Agência Brasil entrevistou coordenadora que ajudou a elaborar a norma
Diante de ataques recentes a escolas e do temor gerado por ameaças em perfis das redes sociais, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) publicou portaria que busca dar mais controle a conteúdos divulgados por essas plataformas.
Agência Brasil: O debate sobre a responsabilidade das redes sociais na disseminação de conteúdo extremista ganhou força após os atos recentes de violência em escolas. Qual o entendimento jurídico que temos hoje da questão?
Estela Aranha: Havia uma discussão que afirmava que as plataformas não seriam responsáveis pelo conteúdo que terceiros postavam. Isso era uma leitura tradicional do Marco Civil da Internet. Hoje, já há muita evolução acerca dessa discussão e vemos que a interpretação não deve ser literal. Ela deve ser constitucional e sistemática com a nossa legislação. O feed de notícias de cada plataforma funciona de acordo com o que ela entrega. É ela quem decide o que vai ser exibido. Ela impulsiona conteúdos, pode recomendar conteúdos. Há toda uma seleção.
Estela Aranha: Primeiro, a possibilidade de a Senacon, dentro da estrita legalidade e do Código de Defesa do Consumidor, fazer essa apuração sobre a questão de segurança da prestação de serviço.
Em todas as relações obrigacionais das plataformas, há um contrato. Mesmo que seja de adesão, é um contrato. E todos os contratos têm o preceito da boa-fé. Disso deriva um dever de cuidar para que as partes não sofram prejuízo ou dano quando estão usando o serviço, que é objeto do contrato.
Agência Brasil: O Marco Civil da Internet prevê que a retirada de qualquer conteúdo das redes sociais precisa de amparo judicial. A portaria do ministério, de alguma forma, entra em confronto com a legislação que temos atualmente?
Estela Aranha: O marco civil não veda a remoção de conteúdo sem decisão judicial, ele diz que as plataformas serão responsabilizadas caso não cumpram decisões judiciais. Mas não veda nenhum tipo de moderação. Ela pode ser feita. Com essa interpretação sistemática da legislação, da Constituição, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código de Defesa do Consumidor, estamos mostrando que há um desejo de manter esse ambiente de modo seguro e íntegro para que as pessoas possam usar a internet, e que as plataformas têm o dever sim de moderar.
Agência Brasil: As normas previstas na portaria não colocariam nas mãos de plataformas privadas o poder de mediar conteúdos, abrindo caminho para possíveis censuras?
Estela Aranha: Hoje, as plataformas fazem a moderação de conteúdo de acordo com os seus interesses, sejam seus termos de uso, seus interesses privados, comerciais ou seus valores. A mediação está totalmente nas mãos das plataformas. O que a gente quer? A gente coloca esse debate dentro da nossa portaria, essa questão do acompanhamento da Senacom.
Agência Brasil: A portaria determina ainda que usuários que estão postando conteúdos extremistas sejam identificados de forma imediata. Isso pode abrir precedentes no quesito da vigilância geral das plataformas sobre seus usuários?
Estela Aranha: Não. A gente já tem o acompanhamento de conteúdos ilegais pelas autoridades policiais. A gente não abre, a gente vai dentro dos termos da lei que já existe hoje, do Marco Civil da Internet, que permite que a autoridade policial, quando há uma atividade ilegal dentro dos seus poderes que estão previstos em lei, faça a solicitação desses dados para investigação.
Obviamente, pra ter segurança, a gente precisa de segurança pública. Então, a gente não aumentou e não mudou nada do que existe na legislação hoje em relação a acesso a dados. A gente só está organizando para que esse processo seja mais célere e uniforme em todas as delegacias do Brasil inteiro pra que possamos tomar providências mais rápidas.
Estela Aranha: Nossos parâmetros são as legislações existentes: o Código de Defesa do Consumidor, que tem um processo administrativo já muito bem estabelecido e sanções. Nada será feito fora do devido processo legal e da legislação pertinente.
Agência Brasil: Quantos perfis já foram identificados pelo ministério até o momento em que há apologia à violência ou algum tipo de ameaça?
Estela Aranha: São algumas centenas. Como são dados de operações em andamento, a gente não pode divulgar pra não pôr em risco as operações. Mas são muitos perfis. Eles estão sendo retirados e outros, monitorados. Os dados para investigação estão sendo tratados pelas polícias civis dos estados.