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sexta-feira 22 novembro 2024
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Especialistas analisam ódio em meio à polarização política

Agressividade nas redes sociais demonstra despolitização e escalada de ânimos que pode levar à violência

Divisórias tentam evitar confrontos | Foto: Antonio Cruz/ABr/CP

Divisórias tentam evitar confrontos | Foto: Antonio Cruz/ABr/CP
Um muro de metal divide ao meio a Esplanada dos Ministérios, em Brasília. A divisão em frente a um dos principais símbolos nacionais mostra que a política ultrapassou uma linha perigosa e entrou no patamar da intolerância. Às vésperas da votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, um metafórico muro divide também o país, tensionando o ambiente, seja na esfera pública ou até mesmo as conversas de família.
Com o Brasil pressionado pela crise econômica e bombardeado por denúncias de corrupção, o clima quente nas manifestações no Brasil extravasou em atos de violência. Neste campo minado, a Psicologia vê a internet potencializando frustrações e desilusões para o mundo real. A Ciência Política alerta para a falsa “politização” num cenário de falência dos partidos políticos e instituições. A Comunicação enxerga perigosas “bolhas” de concordância para silenciar o contrário, aumentando o ódio contra o “outro lado”.

Sob as bandeiras “Impeachment Já”, “Não vai ter golpe”, “Não é golpe”, “Vai ter luta”, “Petralhas”, “Coxinhas”, em pouco mais de um mês, muitos casos de violência física ou verbal viraram notícia. Num dia de protestos contra o governo, em 17 de março, o bar Odeon de Porto Alegre quase virou palco de briga de rua. Quatro dias depois, petistas atacaram um jornalista no ABC Paulista. Nas idas e vindas processuais, o ministro do STF, Teori Zavascki, sofreu ameaças em frente à sua Casa na Capital. Um quadro de humor do “Porta dos Fundos” se tornou alvo de pedidos de boicote por satirizar a Polícia Federal. Internautas ofereceram dinheiro para quem hostilizasse o ex-deputado Ciro Gomes. Por fim, talvez o momento mais extremo tenha ocorrido com o homem de São Leopoldo que ateou fogo no próprio corpo em frente ao Planalto.
Agora faltam poucos dias para a votação da Câmara sobre o impeachment de Dilma. O temor de uma escalada ainda maior de agressões gerou o muro de metal e mobiliza um aparato com 4 mil policiais para tentar manter a integridade dos que pretendem defender suas posições em Brasília. Nesse cenário, o psicanalista Leonardo Della Pasqua alerta para a influência do discurso de ódio nas multidões. “Existem pessoas que inflamam a massa para o uso da violência. Num ambiente de grandes proporções, as pessoas podem ser mais sugestionáveis e, como os ânimos são de indignação e intolerância, o terreno para a violência física está aberto”, aponta. “Onde não há muito espaço para o pensamento, parte-se para a ação. A violência é uma clara expressão dessa ideia.”
Reflexo da politização?
Para a cientista política da Ufrgs, Céli Regina Jardim Pinto, o ódio nas ruas e nas redes sociais mostra um erro de avaliação sobre a suposta “politização”. “Nunca tinha se visto no Brasil esse ódio que aparece nas redes sociais. Isso mostra um erro dessa avaliação ‘o Brasil está politizado, todo mundo fala em política’. Ninguém fala em política”, enfatiza. “As pessoas estão ressentidas e furiosas, mas isso não é política. Política é projeto, é posição, é diálogo com o outro, mesmo que seja com quem pensa igual a ti. Esse diálogo não existe e as pessoas falam por si. Não está ocorrendo um momento de politização e sim de despolitização”, analisa.
Della Pasqua contextualiza a falta de reflexão como o lado extremo da “intolerância natural” que todos possuem a algumas ideias diferentes. “Quando o ódio atinge determinados níveis de intensidade, o raciocínio e o juízo crítico ficam prejudicados, sendo intolerável suportar uma ideia que provenha de um grupo ou uma ideologia”, explica. Para um debate verdadeiro, ele salienta a necessidade de afastar essa “intensidade” de ambos os lados. “Nos casos onde há troca de ideias, as emoções estão menos intensas e perturbadoras. Neste caso, existe um possível distanciamento para questionar e debater, mesmo quando há evidente discordância ideológica.”
