Reforma tributária e descolamento do modelo que regula a política de controle da pandemia no RS são parte do projeto de alçar governador a nova liderança tucana
Mesmo durante a pausa forçada por ter contraído o coronavírus, o governador Eduardo Leite (PSDB) faz avançar a estratégia de afastar o Executivo estadual do Modelo de Distanciamento Controlado e, ao mesmo tempo, concentrar esforços no pacote da reforma tributária estadual, sua nova investida com chance de projeção nacional. A avaliação é feita de forma reservada por integrantes e aliados do Executivo gaúcho. E de modo explícito por cientistas políticos dentro e fora do RS, que apontam a estratégia do tucano para ser opção na eleição presidencial de 2022, mesmo que não necessariamente na cabeça de chapa.
A reforma será pelo menos a terceira tentativa desde o início da pandemia de apresentar “soluções” para grandes problemas nacionais, todas anunciadas como únicas, inéditas e inovadoras. As duas primeiras, a pesquisa Epicovid-19 e o Distanciamento Controlado, ganharam visibilidade inicial, mas depois perderam o fôlego. Entre aliados, o entendimento é de que o governador vai “apostar todas as fichas” na questão tributária, vista, dentro da base, ao mesmo tempo, como uma forma de ‘colar’ no que acontece em Brasília; garantir recursos para os cofres do Estado e se desvencilhar da pauta do coronavírus e dos questionamentos sobre o enfrentamento à pandemia.
Para analistas, a estratégia do governador inclui vender a imagem de moderado, um perfil que, projetam, será muito buscado em 2022. E, ao mesmo tempo, se colocar dentro do PSDB como uma opção ao governador de São Paulo, João Dória. “Há um esforço evidente de Leite de tentar assumir pautas nacionais, mas ele precisaria de muito apoio dentro do PSDB para se consolidar ainda em 2022. Aqui em São Paulo, entre estas pautas, a que teve mais visibilidade foi a da pesquisa”, elenca o professor Glauco Peres, do Departamento de Ciência Política da USP.
Segundo Peres, em função de todo o cenário de reestruturação dos tucanos, que vai da derrota nacional em 2018 às operações recentes contra velhos caciques, está evidente que Dória e Leite vão disputar liderança dentro do PSDB. “Mas o Dória está à frente e, se conseguir disponibilizar antes do governo federal uma vacina contra o coronavírus, avançará muitas casas. Já o reforço dentro do PSDB ao nome do governador gaúcho parece mais no sentido de impedir que o Dória, sozinho, arraste todo o partido”, conclui. A empreitada, avalia o professor titular do Departamento de Ciência Política e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG, Carlos Ranulfo de Melo, é árdua. “As chances do PSDB na corrida presidencial estão muito vinculadas ao Dória, só que ele leva o partido ainda mais para a direita. O Eduardo, aí, é mais centro-direita, reposiciona a legenda, mas, hoje, ainda é um ilustre desconhecido nacionalmente”, completa.
“Quero ajudar este país a se reencontrar com o centro”
A tentativa de se mostrar como uma jovem liderança moderada capaz de dialogar à direita e à esquerda e que tem o que “entregar” é cada vez mais clara na estratégia do governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB). Na entrevista que deu ao programa Roda Viva em São Paulo no último dia 20, ante a série de questionamentos sobre se pretende disputar a indicação do partido para a eleição presidencial de 2022, o tucano deu discurso: “Quando chegar lá em 2022, eu quero ajudar este país a se reencontrar com uma posição de centro que nada tem a ver com muro, que nada tem a ver com falta de convicção. Eu não tenho nenhuma falta de convicção a respeito do papel do Estado (…) o importante é fazer isto do jeito certo. E o jeito certo é construindo convergência.”
A jornalista Vera Magalhães, apresentadora do programa, interrompeu: “Parece que é candidato já.” E Leite replicou: “Eu quero ajudar, sou governador do quarto estado do país em termos econômicos, eu entendo que terei uma participação, não necessariamente como candidato. Quero ajudar a construir uma alternativa de centro, de coesão, mas com agenda”, declarou, ressalvando diferença entre centro e ‘centrão’.
