Essa é a terceira sessão consecutiva com uma alta forte da moeda norte-americana
O dólar emendou na sessão desta terça-feira o terceiro pregão consecutivo de alta firme e ameaçou encostar no patamar de R$ 5,00, registrando máxima a R$ 4,9997 (+2,55%) no fim da manhã. Uma vez mais, o real sofreu com o movimento global de aversão ao risco que levou investidores a abandonar divisas emergentes e bolsas para buscar proteção na moeda norte-americana e nos Treasuries.
O pano de fundo para o tombo dos ativos de risco são as preocupações em torno de uma eventual desaceleração da economia global, em meio à expectativa de alta mais rápida e intensa de juros nos Estados Unidos e preocupações com os impactos de novos lockdowns na China. O Federal Reserve anuncia a nova taxa de juros norte-americana na próxima quarta-feira e a expectativa majoritária é de uma alta de 0,50 ponto porcentual. Uma ala relevante do mercado já aposta em elevação de 0,75 ponto porcentual no encontro do BC americano em junho.
O índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – superou os 102,000 pontos (máxima aos 102,342 pontos), atingindo o maior nível desde março de 2020. A taxa da T-note de 10 anos, principal ativo do mundo, caiu cerca de 2%, rodando abaixo de 2,80%
O real mais uma vez liderou as perdas entre divisas emergentes, fruto em boa parte, segundo operadores, de movimentos de realização de lucros, dado que a moeda brasileira foi a que mais se apreciou neste ano. Estaria ainda em curso desmontagem de posições vendidas no mercado de dólar futuro, além de operações especulativas e saída de investidores estrangeiros.
A escalada da taxa de câmbio na primeira etapa de negócios fez o Banco Central intervir novamente. Depois de vender US$ 571 milhões à vista na sexta-feira e se ausentar na segunda-feira, o BC fez leilão extraordinário de 10 mil contratos de swap cambial (US$ 500 milhões) no início da tarde, o que ajudou a amenizar parcialmente a febre compradora, embora não tenha em nenhum momento feito o dólar operar com alta inferior a 1%.
Depois de trabalhar ao redor de R$ 4,96 ao longo da tarde, o dólar acelerou novamente na última hora do pregão, com a piora das bolsas em Nova York e o Ibovespa renovando mínimas. No fim da sessão, a moeda avançava 2,36%, cotada a R$ 4,9905 – maior valor desde 21 de março (R$ 4,9445). Nas três últimas sessões, o dólar acumulou valorização de 8,01%. Em abril, a divisa sobe 4,82%. As perdas no ano, que já chegaram a superar 17%, agora estão na casa de 10%.
“O Powell disse que vai fazer um aumento mais rápido dos juros para o nível neutro, chegando possivelmente ao nível restritivo. O mercado já está precificando altas seguidas de 0,50 ponto porcentual e taxa acima de 3%”, diz Dib. “O mercado parece ter acordado só agora para o lockdown na China e o avanço da Rússia na Ucrânia, mas essas são questões acessórias nesse processo de reprecificação”.
Dib nota que os preços das commodities sofreram em um primeiro momento, com as preocupações com a China, mas aparentam recuperar parte do fôlego. As cotações do petróleo sobem mais de 3% no mercado internacional e o minério de ferro, que havia desabado mais de 10%, já apresentou queda menor (2,95% no porto de Qingdao, na China).
O gestor ressalta que, apesar da piora das commodities, e da perspectiva de alta de juros nos EUA, dois fatores que deram sustentação à apreciação recente do real continuam na mesa: diferencial amplo entre juros internos e externos e preços elevados de produtos exportados pelo Brasil.
“No câmbio, estamos vendo um movimento de zeragem. As incertezas aumentaram e quem estava com uma posição vencedora está colocando dinheiro no bolso. E o real era quem mais ganhava”, afirma Dib. “Muita gente também vendeu dólar com a taxa a R$ 4,60 e agora tem que zerar. Eu arriscaria dizer que o dólar vai se acomodar um pouco abaixo do patamar atual”.