Mas o “filtro” das redes sociais é mais um obstáculo para o estímulo à troca de ideias, conforme detalha a jornalista e pesquisadora Raquel Recuero. A intolerância política, associada aos algoritmos que direcionam conteúdos do Facebook “faz com que se criem ‘bolhas’ de concordância e se silenciem os discursos contrários”. Raquel salienta que “esse silenciamento é também separador, na medida em que cria mais animosidade entre as pessoas, o que aumenta o ódio contra o ‘outro lado'”. O resultado é que, quanto mais conteúdo agressivo circula em determinado grupo, uma quantidade cada vez maior desse material é repercutido entre as mesmas pessoas.
Para a cientista Céli Regina, essa é a propagação de muitos discursos vazios. “Qual a proposta que junta milhões de pessoas nas ruas? É a destruição. Se perguntar, vão dizer: ‘Não quero a Dilma’. Isso é muito pouco”, pondera. “Isso de dizer que não quer a Dilma e o PT. Mas também já vaiaram Aecio, Alckmin, Martha Suplicy. Então é um momento de despolitização, pois não tem debate, discussão, alguém conversando com alguém para postar uma ideia”, frisa ela.
Falta de representatividade
O debate definha ainda mais, segundo a especialista da Ufrgs, pela falta de representatividade tanto no Executivo quanto no Legislativo. “Acredito que os partidos políticos estão neste momento sendo completamente incapazes de fazer aquilo para qual existem: realizar o elo entre o mundo político e a vida das pessoas”, argumenta. “Praticamente desapareceram, estão lá em Brasília lutando por sobrevivência enquanto a massa está numa arena romana, para ver quem vai acabar com o outro.”
Dentro deste ambiente, ela lembra que o Judiciário ascendeu como “salvador” no imaginário da população, ainda na época do julgamento do mensalão. “Houve uma certa crença desde o mensalão e do Joaquim Barbosa de que o Judiciário seria a salvação. O que é um engano completo. O país precisa ter um judiciário decente, sério. Como é o norte-americano: completamente discreto”, opina, lembrando que nos EUA sequer é permitido fazer imagens dos magistrados, enquanto o Brasil transmite as sessões em TV aberta. A partir deste clamor e exposição, Céli Regina acredita que “surge uma figura como o juiz Sérgio Moro, que é a absoluta negação do que deve ser o sistema judiciário: discrição e com uma forma de trabalhar absolutamente dentro da lei”. “Mas a possibilidade de surgir um Moro e o destaque do STF deixa em evidência o fracasso do Legislativo. Virou um mercado público de venda e compra de emendas, cargos, votos etc.”
Uma manifestação pública em específico preocupa a cientista. “O que mais define a gravidade do momento político brasileiro é o vídeo que está circulando da jurista Janaína Paschoal, professora de direito da USP e signatária do impeachment”, alerta. “Todos os brasileiros deveriam ver aquele ato, para testemunhar o nível que chegou a vida política do país. A partir dali, temos que dar a volta. Aquilo é o nível mais baixo que a política e o judiciário podem chegar.”
Della Pasqua reforça que, a descrença com as instituições, aumenta a pressão sobre o ambiente de ódio. “Nesses casos, não é tão importante a justificativa dos atos em si – que são muito frágeis -, mas a descarga de agressividade expressa em todas essas ações”, afirma. “Estamos em um período onde devemos lidar com muitas frustrações e desilusões. É um campo propício para projeções, onde o outro que pensa diferente de mim torna-se meu inimigo e deve ser afastado ou destruído.” Ele sublinha a necessidade de manter distância da intensidade emocional se for debater política. Mas, se não for possível, aconselha: “Talvez seja o caso de evitar debates sobre política e priorizar manter as relações que são importantes em nossas vidas”.
Correio do Povo



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