Pingos
Guilherme Schultz Filho
Em cada ronda da vida
eu tive um pingo de lei.
Montado, sou como um rei,
pelo garbo e o entono.
Cavalo pra mim é um trono:
e neste trono me criei.
De piazito já encilhava
um peticinho faceiro,
que era cria de um overo
e de uma egüinha bragada:
era da cor da alvorada
o meu petiço luzeiro!
Rosado como as manhãs,
do pêlo da própria infância,
mascando o freio com ânsia,
parece que até sorria…
Chamava-se “Fantasia”
e era a flor daquela estância.
Já mocito, o meu cavalo
era um ruano, ouro nas crinas,
festejado pelas chinas
que o chamavam – “Sedutor”.
Formava um jogo de cor
sob os reflexos da aurora
co’os cabrestilhos da espora
e os flecos do tirador.
Naqueles tempos de quebra,
nos bolichos, ao domingo,
sempre floreando meu pingo
todos me viram pachola
com o laço a bate-cola
e virando balcão de gringo.
O meu cavalo de guerra
chamava-se “Liberdade”!
Chomico! Quanta saudade
me alvorota o coração!
Era um mouro fanfarrão,
crioulo da própria marca
e eu ia como um monarca
na testa de um esquadrão.
Em uma carga das feias
(como aquela do Seival)
o mesmo que um temporal
rolamos por um lançante
e até o próprio comandante
ficou olhando o meu bagual.
Homem feito e responsável,
o meu flete era um tostado,
tranco macio, bem domado,
(êta pingo macanudo!
desses que “servem pra tudo”,
segundo um velho ditado.
Mui amestrado na lida,
um andar de contra-dança;
de freio, era uma balança,
campeiro, solto de patas…
Gaúcho, mas sem bravatas,
e o batizei de “Confiança”
O cavalo que encilho
nesta quadra da existência,
dei-lhe o nome de “Experiência”.
É um picaço de bom trote
e levando por diante o lote
rumbeio à Eterna Querência.
E, assim, vou descambando,
ao tranco e sem escarcéu,
sempre tapeado o chapéu
por orgulho de gaúcho,
e se Deus me permite o luxo
entro a cavalo no céu!