Receitas extraordinárias deixarão de ser consideradas no cálculo do governo; veja detalhes
Quase três semanas após ser apresentado, o novo arcabouço fiscal que vai substituir o teto de gastos chegou nesta terça-feira ao Congresso Nacional. A entrega ocorreu em evento fechado no Palácio do Planalto, com participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva; do ministro da Fazenda, Fernando Haddad; e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco.
O projeto de lei complementar vai ter ajustes, que esclarecem pontos não divulgados no fim de março. A principal mudança se refere às arrecadações extraordinárias, que não serão consideradas no cálculo do limite de crescimento real (acima da inflação) de 70% das receitas, limitado a um intervalo entre 0,6% e 2,5% acima da inflação.
A equipe econômica decidiu incluir a medida para evitar que receitas atípicas não corram o risco de se tornarem gastos permanentes. Com isso, serão excluídas do cálculo receitas referentes a privatizações, concessões, permissões, royalties (exploração de recursos naturais) e dividendos das estatais da União.
Exceções
Outra mudança envolve os tipos de gastos que podem ficar de fora da nova regra fiscal. Inicialmente, o governo tinha anunciado a intenção de excluir do arcabouço apenas o piso da enfermagem e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Agora, também ficarão fora do limite de crescimento de gastos os acordos de precatórios (dívidas com sentença definitiva da Justiça) a serem pagos com desconto, os gastos relativos às eleições e os aumentos de capital da União a empresas estatais não financeiras e não dependentes do Tesouro Nacional.
O teto atual de gastos prevê a exclusão das estatais não dependentes do Tesouro e dos gastos eleitorais dos limites de despesas e dos gastos da Justiça Eleitoral. O projeto de lei complementar, no entanto, vai manter dentro da regra fiscal os aportes a bancos oficiais, como a Caixa, o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A mudança busca reduzir o espaço para megacapitalizações em bancos públicos, como ocorreu entre 2009 e 2015 com o BNDES.
Gastos com projetos socioambientais ou relativos às mudanças climáticas custeados com recursos de doações, bem como despesas com projetos custeados com recursos decorrentes de acordos judiciais ou extrajudiciais firmados em função de desastres ambientais também ficarão fora do marco fiscal, de acordo com integrantes do governo.
A mudança permite que o Fundo Amazônia fique fora do novo arcabouço. Despesas das instituições federais de ensino custeadas com receitas próprias, de doações ou de convênios também ficarão fora da norma. Os gastos ambientais e de doações a universidades federais já haviam sido excluídos do teto de gastos desde a Emenda Constitucional da Transição.
Investimentos terão trava
Em relação aos investimentos (obras públicas e compra de equipamentos), o governo incluiu uma trava. De 2025 a 2028, caso o governo economize mais que a banda superior da meta de superávit primário estabelecida pelo arcabouço, até R$ 25 bilhões poderão ser remanejados a investimentos da União. A proposta original apresentada no fim de março previa ou uso de toda a sobra para esse fim.
A mudança objetiva, segundo o Ministério da Fazenda, acelerar a redução da dívida pública em momentos de elevado crescimento da economia. Esse valor de R$ 25 bilhões vai ser corrigido ano a ano pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O piso de R$ 75 bilhões para investimentos, também corrigido anualmente pelo IPCA, segue mantido.
Inflação
Em relação à proposta original, também houve mudança no período do índice de inflação que vai corrigir o crescimento da despesa. Ficou mantido o sistema vigente no atual teto de gastos, que considera o IPCA apurado de janeiro a junho e uma estimativa de julho a dezembro. Isso dá ao governo atual uma pequena vantagem em 2024, caso o IPCA caia até meados de 2023 e volte a subir antes do fim do ano.
Em relação ao crescimento da receita, no entanto, o novo arcabouço vai considerar a inflação entre julho de dois anos antes e junho do ano anterior. Essa é a mesma regra que vigorou até 2021 no teto de gastos, limitando o crescimento do gasto federal à inflação. Com a Emenda Constitucional dos Precatórios, esse novo intervalo entrou em vigor.
O novo arcabouço fiscal vai limitar o crescimento real (acima da inflação) das despesas a 70% do crescimento real das receitas líquidas (descontadas as transferências para estados e municípios) no acumulado em 12 meses.
Parâmetros
Outra mudança no arcabouço se refere à inclusão dos parâmetros da nova regra fiscal em projeto de lei complementar, que necessita de aprovação por maioria absoluta no Congresso. Originalmente, a proposta era enviar as novas regras por projeto de lei complementar e os parâmetros por projeto de lei ordinária, que requer maioria simples no Congresso (metade mais um dos parlamentares presentes).
Para os próximos quatro anos, no entanto, os parâmetros também serão enviados por meio de projeto de lei complementar. A equipe econômica deu a possibilidade de que o próximo governo estabeleça os parâmetros por projeto de lei simples. Segundo o Ministério da Fazenda, a mudança teve como objetivo demonstrar maior rigor com o cumprimento do novo arcabouço e dificultar mudanças pelo Congresso.
Tramitação
Para o ano que vem, o Executivo estima que as mudanças propostas pelo arcabouço possam garantir um adicional, para novas despesas públicas, de R$ 172 bilhões.
A proposta começa a tramitar pela Câmara e, se aprovada, segue para o Senado.
Além disso, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) vai analisar a constitucionalidade e, a Comissão de Finanças e Tributação (CFT), a adequação financeira e orçamentária.
Ao chegar ao plenário, a nova regra precisa da maioria absoluta dos votos favoráveis para aprovação: no mínimo, 257 dos 513 deputados, em dois turnos de votação.
No Senado, o texto também passa pelas comissões e segue para o plenário. Um projeto de lei complementar precisa de 41 votos favoráveis para ser aprovado na Casa — em turno único de votação. Caso os senadores façam alguma mudança no texto, ele volta para análise dos deputados e só depois vai para sanção do presidente Lula.