Para o diretor da Correparti Corretora, Ricardo Gomes da Silva, o aumento das incertezas aqui e lá fora deve levar o mercado a ficar arisco e, por tabela, demandar mais proteção. Com isso, o Banco Central deve atuar novamente por meio de swaps cambiais (venda de dólar futuro) para tentar conter a taxa de câmbio e evitar novas pressões inflacionárias.
“O BC tenta conter a especulação e dar liquidez. Mas atua também na intenção de segurar o nosso processo inflacionário. Tivemos um choque de commodities com a guerra. Se vier agora uma alta do dólar, será muito nocivo para a inflação”, diz Gomes da Silva, que vê até possibilidade de o dólar superar R$ 5,00, mas descarta a volta da taxa de câmbio a níveis do fim do ano passado no curto prazo.
Taxas de juros
A disparada do dólar ante o real foi o principal drive dos negócios no mercado de juros brasileiro nesta terça-feira. O intervalo intermediário da curva foi o mais sensível ao movimento, com avanço de mais de 15 pontos-base ante a véspera. Na parte mais curta, os ajustes foram mais comedidos, uma vez que, mesmo com as surpresas inflacionárias, o Banco Central caminha para o fim do ciclo de aperto monetário. Cautela adicional foi citada pelos agentes também devido à espera dos dados do IPCA-15 de abril, conhecidos na quarta-feira na abertura.
Os contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 subiu de 12,953% no ajuste de segunda-feira para 13,020% nesta terça-feira. O janeiro 2024 avançou de 12,572% a 12,710%. O janeiro 2025 saltou de 11,991% a 12,140%. E o janeiro 2027 pulou de 11,815% a 11,980%.
O pano de fundo do dia é o temor dos investidores quanto à inflação e à atividade global. Na semana que vem, é esperado que o Federal Reserve dê uma dura resposta ao elevar as taxas de Fed funds.
Além disso, o mercado está sob tensão com possibilidade de surtos da covid-19 na China. A política de ‘covid zero’ do governo de Xi Jinping pode levar a uma nova rodada de lockdowns, encolhendo a produção de bens e gerando novas disfunções em cadeias produtivas.
Na quarta-feira, logo na abertura, o mercado saberá os dados do IPCA-15 de abril. É esperada a maior taxa mensal desde fevereiro de 2003, com mediana de 1,82%, a partir de intervalo de 1,10% a 1,95%. O reajuste de preços dos combustíveis e a pressão nos alimentos devem pesar, segundo pesquisa do Projeções Broadcast.
Bolsa
Decepção com o resultado trimestral do Santander Brasil e o mal-estar externo em torno da atividade econômica chinesa – em meio aos lockdowns – e da aceleração inflacionária global mantiveram o Ibovespa no negativo pela sétima sessão consecutiva, igualando em extensão sequência vista pela última vez em maio de 2016, de acordo com AE Dados.
Nesta terça, a referência da B3 encerrou o dia em baixa de 2,23%, a 108.212,86 pontos, entre mínima de 107.977,70 e máxima de 110.684,95 pontos, praticamente equivalente à abertura, a 110.684,23 pontos. O giro ficou em R$ 32,4 bilhões. Na semana, o índice cede 2,58% e, no mês, 9,82% – no ano, o ganho se limita a 3,23%.
Na mínima do dia, o Ibovespa perdeu a linha dos 108 mil pontos, em queda de 2,45%, no menor nível desde 15 de março (107.780,86), enquanto as perdas em Nova York chegavam a 3,40%, no Nasdaq – que fechou na mínima, em queda de 3,95%. Na B3, Vale ON encerrou em baixa de 1,37% e Petrobras também se firmou no negativo ao longo da tarde, com a ON (-0,15%) e a PN (-0,17%), apesar dos ganhos entre 2,40% (Brent de julho, a US$ 104,61 por barril) e 3,21% (WTI de junho, a US$ 101,70 por barril) para o petróleo na sessão.
