Tudo na vida é linguagem.
O homem carrancudo, inquieto, expressa no corpo a linguagem da alma.
A senhora amorosa caminhando com dificuldade, cuidando do neto distraído com as pombinhas na rua, aqueles corpos, aqueles dois, são códigos de comunicação, são mensagens, mas não sabem que são.
A vida tem muitos jeitos de se comunicar.
A mata fechada, misteriosa, isolada, fala com a eloquência de cada movimento aparentemente sem nenhum significado.
Quando o sol aparece há música, os pássaros ouvem e se alegram.
À noite, com a chegada da lua, a Terra inteira fica exposta a uma sinfonia de sons, cantos de bichos noturnos, timbres sutis e constantes invadem o ar e são acolhidos pelo vento que os espalha por todos os cantos.
Quem pode ouvir as lições que o dia ensina à noite?
Expressões silenciosas de sabedoria que passeiam pelo ar e pousam no mar, mergulham, visitam os peixes, alimentam os bichos marinhos e sobem, voam baixo sobre águas salgadas e geladas, penetram ondas e se elevam até que as nuvens sejam preenchidas e se dissolvam como chuva que cuida da terra, que alimenta humanos.
Humanos e suas poesias, suas músicas, suas palavras que decodificam parte do que está em todos os lugares. Humanos expostos à comunicação infinita de vida que preenche corpos de carne e sangue e faz com que amem, se expressa em animais, gera perfume de plantas, abastece oceanos, mundos profundos.
Tudo na vida é linguagem, mas nenhuma linguagem contém o que é.
Expressões de mistério que chamamos de Deus, de vida, de amor, que tentamos enquadrar em códigos para depois dissecá-los, dominá-los e dizer “agora eu sei”.
Em um canto qualquer do planeta, nesse fragmento de tempo que chamamos de história, enquanto a vida se manifesta multiforme, tons, variações, intensidades infinitas, você lê essa tentativa absolutamente limitada de expressar o que está além das palavras.
Uma mãe abraça e dá um beijo no filho, um gato dorme preguiçosamente, um pássaro leva comida para os filhotes, gente que se despede e sabe que jamais voltará, gente que nasce, que morre, alguém que olha para o infinito e pensa em nada, sente algo que nem sabe explicar, mente preenchida de preocupações, gente que vive e faz parte da sinfonia que não cessa, expressões do que chamamos vida e está em todos os lugares, em cada movimento, em tudo o que existe.
Tudo. Linguagem que se expressa em seres que nem sabe que são.
Flavio Siqueira