Rogério Machado Blog – Noticias, informações, politica e saúde

Jornalismo carniceiro de cada dia


Cidade Alerta. Aqui Agora. Linha Direta. Brasil Urgente. Balanço Geral. E vários outros em uma lista gigante. O telejornalismo brasileiro é sedento por sangue. A audiência brasileira é sedenta por sangue. Se bem que pensando bem, não é uma característica local, não. É mundial.
Será a psicologia capaz de explicar os motivos que uma população possui para gostar tanto de tragédias? Talvez pelo fato de causar choque, indignação e medo. Quem disse que só gostamos de olhar para o lado bom da vida?
O jornalismo sabe disso. Não é a toa que as páginas e os programas policiais sempre atingem níveis altos de audiência. Você está sabendo do último assalto que aconteceu na região, mas não está sabendo quem venceu o Nobel da Paz. Essa afirmação pode não servir pra você, mas admita que é mais comum do que parece.
Há uns dias, assisti ao filme ‘O Abutre’, e passei a recomendar para todo mundo. É a história de Louis Bloom (Jake Gyllenhall), um cinegrafista especializado em tudo que acontece de mais trágico nas ruas de Los Angeles. Com uma câmera na mão, passa a vender a um telejornal vídeos de acidentes de carro, assassinatos e tudo mais que tenha bastante sangue e que renda imagens fortes.
Tirei quatro conclusões após assistir ao filme que se aplicam à realidade. Tem um pouquinho de spoilers, mas nada grave. O final eu não conto, fiquem tranquilos.

O crime não beneficia só o criminoso

Louis é um cara com uma vida de merda. Desempregado, vive de pequenos furtos, usando o crime para se sustentar. Uma certa noite, ele tem uma ideia ao ver uma equipe de cinegrafistas filmando um acidente de carro com uma vítima em estado grave. Decide fazer o mesmo e usar o crime como meio e não mais como fim.
É a partir desse momento que o filme nos mostra como a imprensa tira vantagem de certos crimes. Como isso? Crimes cometidos por pobres em bairros ricos ganham as manchetes. Os mesmo delitos cometidos em bairros pobres, sequer são noticiados. Essa situação Louis aprende e com o passar do tempo já sabe quais crimes ele pode simplesmente ignorar, pois mesmo indo ao local não teria para quem vender as imagens.
Se não trouxesse benefícios, todos os crimes seriam noticiados com a mesma intensidade, aquele tal mito da imparcialidade, saca? Mas, veja bem, a intenção nunca é informar, mas chocar e indignar a audiência. Trazendo um pouco para a realidade, a gente se importa com notícias trágicas porque temos medo de morrer, eu acho, até porque fica bem fácil pensarmos “poderia ter sido eu ali”. E se as tragédias acontecem em locais que teoricamente são mais seguros, ficamos putos. Afinal, se aconteceu ali onde tem segurança e tudo mais, imagina na quebrada? É, imagina tudo o que acontece nas quebradas bem loucas desse Brasil e que a imprensa não mostra, afinal de contas, a quem interessa um favelado morto, né?

Usando tragédias como ímã para a audiência

Logo quando Louis conhece a jornalista Nina Romina (Rene Russo), ele diz: “eu aprendo muito rápido”. De fato, Louis se torna um workaholic, fissurado por tragédias. Transforma seu trabalho de freelancer em uma empresa, contrata um auxiliar, aprende todos os códigos ditos pelo rádio da polícia e vai a todos os locais em alta velocidade, mas só os que rendem imagens.
Louis aprende também que mais da metade do tempo de duração do telejornal que ele vende as imagens é baseado em reportagens policiais, e que seus vídeos começam a ser não mais um extra das notícias, mas o produto principal.
E é por isso que Nina, quando está prestes a perder o emprego de editora devido à baixa audiência no canal, fica refém das imagens de Louis, a única pessoa capaz de salvar sua pele. Para isso, no entanto, é preciso que alguém morra, ou que haja um acidente de carro com vítimas fatais, ou qualquer outra imagem que choque.

A verdadeira realidade não é captada pelas câmeras

Mesmo com equipamentos novos e uma notável evolução técnica, Louis vê a concorrência muitas vezes passar à sua frente. Há equipes de profissionais que estão há anos fazendo esse trabalho e ele é só um novato no ramo, precisando se destacar.
É indigesto pensar que o teu trabalho depende da morte de alguém, ou ao menos de uma cena de quase morte.
Louis leva muito a sério o seu trabalho, mas está pouco se importando com o resto da humanidade. É nesse momento, em que precisa de destaque, que passa a manipular as cenas de crime para que as imagens sejam ainda mais fortes.
O cinegrafista não filma a realidade. Filma o que lhe convém.

O tesão pelo sangue e pela tragédia

“Isso é incrível”, diz a editora de um telejornal em uma determinada cena filmada por Louis com, obviamente, muito sangue.
O brilho no olhar da jornalista beira a um paradoxo. Como alguém pode se apaixonar por uma cena de crime?
O prestígio profissional, nesse ramo, está enraizado na desgraça humana. E aí que mora o tesão. Não se trata de noticiar tragédias com a intenção de ajuda, mas de autopromoção, já que a programação policial segue o mesmo fluxo até quando os índices de criminalidade estão baixando.
A televisão, de acordo com “O Abutre” não mostra exatamente a realidade, mas o que a audiência deseja assistir.
E por qual motivo o ser humano gosta tanto disso? Bem, aí voltamos para a pergunta inicial do texto e eu só me atrevo a fazer os questionamentos e não a responder esse mistério.