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Juristas explicam como PEC da Blindagem afronta Constituição

Juristas explicam como PEC da Blindagem afronta Constituição
Se não ‘morrer’ no Senado, proposta deve ir parar no STF e deteriorar ainda mais ambiente político

Foto: Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados / CP

PEC da Blindagem foi aprovada pelos deputados em dois turnos; texto agora segue para o Senado

Caso não seja barrada no Senado, a PEC da Blindagem tem tudo para se transformar em mais um problema a ser resolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em função da lista de afrontas à Constituição que carrega, e com potencial para deteriorar ainda mais o ambiente político.

A avaliação feita por diferentes juristas é de que o texto final aprovado na Câmara dos Deputados na quarta-feira, 17, viola pelo menos três cláusulas pétreas da Carta Magna, além de apresentar uma distorção em relação ao princípio da transparência que precisa reger todas as esferas do poder público.

Conforme o professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUCRS, Cláudio Ari Mello, a expectativa é de que o texto não passe no Senado, para onde foi encaminhado ainda na quarta. Mas, se passar, tanto o procurador-geral da República quanto um partido político podem ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) junto ao STF. Que, neste caso, terá pelo menos três argumentos para declarar a inconstitucionalidade do texto.

O primeiro argumento, lista o professor, é o da violação ao princípio da separação entre poderes, previsto no Artigo 60 da Carta. “A função de julgar é atribuída pela Constituição ao poder Judiciário. Assim como a função de ajuizar ações penais é atribuída com exclusividade ao Ministério Público. Não faz muito sentido que, para julgar processos judiciais, o Judiciário, que é um poder independente, fique na dependência de uma autorização de outro poder. No caso, o Legislativo.”

O segundo argumento é o da violação ao direito fundamental à igualdade entre todos os brasileiros, prevista no Artigo 5º da Constituição. “Nenhum brasileiro tem o poder de impedir um processo contra si mesmo se cometer um crime. Mas os deputados, na PEC, estão se autoconcedendo este poder. Na prática, teriam um regime jurídico diferente dos demais brasileiros.”

Tanto o princípio da separação entre os poderes como o direito à igualdade são cláusulas pétreas expressas da Constituição. Mello assinala, contudo, que a PEC também joga por terra uma cláusula pétrea implícita: a do princípio do Estado de Direito, que está no Artigo 1º da Carta de 1988.

“O Estado de Direito é aquele no qual o direito limita o exercício do poder político. A PEC, porém, permite que deputados e senadores, ao não concederem autorização para que o Supremo julgue casos criminais, possam deixar de se submeter ao direito”, explica.

 

O professor de Direito Constitucional Marcelo Duque, dos programas de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Ufrgs, lembra que, antes do STF, no Senado existem diferentes possibilidades a partir de agora. A Câmara Alta pode aprovar o texto com idêntica redação, o que, avalia, não acontece em geral e não deve acontecer também nesta proposição. Pode alterar a versão original, inserindo ou suprimindo trechos, situação em que o texto volta para a Câmara, e é esta quem dá a palavra final, por ter sido nela que a PEC teve origem. Ou pode rejeitar integralmente a proposta. Apesar das notícias neste sentido, Duque considera a opção pouco provável, em função de a PEC ser patrocinada pelo Centrão, bloco com grande representatividade também no Senado.

Existe, contudo, uma quarta possibilidade: a de a proposta ser ‘engavetada’. A prática é comum quando deputados ou senadores não querem votar um texto. Nela, as proposições seguem uma tramitação lenta, e acabam esquecidas. Até que algum bloco aglutine interesses suficientes para ressuscitar o assunto. É o caso da própria PEC da Blindagem, cujo texto original foi apresentado em 2021.

Na quarta-feira, assim que a proposta foi remetida da Câmara para o Senado, o presidente da Câmara Alta, Davi Alcolumbre, encaminhou a proposição para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. O movimento deu indicativo de que o Senado pretende seguir o rito normal de tramitação, cumprindo todas as etapas de debate, ao contrário do que fez a Câmara. Alcolumbre tinha a opção, por exemplo, de que a apreciação ocorresse diretamente pelo plenário, sem passar pela CCJ.

O presidente da CCJ, senador Otto Alencar (PSD/BA), por sua vez, é publicamente contra a PEC, e externou sua posição tanto nas redes como em entrevistas no decorrer da quarta, dizendo que vai trabalhar contra o avanço do texto.

Duque estima que, se a Blindagem passar no Senado, os questionamentos sobre sua constitucionalidade no STF serão acompanhados de debates difíceis. Principalmente porque os defensores da PEC vão insistir no argumento de que parte de seu conteúdo retoma a redação original do Artigo 53 da Constituição, que acabou alterada em 2001, pela Emenda Constitucional 35.

“Sobre este ponto, também é fato, contudo, que a blindagem aprovada agora na Câmara é ainda maior do que a prevista originalmente, e que evidencia a vontade de autoproteção dos parlamentares, sobretudo nos processos do Supremo que tratam das emendas parlamentares. A grande questão que fica é: por que deputados e senadores precisariam hoje de prerrogativas ainda maiores do que as que haviam sido estabelecidas em 1988, e que o próprio Congresso, após legítima pressão popular, revisou em 2001?”