Os grandes bancos também tiveram queda firme após os resultados do Santander, com o mercado especialmente atento à inadimplência e ao crédito no primeiro trimestre. “A carteira de crédito encolheu 3% no trimestre, um aumento modesto de 5% no comparativo anual, provavelmente o ritmo mais lento de qualquer grande banco no Brasil”, afirmam os analistas Pedro Leduc, Mateus Raffaelli e William Barrajard em relatório do Itaú BBA. A decepção com os números da filial brasileira do banco espanhol manteve o segmento de maior peso no Ibovespa no negativo, com perdas entre 2,25% (BB ON) e 4,55% (Unit do Santander) para as grandes instituições.
Na ponta negativa do Ibovespa, destaque para Locaweb (-8,32%), à frente de Totvs (-6,50%) e de Banco Inter (-6,37%). No lado oposto, PetroRio (+2,47%), 3R Petroleum (+2,24%), CPFL (+1,84%) e Iguatemi (+1,81%). No quadro mais amplo, “com a China ‘trancada’, investidores preocupados com o ritmo da subida de juros nos EUA e preocupações com a inflação sempre presentes, o mercado segue em ritmo de aversão a risco”, observa Paula Zogbi, analista da Rico Investimentos. “O movimento de queda já está esticado, e em um suporte. Seria interessante uns dias de alta, mas a tendência de curto prazo ainda é de indefinição”, aponta Pam Semezzato, analista técnica da Clear Corretora.
Abril tem se mostrado um ponto de inflexão para o Ibovespa, com a referência da B3 a caminho de colher a maior perda mensal desde o ponto mais baixo da pandemia, em março de 2020, quando o índice cedeu 29,90%. O fluxo estrangeiro, em recuperação que se estendeu de novembro de 2021 a março de 2022, tem se mostrado agora reticente, com saída de recursos no mês, em cenário de maior incerteza quanto à inflação global bem como sobre a extensão e o grau de ajuste da política monetária nas maiores economias. No ano, os estrangeiros ainda têm saldo líquido de R$ 64,359 bilhões na B3 até o dia 22, mas os saques no mês totalizam R$ 969 milhões.
“Houve uma inversão de fluxo para o Brasil no primeiro trimestre, também motivada pela guerra na Ucrânia, que afastou a Rússia (como opção entre emergentes), além de uma diminuição de apetite por China, com os problemas por lá. As commodities e o aumento de juros, que se acelerou no último trimestre do ano passado, e certa tranquilidade política favoreceram o Brasil no começo do ano como um ponto de alocação importante”, diz Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento).
Ele chama atenção em especial para os efeitos sobre o câmbio, agora em reversão, com viés crescentemente “hawkish” nos sinais emitidos pelo Federal Reserve.
“A questão é saber se a taxa do fed fund para, até o fim do ano, entre 2,75% e 3%, ou se chega a 3,5%. Isso significa uma taxa de juros americana competitiva, tendo em vista que é uma moeda de risco muito baixo, quase zero. Há um movimento de reinterpretação sobre taxa de juros, com outros fatores passando a pesar, embora a nossa continue extremamente alta”, acrescenta o economista, observando que “a inflação global está acima de qualquer capacidade de previsão”. “Continua muito forte e surpreendendo, no Brasil e no mundo. E a economia global já está entrando em ritmo de desaceleração”, acrescenta.
Para Tingas, o câmbio em especial, desde a última sexta-feira, tem reprecificado um conjunto de variáveis de risco, que incluem também ruídos domésticos, como a retomada do embate institucional entre o Planalto e a cúpula do Judiciário, após relativa calmaria política no começo do ano, eleitoral.
Correio do Povo