Em meio à crise pelo novo coronavírus, setor lida entra a corda bamba da sobrevivência de empresas e a busca por saídas para tornar as organizações mais viáveis
Um dos setores produtivos da economia brasileira que pode representar a largada da recuperação no pós-Covid19, a indústria lida entre a corda bamba da sobrevivência de empresas e a busca por soluções que tornem a liquidez das organizações mais viáveis. No Rio Grande do Sul, por exemplo, há diferentes institutos e iniciativas empresariais que debatem soluções para os obstáculos rotineiros. A Federação das Indústrias do Estado Rio Grande do Sul (Fiergs) reúne dois deles.
Os dois Institutos Senai de Inovação (em Engenharia de Polímeros e o de Soluções Integradas em Metalmecânica) e os seis de Tecnologia (Calçado e Logística Industrial, Couro e Meio Ambiente, Mecatrônica, Madeira e Mobiliário, Petróleo, Gás e Energia e o de Alimentos e Bebidas) integram uma rede nacional (são 27 de inovação e 60 de tecnologia) que atua em prol das empresas por meio da pesquisa aplicada em desenvolvimento de produtos e de processos, antecipando tendências em todo o Brasil. “A indústria está sempre investindo em inovação, só não fica continuadamente falando sobre isso. Mesmo porque o mercado cuida de destacar aquela que sempre está inovando”, comenta Gilberto Porcello Petry, presidente da Fiergs e proprietário de uma indústria de bens de capital onde a inovação faz parte da rotina dos produtos comercializados.
Atualmente, existem dois projetos do Instituto Senai aprovados pelo Edital Emergencial Covid-19. Um deles, com foco na triagem em hospitais, será desenvolvido em conjunto com a empresa Novus, de Canoas. O principal objetivo será reduzir a contaminação de profissionais de saúde durante a triagem de pacientes, por meio de extração e análise de vários dados vitais. Isto permite a classificação de pacientes para atendimento específico à Covid-19. Os dados obtidos podem auxiliar no processo de gestão de hospitais, por meio da identificação do perfil de pacientes e da classificação de risco, utilizando algoritmos de inteligência artificial. Outro projeto é um sistema para a identificação e rastreamento sem contato de pessoas hipertérmicas, em ambientes com aglomeração (shoppings centers, estações de metrô, setores e refeitórios de empresas etc.). O projeto será desenvolvido em conjunto com a empresa Ponfac, de Porto Alegre. O sistema identificará pessoas febris por meio de visão computacional, integrando sensores infravermelhos e câmeras, e identifica de forma remota se funcionários de determinado setor do trabalho estão vestindo máscaras de proteção corretamente.
No setor metal-mecânico o cenário não é nada diferente. Daniel Randon, CEO da Randon S.A. ressalta que a pandemia trouxe uma aceleração de mudanças onde negócios e oportunidades do mercado são ainda maiores. Um exemplo é o Movimento Hélice, iniciado em 2018 juntamente com Marcopolo, Florense e Soprano, que reúne startups com projetos voltados para recrutamento, logística e e-commerce. “Vamos sempre olhar um dia depois do outro para iniciativas que possam melhor a performance da companhia sem descuidar da preservação da vida de nossos colaboradores. É um momento de investir na inovação, segurança e meio ambiente, com produtos mais leves, com mais economia, utilizando energia híbrida”, comenta Randon. O dirigente reforça uma tendência também destacada pelo presidente da Fiergs, Gilberto Porcello Petry. Ambos lembram que uma lição da pandemia é a necessidade de projetos que desenvolvam fornecedores locais, amenizando a dependência de importações que podem, como ocorreu, estarem suspensas em função de restrições de operação pelo risco de contaminação.
“Nosso projeto começa lá no ensino médio. Estamos investindo na formação de jovens que possam representar a qualificação de geração futuras. Um risco que corremos é ter vagas de trabalho sem profissionais para ocupar este espaço por falta de formação”, comenta Petry ao destacar escolas do SESI nas cidades de Pelotas, Sapucaia do Sul, Gravataí, Montenegro e São Leopoldo. Uma nova unidade em Caxias do Sul teve seu cronograma de obras retardado pela pandemia. Já a Randon direciona sua aposta no desenvolvimento de startups com projetos para atender demandas de seus clientes. Hoje a empresa já conta com 40 startups conectadas ao seu sistema operacional e, no começo desse ano, lançou a Randon Ventures, hub de investimento no ecossistema e que já tem uma startup recebendo recursos. “Estamos investindo e entrando como sócios de propostas que atendem nossos consumidores. Nosso propósito é conectar pessoas e riquezas, gerando prosperidade”, comenta Daniel Randon.
