor” de PLANADOR SARANDI. Não desistiram do sonho de voar… A Pátria precisa de pilotos…

 

 




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