Moeda norte-americana desabou mais de 15% neste ano, guiada por salto da taxa Selic e entradas de investidores no Brasil
O drama de se deparar com preços mais elevados a cada ida ao supermercado ou posto de combustíveis pode estar com os dias contados. O alívio no bolso, segundo economistas, deve ser motivado pela manutenção do dólar em um nível abaixo de R$ 5.
Desde a virada do ano, a moeda norte-americana já desabou 15% até o pregão de quinta-feira, de R$ 5,57 para R$ 4,71. A queda da divisa ante o real é motivada pela entrada de investidores estrangeiros no Brasil em meio à guerra na Ucrânia e o salto da taxa básica de juros.
“O dólar mais baixo ajuda a reduzir o custo para importações, o que pode deixar mais barato os importados ou aqueles que usam matérias-primas que vêm de fora”, avalia Rafael Marques, CEO da assessoria de investimentos Philos Invest.
De acordo com João Beck, economista e sócio da BRA, cada queda de 10% reduz um ponto percentual da inflação. “O impacto ocorre, principalmente, no setor de alimentos”, destaca ele ao mencionar o papel essencial da divisa no preço de commodities (matérias-primas com cotação internacional) e derivados, com carnes, laticínios e pães.
Jansen da Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimentos, explica que a queda no preço dos produtos importados é determinante para aliviar a alta dos preços. “Empresas que normalmente têm custo com matéria-prima em dólar e aquelas que precisam de componentes importados são diretamente afetadas [pelas variações cambiais], e seus produtos tendem a ficar mais baratos”, afirma.
Apesar do cenário mais favorável para o real, as quedas recentes do dólar ainda não foram refletidas no bolso das famílias. Somente em fevereiro, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) disparou 1%, a maior alta para o mês em sete anos, e manteve a inflação oficial acima dos 10% no acumulado dos últimos 12 meses.
“Em fevereiro, o grupo de Alimentação sofreu impactos dos excessos de chuvas e também de estiagens que prejudicaram a produção em diversas regiões de cultivo no Brasil”, ressaltou Pedro Kislanov, gerente responsável pela pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na divulgação dos dados.
Futuro incerto
Ainda que a sequência de quedas do dólar em comparação ao real seja uma realidade, há fatores adversos que podem colocar a cotação na moeda norte-americana novamente acima dos R$ 5, movimento que limitaria a alta da inflação em ritmo menor.
Ao reforçar que as recentes variações da divisa foram estimuladas pelo aumento da taxa Selic ao patamar de 11,75% ao ano, Costa ressalta que decisões do Banco Central dos Estados Unidos pela elevação dos juros pode atrair de volta os investidores que passaram a apostar no Brasil.
Outra questão que pode acarretar em uma reversão da valorização do real envolve o conflito entre Rússia e Ucrânia, que ajudou a balança comercial brasileira a atrair dólares diante da valorização das matérias-primas após sanções impostas contra insumos russos.
“Dependendo do formato que a que essa guerra continuar, as sanções podem persistir e manter o preço das commodities e a inflação mundial em alta. Como consequência, isso pode ocasionar em uma atuação mais forte do Banco Central dos EUA para conter os preços com a elevação dos juros”, reforça Marques, da Philos Invest.
Mesmo diante da queda recente, as últimas expectativas do mercado financeiro consultados pelo BC (Banco Central) indicam que o dólar fechará 2020 negociado a R$ 5,25. Para Beck, no entanto, os dados apresentados semanalmente não devem ser usados para obter uma visão futura da moeda norte-americana.
“O valor presente do câmbio já incorpora os fluxos futuros esperados. Já no Boletim Focus, é considerado uma estimativa baseada no valor presente da moeda acrescida da taxa de juros esperada no período de análise”, explica o economista.