Diretor da Rede de Instituições Federais de Ensino Superior encaminhou a reitores ofício com recomendação do procurador Ailton Benedito de Souza
O Ministério da Educação (MEC) encaminhou ofício às universidades federais de todo o país alertando que manifestações políticas nas instituições podem configurar “imoralidade administrativa”, passível de punições disciplinares. O documento anexa uma representação assinada pelo procurador Ailton Benedito, do Ministério Público Federal em Goiás e apoiador do presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o jornal O Estado de S.Paulo, na peça, o MEC argumenta que o compartilhamento atendeu solicitação da Corregedoria da pasta.
Nesta semana, a Controladoria-Geral da União (CGU) publicou os extratos de dois Termos de Ajustamento de Conduta assinados por professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), incluindo o ex-reitor da instituição, Pedro Hallal, que foram alvo de processos preliminares abertos a partir de uma denúncia do deputado bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS).
O ofício enviado pelo MEC por meio da Rede de Instituições Federais de Ensino Superior ressalta que as recomendações feitas pelo procurador devem ser levada em conta na ‘tomada de providências para prevenir e punir atos político-partidários nas instituições públicas federais de ensino’. “A utilização de dependências físicas, o uso de bens móveis, materiais ou imateriais, para a promoção de eventos, protestos, manifestações, etc de natureza político-partidária, contrários e favoráveis ao governo, caracteriza imoralidade administrativa”, apontou ofício, citando a manifestação assinada por Ailton Benedito.
No ano passado, o procurador cobrou informações ao Twitter após a rede social alertar que eram enganosas publicações sobre ‘tratamento precoce’ para a Covid-19.
A manifestação sobre manifestações político-partidárias é ainda de 2020, mas só chegou aos reitores em fevereiro. O envio do documento atendeu solicitação da Corregedoria do MEC que, ‘em face do recebimento de denúncias relativas à matéria, entendeu pela necessidade de envio do documento do MPF às IFES (Instituições de Ensino Superior)’.
A reportagem do Estadão entrou em contato com o Ministério da Educação sobre o caso e aguarda resposta.
UFPel
Paralelo ao envio do ofício do MEC, dois professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) assinaram Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) após criticarem o presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, em janeiro deste ano. O ex-reitor da instituição Pedro Hallal e o pró-reitor de Extensão e Cultura Eraldo dos Santos Pinheiro foram alvos de processos preliminares abertos na Controladoria-Geral da União (CGU) após denúncia do deputado Bibo Nunes.
As críticas foram feitas durante uma live sobre o encerramento do mandato de Hallal à frente da UFPel. “Quem tentou dar um golpe na nossa comunidade foi o presidente da República, e eu digo presidente com ‘p’ minúsculo. Nada disso estaria acontecendo se a população brasileira não tivesse votado num defensor de torturador, em alguém que diz que mulher não merecia ser estuprada ou no único chefe de Estado do mundo que não defende vacinação”, declarou Hallal.
O pró-reitor Eraldo dos Santos Pinheiro classificou Bolsonaro como “genocida” que “vem minando, destruindo as estruturas já precárias de nossas instituições”. O TAC foi assinado após a CGU concluir que as críticas dos professores não caracterizaram infração grave a ponto de uma punição disciplinar. O órgão, porém, apontou que as declarações podem ser enquadradas como violações ao Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, que proíbe funcionários públicos de promoverem ‘manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição’.
O TAC assinado por Hallal arquiva o processo preliminar e sem reconhecimento de culpa. Os termos preveem apenas que o professor não deve descumprir o Regime Jurídico do Servidor Público novamente.
Especialistas advertem para “intimidação” a reitores e professores
Especialistas ouvidos pelo Estadão classificaram que o envio do ofício do MEC às universidades e os processos abertos contra os professores da UFPel podem ser tentativas de ‘intimidação’ contra servidores das instituições.
O reitor da Universidade Federal do Paraná e professor de Direito Ricardo Marcelo Fonseca relembra que o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela inconstitucionalidade de atos que atentem contra a liberdade de expressão de alunos e professores dentro das universidades.
“Em vista desta interpretação, me parece que a recomendação desta unidade do Ministério Público Federal de Goiás não se mantém em pé”, afirmou. “O exercício da pluralidade de posições deve ser altamente respeitado e vejo com muita preocupação que haja movimentos no sentido de restringi-lo porque isso significa despotencializar as universidades, que neste momento de pandemia são as entidades fundamentais para a produção do conhecimento, para nossa civilidade e inclusive para salvar vidas”.
Segundo o professor Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas, o TAC assinado por Hallal para encerrar o processo ‘é uma vitória para o governo’.
“Consequentemente, firmar um TAC com alguém, dizer que essa pessoa não pode repetir a atitude, não pode exercer um direito seu, de fazer a crítica ao governo, ainda mais no ambiente acadêmico, isso é inacreditável. Isso é completamente inaceitável”, apontou. “Forma de intimidação por via de low fear. De usar os mecanismos judiciais como instrumento de intimidação politica.”
Para o professor Floriano de Azevedo Marques Neto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), os casos promovem um ‘cerceamento da liberdade de cátedra’. Segundo ele, o Regime Jurídico dos Servidores Públicos proíbe o funcionário de demonstrar desapreço em repartições públicas, mas não pode ser usado para tolher a opinião do servidor. “Quando você está diante da atividade docente, é condição inerente a liberdade de cátedra”, frisou.