Boate Kiss: MPF se manifesta contra anulação de Tribunal do Júri que condenou réus
Documento, assinado pela subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, vai ser analisado pelo STJ
O Ministério Público Federal (MPF) defendeu, em parecer enviado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que seja restabelecida a decisão do Tribunal do Júri que condenou quatro réus pela prática de 242 homicídios e de 636 crimes de tentativas de homicídio em Santa Maria.
Os 878 crimes ocorreram na boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013. O MPF é favorável ao recurso especial do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS) contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que declarou nulo o julgamento popular sobre as responsabilidades pela tragédia.
Para a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, que assina o parecer, a decisão do TJRS violou dispositivos do Código de Processo Penal (CPP). Isso porque invalidou todo o julgamento com base em falhas técnicas na condução do júri, mas que foram apontadas pela defesa fora do prazo definido em lei e sem especificar os prejuízos causados aos réus.
Na avaliação de Dogde, a falta de contestação no momento adequado levou à chamada preclusão temporal, que consiste na perda do direito da defesa de se manifestar no processo. Por esse motivo, não cabia ao Tribunal sequer ter analisado os pedidos dos réus, que segundo ela contrariaram as normas processuais vigentes.
No acórdão contestado, o TJRS acolheu recursos dos réus, que questionaram o procedimento adotado para o sorteio dos jurados, assim como a realização de uma reunião reservada entre o juiz-presidente do Tribunal do Júri e o Conselho de Sentença do TJRS, sem a presença do Ministério Público, tampouco da defesa.
Segundo consta nos autos, houve três sorteios para a escolha dos jurados titulares e suplentes, sendo que as contestações foram apresentadas na véspera do último sorteio e após a realização do procedimento, sem demonstrar os prejuízos aos réus. Além disso, de acordo com o parecer, o procedimento adotado no sorteio não violou o devido processo legal, nem se mostrou determinante para a condenação aplicada.
Em relação à reunião reservada, o MPF sustenta que cabia à defesa ter contestado a prática no momento em que os jurados foram convocados, levando o juiz a suspender o convite ou chamar o Ministério Público e a defesa para participarem do ato. “No entanto, a defesa preferiu silenciar, dando causa à preclusão, e somente suscitar referida nulidade após o desfecho condenatório desfavorável”, sustenta a subprocuradora.
No parecer, Raquel Dodge contesta, ainda, outros dois pontos utilizados pelo TJRS para anular o júri: o questionamento quanto à validade de quesitos usados para a condenação e a alegada inovação acusatória, em razão de argumentos apresentados pelo promotor durante réplica no julgamento de um dos acusados.
Em relação ao primeiro ponto, o MPF lembra que a legislação processual possibilita à defesa participação ativa na elaboração dos quesitos (perguntas) que serão respondidos pelos jurados e servirão de base para a condenação ou absolvição. Por esse motivo, o próprio CPP afasta a possibilidade de as partes questionarem posteriormente os quesitos estabelecidos, visto que elas deram o aval no momento da redação.
A subprocuradora-geral também afastou o argumento de “inovação acusatória”, por considerar que não houve prejuízo aos réus, visto que a defesa teve oportunidade de rebater os argumentos apresentados pelo promotor no momento da tréplica concedida durante o julgamento. Para Dodge, nenhuma das falhas técnicas apresentadas pela defesa e acolhidas pelo TJRS comprometeu o contraditório, a ampla defesa ou o duplo grau de jurisdição e, por isso, não se justifica a anulação do júri.
FONTE Correio do Povo