Delegado Jerônimo Marçal Ferreira falou sobre a conclusão do inquérito policial dez dias após o crime que chocou a cidade de Saudades
Dez dias após o ataque na creche Pró-Infância Aquarela, na cidade de Saudades, no Oeste catarinense, a Polícia Civil revelou detalhes da investigação do crime. O atentado brutal deixou cinco pessoas mortas, entre elas três bebês com menos de dois anos e duas educadoras.
Entre os destaques revelados no inquérito estão que o autor do ataque, de 18 anos, agiu sozinho. Ele foi motivado pelo ódio à sociedade em geral, sem incentivo de algum grupo específico. O jovem comprou as armas do crime – espécie de espadas ou adagas – pela internet, e as recebeu cinco dias antes da chacina, por encomenda.
O autor do atentado está no Presídio Regional de Chapecó, onde continuará preso, após permanecer oito dias internado no HRO (Hospital Regional do Oeste) para tratar lesões causadas por ele mesmo na hora do ataque, em tentativa de suicídio. Ele foi autuado em flagrante por cinco homicídios e uma tentativa de homicídio – todos triplamente qualificados. A Polícia Civil irá encaminhar o inquérito ao Ministério Público ainda nesta sexta.
De acordo com o delegado da Polícia Civil Jerônimo Marçal Ferreira, responsável pelo caso, ao ser interrogado o rapaz confessou o crime e admitiu que fez tudo planejado com antecedência. O interrogatório ocorreu durante a internação do autor no hospital e durou cerca de 1 hora.
O jovem não ficou calado e também não exigiu a presença de um advogado. Fez questão de prestar as informações solicitadas pela Polícia Civil de forma espontânea.
“Ele tem consciência do que fez, isso mostra que tinha discernimento de tudo. Não há qualquer indicativo que alguém tenha lhe auxiliado”, salientou.
Ferreira detalhou que, na manhã do dia 4 de maio, o jovem foi trabalhar normalmente. Depois, saiu no intervalo, foi para casa e se deslocou até a creche, por volta das 9h50.
Conforme o delegado, o autor queria “matar o máximo possível de pessoas” e, por isso, agiu com pressa, correndo entre as portas das salas para tentar atingir as vítimas.
“Ele agiu com crueldade, frieza e covardia, e tem sim que ser responsabilizado pelos crimes graves e cruéis que cometeu”.
O delegado contou que o autor disse estar arrependido, mas que não conseguiu perceber “se era genuíno ou se era porque será responsabilizado pelo que fez”.
Perfil do assassino: solitário ao extremo
O delegado ressaltou que o jovem era uma pessoa isolada e que tinha dificuldade de relacionamento em um nível muito acima do normal, inclusive com a própria família.
A investigação aprofundou detalhes da vida do jovem e também como ele se comportava na internet, identificando que o crime era premeditado desde o ano passado.
“Ele não tinha ódio contra um grupo específico, criou esse ódio generalizado. Ele tinha acesso a muito conteúdo inapropriado e contato com pessoas com pensamentos ruins e violentos, mas não tinha acesso à deep web“, acrescentou. Ainda segundo o delegado, não há indícios de o jovem tenha qualquer doença mental.
Por que bebês?
O delegado informou que, no início, o jovem tentou por diversas vezes adquirir uma arma de fogo, mas não obteve êxito e por isso comprou as armas brancas pela internet. Ele as recebeu pelos Correios.
“Elas chegaram na casa dele cerca de cinco dias antes do ataque. A família chegou a ter contato com elas, mas não sabia do que se tratava”. A definição da chacina foi feita no dia em que as armas chegaram.
A família do autor chegou a ver as armas, mas não entenderam o motivo da compra, segundo Ferreira. “Todas as pessoas do seu ciclo não tinham ideia, ele nunca tinha demonstrado isso [a ideia do massacre].”
Ainda conforme o delegado, a ideia era atacar pessoas com quem o autor estudou na escola. Mas como ele não conseguiu obter a arma de fogo, desistiu de enfrentar jovens da mesma faixa etária apenas com as adagas. Por este motivo optou pela creche, com vítimas indefesas.
“O ato dele, por si só, já seria covarde, porque foi contra crianças e mulheres que não tinham como se defender, mas mostra que ele foi ainda mais covarde”, apontou o delegado Ferreira.
“Ele não “se garantia” contra outras pessoas e pensou ‘vou descontar minha raiva com pessoas que não têm nada a ver comigo, inocentes, que nunca fizeram nada para ninguém’, o que mostra que é ainda mais covarde”, opinou.
Em relação à tentativa de suicídio, já era algo planejado previamente, segundo confissão do autor.
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Investigação antecipou atentados em outros estados
Durante a investigação, a Polícia Civil contou com troca de informações com agências do FBI, nos Estados Unidos.
Uma das agências de segurança foi a ICE-HSI (Homeland Security Investigations) na Embaixada dos Estados Unidos, em Brasília.
Também contribuíram agências de inteligência de Santa Catarina, além das forças de segurança estaduais, federais e internacionais.
O delegado regional Ricardo Casagrande acrescentou que, com a troca de informações com outros quatro Estados, foi possível impedir ações semelhantes.
“As ações não tinham ligações com o fato ocorrido em Saudades, mas diante do que foi extraído dos equipamentos, conseguimos identificar que outras pessoas tinham intenções semelhantes ao jovem de Saudades. Eles permanecem sob investigação em seus respectivos Estados.”
Informações relacionadas a esses casos não foram repassadas pela polícia porque ainda estão sob investigação. No total, foram ouvidas mais de 20 testemunhas, mas o principal trabalho foi na análise de dados.
Reforço de segurança nas escolas
O delegado geral, Paulo Koerich, pontuou que o governo de Santa Catarina, por meio do governador Carlos Moisés e do secretário do Estado da Educação, Luiz Fernando Vampiro, assinou providências visando a segurança das crianças e adolescentes que frequentam o educandário da rede estadual.
“Não serão medidas apenas de segurança de caráter de inteligencia remota, mas também a secretaria estará implementando segurança orgânica em todas as 1.064 escolas e estabelecimentos educandários do Estado, visando a segurança dos alunos”, disse Koerich.
Assista à coletiva completa:
Preso em cela isolada
O jovem segue preso desde quarta-feira (12), quando recebeu alta hospitalar. O Deap (Departamento de Administração Prisional) revelou que ele ficará em quarentena por alguns dias, como protocolo de controle à Covid-19, mas não repassou detalhes da cela onde ele está detido.
Ao ND+, o diretor do Complexo Prisional, Alecsandro Zani, contou que após o período de quarentena, o assassino passará por avaliação da equipe técnica composta por psicóloga, psiquiatra e setor de segurança, para definir se ele terá condições de ser alocado com demais apenados, ou será mantido isolado dos demais.
Relembre o caso
O autor invadiu a creche na manhã de terça-feira, dia 4 de maio. Armado com um arma branca. Ele desferiu golpes contra duas agentes educativas e quatro crianças, sendo que apenas um bebê sobreviveu.
Ele chegou na creche em uma bicicleta. Para intimidar as vítimas, o rapaz estourou rojões na escola. Na casa dele a polícia apreendeu aparelhos eletrônicos, como computador e pen drive, e mais R$ 11 mil.
As vítimas foram a professora Keli Adriane Anieceviski, de 30 anos, a agente educativa Mirla Amanda Renner Costa, de 20 anos e os bebês Sarah Luiza Mahle Sehn, de 1 ano e 7 meses, Anna Bela Fernandes de Barros, de 1 ano e 8 meses e Murilo Massing, de 1 ano e 9 meses.