Advogado que defende Alexandra Dougokenski, acusada de matar o filho Rafael Winques, destaca pontos da defesa e também comenta progressão do regime de Edelvânia Wirganovicz
FOLHA – Como se chegou ao deferimento da progressão de pena de Edelvânia Wirganovicz?
Jean Severo – Nossa defesa vem peticionando junto ao processo desde fevereiro, pedindo a progressão de regime, uma vez que ela tem muitos dias trabalhados, sempre foi uma presa com excelente comportamento. Ela foi condenada a 22 anos, mas já cumpriu dois quintos da pena, e conseguimos, no dia 6, a decisão para progressão ao semiaberto. Também pedimos a colocação de tornozeleira eletrônica, e que o processo de execução penal fosse remetido a uma comarca da região, para que ela pudesse ficar próxima da família, o que é muito importante para a pessoa voltar para o meio social.
FOLHA – Em isso acontecendo, ela está preparada para viver na região, ao que ela poderá enfrentar?
Jean Severo – Esperamos que sim. As pessoas têm que entender que ela está cumprindo a pena. A legislação penal não prevê outro tipo de pena, como prisão perpétua, por exemplo. Então, eu peço que as pessoas olhem por esse lado, nossa legislação prevê que todo mundo merece uma segunda oportunidade. A Edelvânia sempre teve uma vida muito correta até se envolver nessa situação. Claro que no início vai ser difícil, é um passo de cada vez. A lei prevê a ressocialização e ela precisa ser cumprida. Vai ser difícil ela arrumar um trabalho fora da região onde ela tem a mãe e a família. Ela continua cumprindo a pena, só que em um regime diferente.
FOLHA – E sobre o caso Rafael Winques, como ficou a questão do áudio que teria sido enviado para o pai do menino um dia após a data apontada como da morte?
Jean Severo – É um processo bastante complexo, com muitas provas digitais. E nem sempre é fácil a extração dessas provas. Ninguém conseguia abrir, nem o Ministério Público, nem o Judiciário. Então, contratamos um especialista que abriu e fiquei horrorizado porque era a voz do Rafael, falando às 20h33 do dia 15 de maio de 2020, quando a denúncia aponta que ele morreu entre às 23h30 do dia 14 de maio e às 2h do dia 15. É problemático fazer um júri nessas circunstâncias, o Rafael estava vivo naquela data e isso não foi investigado. O MP, o Judiciário, a polícia não viu, só a defesa viu? Fizemos uma reunião junto com o Judiciário e o Ministério Público, e uma única pessoa disse que a voz não era do Rafael. Ali, tive certeza que tinha coisa estranha. Abandonei o plenário e abandonaria de novo. O Senado aprovou que essa multa é inconstitucional, graças a Deus, esse absurdo vai cair.
FOLHA – Foi solicitada a revogação da prisão preventiva da Alexandra, mãe do menino Rafael?
Jean Severo – Basicamente é isso. Agora temos um habeas corpus que vai ser julgado no dia 17 de maio. Também pedimos a perícia do áudio. Não sei porque o MP corre da perícia, afinal, eles deveriam ser os maiores interessados, afinal de contas, são promotores de justiça, promovem justiça. Vamos aguardar o que a magistrada vai decidir e também o que o próprio tribunal vai decidir sobre a realização dessa perícia junto ao IGP. Acredito que não vai demorar muito porque é um caso de repercussão.
O júri tem que sair, então, vamos contar mais uns 30 dias para fazer a perícia, depois disso, tecnicamente, a juíza marca o plenário. Mas vamos supor que a perícia do IGP aponte as mesmas coisas que o meu perito apontou. Tem que investigar tudo de novo. Daqui a pouco esse crime pode ter sido sequestro seguido de morte, aí não é competência do Tribunal do Júri. Quem julga é a juíza togada. Então, tudo isso vai ter implicações gigantescas no processo. Do meu ponto de vista é necessário haver uma nova investigação, e isso envolve a Polícia Civil, por exemplo. A confissão não é a rainha das provas. Quando ela confessou, os delegados ficaram desesperados para mandar esse inquérito para o Judiciário, para parar de sofrer pressão da mídia, porque é assim que funciona. Mas uma coisa é certa, o guri estava vivo no dia 15 às 23h33. Esse é um processo que, infelizmente, foi mal investigado.
FOLHA – O que mais a defesa aponta como possíveis falhas na investigação?
Jean Severo – Têm assuntos não investigados. Por exemplo, não investigaram o Rodrigo Winques, pai do Rafael. Há coisas no celular do Rodrigo que eu não posso revelar, mas que são terríveis. Muitas vezes, a pessoa confessa um crime porque está sendo ameaçada ou para proteger alguém, e isso não foi levado em consideração pela polícia. A Alexandra não teria motivação para matar o guri, sempre foi uma boa mãe, ela vai levantar um dia pegar uma corda e matar o guri? É difícil até de matar um bichinho, um gato, um cachorro, com uma corda dessa, imagina um guri daquele tamanho.
A Alexandra é uma pessoa frágil. Ninguém explicou porque o corpo estava naquele estado. Se tinha três dias, um corpo em decomposição tem um fedor horrível, o corpo está destruído, mas o guri estava praticamente inteiro. Ninguém explicou porque o guri não tinha marcas ao ser arrastado, de barro, de grama. Ninguém explicou como é que uma pessoa daquele tamanho de Alexandra ia conseguir colocar o menino naquela caixa, com aquela perfeição.
FOLHA – Como analisa a repercussão popular e a revolta das pessoas até com quem defende os acusados?
Jean Severo – Precisa ser salientada a importância da advocacia. Eu levei paulada de tudo que é lado. Disseram que ao abandonar o plenário, que eu não respeito o Judiciário. Mas só um pouquinho, quanto é que vale a vida humana? Vale R$ 164 mil, valor que foi gasto com o júri?
Nem sei se foi gasto isso ou é quanto é a liberdade dessa guria vale, porque não foi ela, eu tenho certeza que não foi ela. Não é nada fácil. Tem que ter todo um preparo. Tenho quase 20 anos de Tribunal do Júri e me sinto preparado. Aquela medida em Planalto foi muito difícil, queria muito fazer aquele júri. A juíza de Planalto deixou tudo muito bonito, um plenário amplo, sala individual para a defesa.
Era um ambiente perfeito para fazer o júri, só que tive que colocar na balança. Era não desagradar ninguém ou investigar um pouco melhor essa situação e marcar um novo júri, com uma prova segura.