Número é quase 49% superior na comparação com 2020
| Foto: Mauro Schaefer / CP Memória
As negociações de carros usados tiveram um boom neste ano, ocupando espaço dos modelos novos que sumiram das lojas em razão da falta de chip para a produção. Com demanda em alta, há uma escalada de preços que não se via desde o Plano Cruzado (nos anos 1980). Há modelos com valorização de mais de 20% em um ano. Num mercado normal, o automóvel perde entre 15% a 20% do seu valor após um ano de uso.
Embora o segmento também já registre falta de produtos, as vendas até agosto são recordes, com 7,59 milhões de automóveis e comerciais leves. O número é 48,8% superior ao de 2020, um dos anos mais fracos para o setor por causa da pandemia, mas também 6,6% acima dos 7,12 milhões de usados vendidos em igual período de 2019, até então o melhor resultado da história, segundo a Fenabrave, que representa as concessionárias.
“Em períodos de crise é normal essa métrica subir, mas dessa vez a massa salarial foi preservada pelos estímulos (do governo) e as vendas cresceram em parte por causa da demanda, e em parte por causa da falta dos novos”, diz Renan Bassoli Diniz, economista do Departamento de Pesquisa e Estudos Econômicos do Bradesco.
Os preços dos carros novos também aumentaram ao longo do ano, mas abaixo dos usados. Segundo o IPCA, índice que mede a inflação dos preços ao consumidor, veículos zero acumulam alta de 9,8% nos 12 meses encerrados em agosto, enquanto os usados subiram 12,5%.
Corrida
O vice-presidente da Fenabrave, José Maurício Andreta Júnior, diz acreditar que o mercado de usados deve encerrar o ano com mais de 11 milhões de veículos vendidos, confirmando assim o melhor resultado da história do segmento.
Para os novos, diz ele, é difícil fazer previsões porque vai depender da capacidade das montadoras de entregar carros para as revendas. A previsão do mercado é de que a falta de semicondutores deve se manter pelo menos até meados de 2022.
Mais focadas em modelos novos, concessionárias também correm atrás de usados em portais e oferecem preços mais atraentes aos proprietários. Antes da pandemia, o mais comum era receber o usado na troca pelo novo e repassá-lo a lojistas do ramo. Agora, a maioria das revendas busca carros seminovos (com até três anos de uso) para alavancar os negócios. Há, inclusive, grupos abrindo lojas exclusivas para vender usados.
Carro usado chega a custar mais que um zero quilômetro
Vender um carro usado por um ano e com preço melhor do que aquele pago na compra é algo inédito num momento de estabilidade econômica. “Vi isso só na época da hiperinflação”, afirma Eduardo Jurcevic, presidente da Webmotors, maior plataforma de compra e venda de carros do País.
Modelos de grande procura, como Volkswagen T-Cross e Gol, tiveram em um ano valorização de 27% e 24%, respectivamente, conforme dados da KBB Brasil, empresa especializada em pesquisa de preços de veículos (veja quadro ao lado).
Para Ana Renata Navas, diretora-geral da Cox Automotive do Brasil, dona da KBB, a alta procura por carros usados – e a consequente valorização dos preços – se deve, em parte, à pronta entrega que o segmento oferece ao consumidor. Muitos modelos novos têm filas de espera de quatro a seis meses.
Outro ingrediente, diz ela, é que a falta de carros novos reduz também a oferta de usados, pois normalmente eles compõem o pagamento do zero. “Com menos veículos seminovos e usados disponíveis nos estoques das lojas, há mais pressão sobre os preços”, explica.
Segundo Ana Renata, caso a crise de semicondutores perdure para além do primeiro semestre de 2022, ou se agrave no curto e médio prazos, os fatores citados “podem pressionar ainda mais os preços, a ponto de arrefecer a demanda por usados”.
No limite. Na opinião de Jurcevic, a elasticidade de preços vai até um certo ponto. “Acho que está muito próximo de chegar em um patamar em que o consumidor vai decidir esperar mais um pouco porque os preços estão muito altos”, diz. Como no geral modelos novos e usados ficaram mais caros, o consumidor terá de avaliar se compensa trocar o carro valorizado por outro que também valorizou.
Jurcevic afirma que este já é o melhor momento da história de 25 anos da Webmotors no Brasil. O resultado financeiro da empresa cresceu mais de 30% até agosto ante igual período de 2020 e ele acredita que esse resultado será mantido até dezembro. O número de usuários únicos, de 12 milhões ao mês, também será superado.
Só não será melhor, ressalta o executivo, porque o número de veículos anunciados diminuiu. “Antes da pandemia chegamos a ter 410 mil carros anunciados, e hoje temos 330 mil.”
O AutoShow, tradicional feirão de carros usados que há um ano foi transferido do Anhembi para o Expo Center Norte, na capital paulista, retomou neste ano a venda presencial nas manhãs de domingo, depois de passar praticamente todo o ano passado sem realizar o evento.
Leandro Ferrari, diretor comercial do AutoShow, afirma que o número de carros à venda diminuiu, assim como o público, em razão da pandemia. Ressalta, contudo, que em 2018 e em 2019 foram vendidos 30% dos 15 mil e dos 18 mil carros ofertados no feirão. Neste ano, até agosto, 52% dos 3,3 mil modelos expostos foram vendidos. Mesmo com o aumento de plataformas de vendas on line, ele diz que o feirão continua atraindo muito público comprador, visitas que devem aumentar quando a situação da pandemia estiver mais controlada.
“O local é seguro, há muitas opções de carros, a negociação é feita na hora, sem intermediários e temos todos os serviços para dar suporte à compra, como vistoria cautelar, parceiros da área de financiamento e despachante”, diz Ferrari.
Desaceleração. Ferrari cita o Fiat Argo modelo 2019 como exemplo da supervalorização dos preços, em especial dos seminovos. O modelo era oferecido por R$ 40,8 mil em setembro do ano passado e hoje custa R$ 52,4 mil. “Começa a ocorrer uma desaceleração da velocidade de vendas porque hoje o valor foge do bolso da maioria dos consumidores.”
A Kavak, startup mexicana que atua na compra e venda online de carros com até 10 anos de uso, iniciou operações no Brasil em julho com 2,5 mil unidades em estoque. Hoje tem 3,5 mil. O investimento inicial de R$ 2,5 bilhões na operação brasileira deve ser ampliado no próximo ano com a expansão das operações.
Nos últimos quatro anos, várias startups se instalaram no País para atuar no mercado de carros de segunda mão. Além da Kavak chegaram a Creditas – comprou a Volanty -, InstaCarro, Carupi e a argentina Karvi.
Correio do Povo