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O MUNDO DOS TEUS OLHOS por Cel Claudio Vogt

            Viver bem em PORTO ALEGRE exige planejar a solução de
problemas.

 Por exemplo: resolver apenas um por dia. 

Ou dois: um de manhã e um
de tarde. 

Se o cidadão tentar resolver três problemas ou mais, irá sofrer
muito. 

Ontem, eu estava entusiasmado. 

Decidi acelerar e colocar a agenda em
dia. 

No meio da tarde, antes do lanche, fui a uma empresa que expede livros,
revistas, cartas … 

Eu estava com muita pressa. 
Queria, ainda, ir em vários
lugares. 
Logo que saí da garagem, minha agenda começou a fracassar. Moradores
de uma Vila trancaram a Avenida. 
Parece que queriam uma lata de tinta… 
Alguns
enxergam uma Cidade democrática. 
Qualquer um pode trancar qualquer rua! Parece
que a Constituição Federal não é ensinada nas Escolas. 
Milhares de pessoas
presas no trânsito, sem poder voltar para casa … com o direito de ir e vir
desrespeitado … Sinceramente, eu não consigo ver democracia nisso. Nem
educação. 
Nem cidadania.
            Deixei o auto num posto de gasolina. 
Fui correndo pelas
ruas, com o envelope do dia. Era ainda cedo para desistir. 
No caminho, há uma
sinaleira.
 Fica muito tempo verde para as máquinas. 
E alguns segundos para os
humanos. 
Quando ela abre para estes, “salve-se quem puder!” Cai pacote, sacola,
pipoca … Algumas mães quase arrancam os braços dos filhos! Eu deixei o boné
cair, no meio da avenida. 
Voltei para pegar. 
Foi um erro! Por pouco não amassei
a lataria de uma viatura. Vários motoristas citaram a senhora minha genitora
… Se eu fosse o Xerife, planejaria uma Capital … para os humanos.
            Ao chegar na agência, fiquei alegre ao perceber que não
havia fila. Isso acontece uma vez por ano! Minha alegria durou pouco. Nenhum
Colaborador me chamava.
            Devia haver um motivo muito forte. 
E havia! Uma caixa
misteriosa, quadrada, de 50 cm de lado, estava sobre o balcão. Todos estavam
trabalhando para expedir a caixa. 
Faz parte da profissão. Conversavam sem parar
sobre a Comadre. 
A gerente indagou ao Cliente: “Como vai a Comadre? Ela
melhorou?” Recebeu como resposta: “Ela piorou. Está no Hospital.” E as filhas
dela, onde estão?” O rapaz respondeu: “Longe, viajando.” Um colaborador quis
saber se a obra já estava pronta. O Cliente opinou: “Não vai dar tempo de
terminar o livro … “
            Eu, meio curioso, já não via mais o tempo passar.
Formou-se longa fila. Uma idosa, que estava atrás de mim, com jeito de
italiana, tipo braba, indagou: “ Por que eles não mandam a caixa?” Eu respondi:
“Desde que cheguei, eles viram a caixa, carimbam, desviram, colocam fita, viram
, escrevem, colocam mais fita, perguntam sobre a Comadre … “ Ela continuou:
“Mas o que será que tem dentro?” Eu respondi: “Mandaram chamar um Padre para
benzer a caixa.” A idosa não se conteve: “PORCA PIPA!” É incrível: conseguiram
quebrar o carimbo! A Gerente mandou buscar outro. Por um lado é engraçado. Por
outro lado é triste. Decidi desabafar com a amiga da fila: “No Quartel, os
militares, quando trabalham, conversam, apenas, assuntos de serviço. Evita
acidentes. Aumenta a produtividade. Não existe carreira militar sem disciplina
… e método de trabalho.” Ela acrescentou: “Olha só quanta gente na fila!
Poderiam estar fazendo tanta coisa!” Os Colaboradores nos ouviram. Não
gostaram.
            Uma Colaboradora de olhos azuis me chamou. Fez-me algumas
perguntas. “Por que o senhor está nesta fila dos Clientes Especiais?” Respondi:
“Eu sou SENIOR!” Ela comentou: “A nossa Agência não trabalha com a categoria
SENIOR! … O senhor se auto declara idoso?” Fiz a minha defesa: “DEUS me
livre! Sou um jovem de espírito!” A moça continuou: “O senhor tem alguma
patologia?” Respondi: “Tenho. Artrose no joelho. Necessito de bengala para andar.”
A moça indagou: “Mas eu não vi a bengala. Onde ela está?” Esclareci: “Minha
