Mundo virtual substituiu brincadeiras coletivas como pega-pega e o esconde-esconde
Eduardo, de 12 anos, criou um canal no Youtube e reserva parte do dia às redes sociais | Foto: Fabiano do Amaral
O Dia da Criança passa por uma transformação. A data revela novos hábitos e presentes. A geração do século XXI é íntima da tecnologia, que somada às mudanças da sociedade e da família, fizeram com que as tradicionais brincadeiras coletivas, como o pega-pega e o esconde-esconde, dessem lugar à experiência virtual de celulares, tablets, videogames e computadores. A excitação e adrenalina dos jogos virtuais resultaram na banalização dos brinquedos.
Segundo a socióloga Aline Di Franco, as crianças estão vendo a vida passar através de telas eletrônicas. Entretanto, a tecnologia não é ruim. “O problema é que as crianças não são assistidas durante o uso de equipamentos eletrônicos”, afirma. Por outro lado, a psicanalista Katia Wagner Radke, da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA), alega que o mais preocupante é o uso abusivo da tecnologia. “As crianças brincam mais virtualmente do que em contato físico. O uso abusivo resulta na falta de tolerância da espera e a diminuição do afeto e contato social e familiar”, ressalta a psicanalista.
A troca das formas de entretenimento das crianças é resultado de diversas mudanças, como a estrutura familiar e as evoluções da sociedade. Até o atual nível de insegurança presente na maioria das cidades contribui para o tema. A socióloga Aline ainda relata que um pouco do incentivo é de responsabilidade da pressão social. “A criança vê que o colega está com um celular ou tablet e se sente excluída se não tem. É o processo de constituição de indivíduo através da sociedade. Chega ao ponto em que há pressão não só para ter o aparelho, mas o melhor aparelho”, argumenta.
O principal problema na mudança dos costumes é a falta de equilíbrio entre o convívio social e a inclusão digital. “O excesso de mundo virtual tira o potencial de sobrevivência no mundo real”, diz Aline. O filósofo Sérgio Sardi alerta para as restrições que a atual geração poderá enfrentar. “Em termos intelectuais, as crianças de hoje são muito eficientes. Mas se perde a potência de inteligência emocional e cada vez mais dependemos de algo externo para sermos felizes”, analisa Sardi. Resta a preocupação com as próximas gerações.
Mudança de rotina traz alertas e desafios
O mundo virtual alterou a rotina de Eduardo Nunes Pasqualeto, 12 anos. A partir da descoberta das redes sociais, ele passou a se dedicar ao uso dos aparelhos eletrônicos. A mudança ocorreu há cerca de quatro anos. Desde então são horas diárias de interação na Internet. Por um lado, o desenvolvimento da criatividade e da comunicação. Por outro, ele acabou tendo problemas de ansiedade.
Os resultados do uso abusivo da tecnologia preocuparam o pai do jovem, o contador Júlio César Pasqualeto, 46, que promoveu mudanças, tendo como foco a melhora da saúde do seu filho. “Estamos tentando esquematizar horários. Ele também está indo à nutricionista, já que a alimentação mudou junto com a rotina”, relatou. O desempenho escolar de Eduardo não é motivo de preocupação. “Ele é muito bom aluno”, garantiu o pai. “De manhã estudo para as provas, mas à noite me dedico ao meu canal no YouTube”, conta Eduardo. “Não é para trabalho, mas uma brincadeira para interagir com as pessoas”, salienta.
Um novo ciclo de amigos
Há quatro anos, a rotina dos irmãos Gustavo Silvano, 15 anos, e Rodrigo Silvano, 11 anos, mudou. A descoberta da tecnologia fez com que ambos deixassem as atividades que envolviam os amigos do condomínio onde moram. Enquanto o irmão mais velho dedica horas aos jogos de computador, o mais novo acompanha vídeos via Internet.
Ao mesmo tempo em que a mãe da dupla, a bióloga Patrícia Zahorcsak, 45, teme pela falta de atividades físicas, devido ao excesso de uso dos dispositivos eletrônicos, considera que a tecnologia auxilia em outros aspectos. “Não houve restrição ao ciclo de amigos. Pelo contrário, eles ficaram com mais amigos, até por causa dos jogos. Muitos são de outros estados”, comenta. Patrícia destaca que ambos desenvolveram o potencial social e emocional que o uso abusivo precoce da tecnologia poderia colocar em risco. “Pesquiso sobre o que tenho curiosidade. E também brinco na escola”, justifica Rodrigo, sobre as atividades que realiza fora do mundo virtual.
Obrigações antes de jogar
A curiosidade pelo mundo virtual surgiu aos três anos de idade para Henry Silva Ávila. Hoje com seis anos, ele já é experiente no uso de aparelhos eletrônicos. Primeiro foi o computador. Depois passou para o tablet, até criar intimidade com celulares e videogames. Entretanto, o tempo de uso é limitado. Os pais de Henry se certificam que ele não fique por mais de uma hora com algum aparelho nas mãos. “O uso da tecnologia aumentou ao longo do tempo, mas ele não abandonou o gosto por outras atividades”, revela a mãe, a enfermeira Louise de Cássia Silva Cardoso, de 36 anos.
“No colégio, ele brinca de pega-pega, entre outras brincadeiras. Ele também adora jogar futebol”, relata Louise. Entretanto, mesmo com a diversidade de atividades, a expectativa da mãe é de que o interesse do filho pelos eletrônicos aumente cada vez mais. “Mas tento fazer com que ele faça atividades fora de casa”, pondera. Para que o virtual não vire um vício, os pais de Henry impuseram ao menino obrigações como fazer o tema de casa antes de jogar.
Correio do Povo