Morre José ‘Pepe’ Mujica, ex-presidente do Uruguai, aos 89 anos
Rogério machado
Morre José ‘Pepe’ Mujica, ex-presidente do Uruguai, aos 89 anos
Um dos políticos mais influentes da América Latina, Mujica enfrentava quadro terminal de câncer e estava em tratamento paliativo nos últimos dias.
(SOFIA TORRES/AFP via Getty Images)
José Mujica: uma das figuras políticas mais emblemáticas da América Latina
“Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade.” A frase define o legado de José ‘Pepe’ Mujica, agricultor e 40º presiden
“O ciclo da minha vida acabou”, disse ele na gravação. “Me reproduzo na voz das meninas e dos meninos que estão aqui, que continuarão a levantar as bandeiras pelas quais dediquei minha vida”.
Quando Pepe Mujica foi presidente do Uruguai?
Presidente do Uruguai entre 2010 e 2015 — eleito com mais de 1 milhão dos votos em 2009 —, Mujica era um político com trajetória conhecida internacionalmente.
Reconhecido sobretudo por sua trajetória em defesa da democracia e de sua visão social.
Seu governo fez investimentos em segurança, meio ambiente e energia, com foco na igualdade social e acesso universal à saúde e à educação, o que reposicionou a imagem do Uruguai na América Latina e no
Em 2013, foi considerado pelo The Economist como o gestor do país do ano — que na época tinha 3,2 milhões de habitantes. Entre os destaques de sua gestão estão, como diz a reportagem, a austeridade ad
Guerrilha, ditadura e novo rumo no Uruguai
A vida de Pepe Mujica, como era conhecido, foi marcada por uma luta incessante pela liberdade, pela justiça e pelos direitos dos mais necessitados. Nascido em Paso de la Arena, Montevidéu, em uma família de pequenos agricultores, Mujica teve uma infância e adolescência marcada pela luta e pelas adversidades.
Aos 20 anos, iniciou sua militância política e se tornou um dos líderes do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, um grupo guerrilheiro de extrema esquerda inspirado na Revolução Cubana. Durante os anos 1960, envolveu-se em diversas operações militares — incluindo a famosa Tomada de Pando em 1969, que resultou em sua prisão, em 1972, pouco antes da instauração da ditadura civil-militar que tomou conta do Uruguai.
Mujica ficou preso durante 13 longos anos e foi, nesse período, torturado e mantido em condições desumanas. Ficou famoso pela resistência ao regime e por nunca desistir de suas crenças, mesmo sob a
opressão do período. E disse, em inúmeros discursos enquanto político, que a experiência do cárcere moldou não só sua visão de mundo, como também o caráter de um homem que sempre foi fiel à sua palavra.
Solto somente após a restauração democrática no Uruguai, em 1985 — graças à Lei de Anistia —, ele se dedicou à política dentro da Frente Ampla, maior partido de esquerda do país. Foi eleito deputado e, mais tarde, senador, quando ganhou notoriedade pela atuação combativa. A postura simples e despretensiosa foi um dos maiores atrativos para sua então eleição para Presidência, em 2009.
Mujica se recusou a viver no luxo, mesmo quando alcançou o cargo mais alto do país e, durante seu governo, focou em políticas de inclusão social, no combate à pobreza e na criação de leis progressista que mudaram o curso da história uruguaia. Foi responsável por algumas das reformas mais avançadas da América Latina, entre elas a legalização do aborto, o casamento homoafetivo e, talvez sua medida mais polêmica e revolucionária, a legalização da maconha — o Uruguai foi o primeiro país no mundo a legalizar e regulamentar o mercado da droga
As ‘sombras’ da gestão Mujica
A gestão do país, ainda que tenha redefinido o rumo e a visão do Uruguai perante o mundo, também foi marcada por desencontros entre as promessas de campanha e as entregas do governo
Forte defensor da educação universal, Mujica não conseguiu reduzir a taxa de abandono escolar elevada no ensino secundário durante seu mandato e, nos últimos dois anos de sua gestão, o país obteve os piores resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) desde o início dos testes até 2012.
A segurança urbana, uma de suas prioridades no governo, também foi posta em xeque. Durante a gestão à frente do Uruguai, conseguiu reduzir a taxa de homicídios em 3% em relação a 2012, mas os assaltos a mão armada cresceram 8% e seguem como um desafio para os governantes até os dias de hoje.
Mas a postura humilde do ex-presidente diante do poder contrastou tanto com as práticas tradicionais da política mundial que, com o passar dos anos, ele se tornou uma das figuras mais reconhecidas da política latino-americana. Como presidente, optou por doar a maior parte de seu salário a causas sociais e viveu de forma simples em uma chácara nos arredores de Montevidéu, cultivando flores e hortaliças.
Depois de deixar a Presidência, continuou atuando como senador até 2018, sempre com discurso focado na liberdade, na solidariedade e no amor à pátria. Mesmo afastado dos holofotes, a influência dele na política uruguaia nunca diminuiu.
A luta contra o câncer
Nos últimos anos, a saúde de Mujica foi marcada por desafios. Em 2021, foi submetido a uma cirurgia de emergência devido a complicações de saúde e, em abril de 2024, foi diagnosticado com câncer no esôfago.
Em janeiro de 2025, após 32 sessões de radioterapia, ele anunciou que o câncer havia atingido seu fígado e que se preparava para sua despedida. Em sua última entrevista, disse a famosa frase: “o que eu peço é que me deixem em paz. Não me peçam mais entrevistas nem nada. Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso”.