No mercado calçadista, cenário é de expansão
No mercado calçadista o cenário é de expansão, apesar do fechamento de lojas por todo o país. Líder no setor, com 70% de participação na produção de calçados femininos de conforto e até 480 modelos lançados anualmente, a Usaflex se prepara para acelerar suas vendas digitais. “Nosso e-commerce cresceu 250% desde o começo das restrições impostas pela pandemia. Vamos também acelerar a expansão do sistema de franquias pois, mesmo nesse cenário, abrimos oito lojas e estamos negociando outras 10”, comenta Sérgio Bocayuva, CEO da companhia, que reúne 20 lojas licenciadas em países como Israel, Bolívia, Equador, Costa Rica e El Salvador, e outras 226 no Brasil, quantidade que deve chegar a 400 até 2023. Bocayuva lembra que a indústria registrou um faturamento de R$ 390 milhões em 2019 e projetava uma alta de 15,4% este ano, número revisado para uma retração de 40% em 2020, ou seja R$ 234 milhões de faturamento. “Esse período de pandemia trouxe muitos ensinamentos e consequências. Uma delas é que o ciclo da moda será mais longo, com o fashion perdendo seu espaço e as estações serão marcadas pela redução de lançamentos. Nos próximos seis meses, o preço do calçado deve cair muito para o consumidor”, comenta o CEO da Usaflex.
O investimento no e-commerce está presente em vários setores econômicos e se transformou em receita para que apostou nele. Um levantamento feito pela empresa de inteligência de mercado Neotrust/Compre&Confie mostrou que as vendas online no segundo trimestre de 2020 tiveram um faturamento de R$ 33 bilhões, 104% a mais comparado com igual período de 2019, quando somou R$ 16 bilhões. O setor vinícola, por exemplo, viu crescer em 20% as vendas no Brasil, em especial o produto nacional, especialmente aquelas que investiram em parcerias com sistemas nacionais de entrega e em redes de supermercados. “Vinho é a bebida da pandemia”, comenta Flávio Pizzato, proprietário da vinícola Pizzato, do Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, que viu crescer 10% o volume de suas vendas com a pandemia.
Especialista no segmento petroquímicos, com 38 anos de trabalho na área, João Rui Freire alerta que o setor de plástico está com suas esperanças voltadas para a recuperação da economia. Isso porque a redução da atividade econômica afetou os resultados de quem opera com polietileno ou polipropileno, que tem na indústria automobilística seu grande cliente. “Com certeza temos startups de olho nas demandas da crise. Um grupo ligado a Ufrgs, por exemplo, se utilizou do plástico para desenvolver uma touca para a área de saúde com muito pouco espaço de exposição do rosto de seu usuário. São iniciativas com índice de erro e acerto mais fácil de ser resolvido”, comenta Freire.
Na construção civil, setor que emprega atualmente 27 mil trabalhadores, as iniciativas de inovação estão voltadas não apenas para a produção de materiais mais adequados para atender as demandas do consumidor em prédios residenciais, mas também no canteiro de obras. O presidente do Sinduscon-RS, Aquiles Dal Moin Jr. destaca que a área tem projetos de inovação em áreas de comercialização e conectividade das pessoas, identificando áreas e regiões propensas à contaminação. Uma pesquisa coordenada pelo professor Carlos Formoso e outros integrantes do NORIE (Núcleo Orientado para Inovação da Edificação), está focada no planejamento e controle da produção baseado em localização para gerenciar restrições de distanciamento social em canteiros de obras.“Em agosto deveremos divulgar resultados preliminares com o panorama do setor em Porto Alegre, com aplicações e dificuldades de gerenciar essas restrições nas obras”, comenta o professor Carlos Formoso.
Correio do Povo