sogra colocou a bengala na mala, por engano. Voltará só no Natal!” A
Colaboradora era muito interessada: “Por que não foi na UPA?” Respondi: “Eu
fui. Mas não havia médico dentro. Não era época de eleições!” Continuou a fazer
o meu prontuário: “O senhor fez prótese?” Respondi: “Sim. Piorei. A prótese
estava vencida desde 1999!” Continuou: “Falou com o Prefeito?” Eu respondi: “
Não! Ele estava em PARIS!”
            A moça dos olhos azuis prosseguiu: “O senhor tem algum
amigo no núcleo duro do Governo?” Respondi: “Mas nem quero! Se o general
descobre algum Militar envolvido com política … manda jogar no mar!”
Continuou: “O senhor se auto declara cliente do BUQUE ROSA?” Respondi: “Não!
Isso é proibido! O Regulamento não permite!” Prosseguiu: “O senhor é cliente da
LAVA JATO?” Esclareci: “Não! Da LAVA JATO não! Eu trabalho só com o posto de
gasolina do BALDI!” Naquela altura, eu já tinha quase certeza de que seria preso…
Não é pessimismo. É intuição. Sendo filmado por duas câmeras … E olha que, em
princípio, eu me auto declaro do bem. Eu só quero mandar uma revista! E estou
louco de pressa! Parece que a Colaboradora Misteriosa leu o meu pensamento: “O
que o senhor está remetendo neste envelope?” Procurei esclarecer logo: “Uma
Revista VERDE OLIVA, editada pelo 
EXÉRCITO!” Ela continuou: “Quem é o destinatário?” Respondi: “É um
jogador de futebol, o HUGO DO PANDEIRO. A senhora não precisa se preocupar …
Ele não está envolvido com o NOTE BUQUE ROSA!”
            Eu já estava começando a entender  aquele episódio … de inteligência
emocional. Mas eu queria uma prova! Disse para a jovem, de singular beleza:
“Nós estamos falando, há meia hora, sobre a Comadre. Eu trabalho como Escritor.
Preciso muito saber … quem é ela!” Foi com lágrimas nos olhos, que a jovem me
contou um segredo: “A Comadre é uma brilhante Professora. Ensinou-me a
escrever. Está doente. Houve metástase. O mal se espalhou. Fez um pedido: quer
ver, nos últimos dias, as fotografias dos filhos… Talvez ainda dê tempo! Os
álbuns estão naquela caixa… que o Padre benzeu. O filho dela quer mandar
razões para viver. Os ex-alunos  querem
mandar um milagre!
            Hoje de manhã, chegou uma carta da Professora. Preste
atenção! Ela quer ensinar a viver, até o fim:
‘Procure alguém que coloque
DEUS na sua vida.
Você pode até viver sem Ele,
mas andará de mãos dadas com
um grande vazio.
Procure alguém que coloque a
música no seu caminho.
Você pode até viver sem ela,
Mas vai se arrepender depois
… ‘
            A Colaboradora da Agência continuou: “O senhor está sempre
com pressa. Não percebe que a pressa tem limite. Quando o homem perde a batalha
da vida, a pressa perde o sentido. Quando a Professora veio aqui, o senhor não
falou com ela. Quem sabe se colocar no lugar do outro encontra motivos para
perdoar. O senhor vê uma caixa sobre o balcão. Eu vejo razões para viver. O
senhor vê um livro. Eu vejo um novo amanhã. O senhor vê uma revista. Eu vejo a
esperança. O senhor vê uma carta. Eu vejo uma história de amor. O senhor vê uma
Comadre. Eu vejo a melhor Professora da minha vida. O senhor espera ser
atendido logo. Os alunos da Professora MARIA esperam por um milagre!
            Os nomes e agradecimentos são importantes. Quem foi que
disse que o ingrato não receberá ingratidão? Se precisar chorar, chore de
emoção, como eu chorei nesta tarde de inverno. Mas nunca mais chore as dores da
ingratidão. Ela é uma arma. Usada por infelizes. A Madre Tereza de CALCUTÁ
ensinou que “NO FUNDO, É TUDO ENTRE EU E DEUS!”
            Alegre por ouvir palavras tão belas, exclamei, já no
caminho da porta de vidro: “Você tem razão! Nunca vi tanta nobreza! Amanhã,
voltarei!”
            Ela perguntou: “Para mandar um livro?”
            Respondi: “Não! Para ver o mundo com os teus olhos!”
            CLAUDIO FREDERICO VOGT – Coronel do Exército
                                                cfvogt@yahoo.com.br