Apesar das críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Leite segue elogiando o ministro da Economia, Paulo Guedes; tem realizado conversas que abrangem do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ), ao governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB); e sempre que possível destaca sua amizade com outro provável presidenciável, o apresentador Luciano Huck.
“O governador está postulando. Se não dá muito certo ou se perde peso, coloca outra pauta, sempre buscando questões que tem espaço na mídia nacional. A pesquisa deu visibilidade lá atrás, o discurso de seguir a ciência. Depois o sistema de bandeiras. Mas quando deixou de ser um diferencial e não teve provavelmente o resultado esperado, foi mudando”, exemplifica o professor de Políticas Públicas e Ciência Política da Ufrgs, Sergio Simoni Júnior.
“Postular é uma coisa, se alçar a condição de candidato é outra bem diferente. O grande desafio do governador por enquanto é sobreviver para ver o que pode fazer em 2021. Na prática, a reforma tributária pode ser esta ‘salvação’. Além disso, como não teve o sucesso que esperava na gestão da pandemia, troca a pauta para mostrar que já está pensando no pós-Covid” adverte o professor do Departamento de Ciência Política da Ufrgs, Rodrigo González.
As propostas: Epicovid-19
A parceria para pesquisa sobre a prevalência do coronavírus na população, coordenada pela Ufpel, ganhou visibilidade nacional no final de março e foi oficializada em abril. Quando anunciou os primeiros resultados no RS, o Executivo fez uma cerimônia presencial, de quase três horas. Leite apresentou o estudo como “inovador e inédito no Brasil e no mundo.” Informou que a pesquisa estimaria o percentual de infectados, a velocidade de expansão, o percentual de assintomáticos e cálculos precisos de letalidade. E que embasaria políticas de combate a pandemia. A Epicovid-19 ganhou uma versão nacional, com três fases, mas não houve interesse do Ministério da Saúde em novas etapas. No RS o estudo terá oito fases. Está na sexta delas, mas, desde a quarta, já não ostenta tanta visibilidade entre as ações do governo. Divulgada no fim de maio, a quarta etapa gerou alguns questionamentos, ao mostrar número menor de testes positivos do que a etapa anterior. A coordenação do estudo defendeu a diferença como estatisticamente baixa, e indicativa de estabilidade no contágio.
Distanciamento Controlado
Após adotar medidas restritivas amplas em 19 de março, e flexibilizá-las na metade de abril, o governo criou o Modelo de Distanciamento Controlado, no qual dividiu o Estado em áreas e usou indicadores para atribuir a elas bandeiras de quatro diferentes cores (amarela, laranja, vermelha e preta), cada uma com um grau de restrições. Leite anunciou o modelo, em 9 de maio, com a metáfora médica de efeito do “dedo no pulso” e o descreveu como “Inovador e inédito no Brasil, que lideramos com muita ciência e análise de dados, permite que o Estado aja no local, no momento e na proporção em que houver demanda.” Mas o RS viria a enfrentar aceleração do contágio depois da implantação do modelo, alvo constante de questionamentos de prefeitos e empresários, e que passou por sucessivas flexibilizações, aumentando as dúvidas da população. Agora, ao invés de apresentá-lo nacionalmente como um case de sucesso de sua gestão, o tucano tenta transferir ainda mais poder aos municípios em sua aplicação, conforme reivindicam entidades empresariais e parte dos aliados políticos.
Reforma Tributária
Em meio ao momento de maior aceleração do coronavírus no RS, o governo passou, no início de julho, a ventilar as propostas que vão integrar o pacote de reforma tributária, que só deverá chegar a Assembleia Legislativa um mês depois, em agosto. Para promover o assunto, o governador passou três dias realizando rodadas de videoconferências com empresários, parlamentares, líderes partidários e jornalistas, destacando que as propostas iriam priorizar a justiça e a simplificação fiscal. Mais uma vez, o tucano buscou dar projeção nacional à iniciativa. “Queremos transformar o sistema tributário no mais moderno do país”, declarou, em apresentação para a imprensa. Apesar de os projetos ainda não terem chegado ao Legislativo, integrantes da base e da oposição receiam que, apesar da embalagem moderna, o pacote possa trazer embutidos aumento de impostos e dificuldade de acesso às iniciativas descritas como de benefício aos mais pobres.