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Dólar cai a R$ 5,05 e fecha no menor nível desde 1º de julho

Moeda já acumula queda de 4,78% em fevereiro e perda de 9,39% ao ano

Moeda já acumula queda de 4,78% em fevereiro e perda de 9,39% ao ano 

O dólar emendou na sessão desta terça-feira (22) o terceiro pregão seguido de queda e desceu ao menor patamar desde o início de julho do ano passado. A moeda rompeu a marca de R$ 5,05 no início da tarde. Com mínima a R$ 5,0451, registrada no fim do pregão, a moeda americana fechou em queda de 1,07%, a R$ 5,0521 – menor valor de fechamento desde 1º de julho do ano passado (R$ 5,0453). Com o tombo nas três últimas sessões, o dólar já acumula queda de 4,78% em fevereiro e perda de 9,39% ao ano.

Operadores voltaram a identificar fluxo de recursos externos para ativos domésticos, em meio à rotação global de portfólios que favorece países produtores de commodities e com taxa de juros mais elevadas. No front doméstico, uma menor percepção de risco fiscal, após o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dizer que as PEC dos Combustíveis no Congresso estão “definitivamente afastadas”, teria reforçado o apetite pelo real.

Apesar do braço de ferro entre Ocidente e Rússia, que teria supostamente enviado tropas à região separatista da Ucrânia, o dia foi de perda de força da moeda americana frente ao euro e à maioria das divisas emergentes. A fraqueza do dólar lá fora está ligada à crescente expectativa de que o Federal Reserve, premido pelas incertezas provocadas pelas tensões geopolíticas, vá optar por uma alta inicial da taxa de juros em 0,25 ponto porcentual em março.

Também já há especulações em torno de redução do número de elevações dos Fed Funds ao longo deste ano. Hoje à tarde, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou, entre outras medidas, que vai cortar o financiamento ocidental à dívida soberana russa – e acenou com sanções econômicas ainda mais rígidas caso a Rússia “escale as agressões” à Ucrânia. A União Europeia também fechou pacote de sanções contra os russos.

Por aqui, as expectativas são de que a taxa Selic, hoje em 10,75% ao ano, possa se aproximar de 13% – o que amplia ainda mais o juro real projetado em 12 meses e mantém um diferencial entre juros doméstico e externo em patamares elevados, atraindo capital de curto prazo para operações de “carry trade”.

O real é a divisa de melhor desempenho ante o dólar no mundo em 2022. Na sessão desta terça-feira, a moeda brasileira mais uma vez brilhou e teria liderado os ganhos entre emergentes não fosse pela forte recuperação do rublo, diante da avaliação de que as sanções do Ocidente foram brandas.

Apesar da forte apreciação do real, o head da Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, vê espaço para quedas adicionais do dólar, caso não haja um evento drástico no exterior. “Está na cabeça do investidor estrangeiro que o Brasil é um país de commodities e de juro alto, com taxa de juro real, entre 6% e 7%, a maior do mundo”, diz Weigt, chamando a atenção par ao fato de o Ibovespa subir hoje a despeito do tombo das bolsas em Nova York “O estrangeiro não está preocupado com fundamentos e o baixo crescimento. Ele está aproveitando uma janela de oportunidade que vai até abril ou maio”.

Para Weigt, o Fed deve iniciar a normalização da política monetária com um alta da taxa de juros em 0,25 ponto porcentual em março, uma vez que as taxas de inflação implícita mostram que o BC americano, a despeito da aceleração recente dos preços, ainda tem muita credibilidade. “O mercado acredita que o Fed vai conseguir debelar a inflação. Ele pode até acelerar a alta de juros para 0,50 ponto depois da alta de março, mas mesmo assim o diferencial de juros com o Brasil vai continuar enorme”, diz o tesoureiro.

Em evento no BTG Pactual, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, voltou a dizer que o Brasil saiu na frente no ajuste monetário e que tem sido reconhecido por isso. “Taxa de juros mais alta traz fluxos de dólares para o Brasil.

A melhora no câmbio está ligada a movimento de rotação nos fluxos de investimentos”, disse Campos Neto, acrescentando que um aperto monetário mais rápido nos EUA pode “afetar fluxos financeiros com impacto negativo para emergentes”.

Campos Neto afirmou que “abrir mão de receita não ajuda a inflação estrutural” e disse achar “curioso alguns países atacarem inflação persistente com medidas fiscais”, ressaltando que não estava falando do Brasil.

Mesmo com eventual enterro das PECs dos Combustíveis no Congresso, ainda estão em pauta projetos de lei relacionados a preços de combustíveis.
E hoje o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou a intenção de promover uma redução de 25% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), com impacto de R$ 20 bilhões por ano. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que a Casa não tem resistência a reduzir impostos federais sobre o combustível, mas ponderou que a medida precisa passar por uma avaliação. Pacheco admitiu que a votação do projeto sobre o tema, do senador Jean Paul Prates (PT-RN), inicialmente programado para amanhã, pode ficar para a semana do dia 8 de março.

Para economista-chefe do Coface para a América Latina, Patrícia Krause, o movimento de apreciação do real não seguirá por muito mais tempo, já que os ativos brasileiros, após seguidas valorizações, devem ficar menos atraentes em dólares. “Além disso, temos as incertezas no campo fiscal, com possível redução de imposto sem contrapartida, e as eleições presidenciais”, afirma.

Ibovespa

O Ibovespa desacelerou ao longo da tarde, mas teve fôlego para zerar as perdas do dia anterior ao fechar nesta terça-feira em alta de 1,04%, aos 112.891,80 pontos, vindo de série de três sessões negativas. Hoje, oscilou entre mínima de 111.727,17, da abertura, e máxima de 113.314,97, com giro a R$ 30,2 bilhões após o feriado de ontem nos Estados Unidos, que havia reduzido muito o volume de negócios na B3. Na semana, o índice de referência passa a subir 0,01% e retorna ao positivo no mês, com ganho de 0,67% – no ano, o avanço é de 7,70%. Em Nova York, após a pausa para o Dia do Presidente, o ajuste à escalada de tensões na Ucrânia resultou em queda de 1,01% (S&P 500) a 1,42% (Dow Jones) no encerramento da sessão.

“O Ocidente busca trabalhar com sanções para reverter o ímpeto russo e evitar uma guerra. O fluxo para o Brasil é uma questão a debater porque, com aumento da percepção de risco (global), a tendência seria de saída (de recursos), bem como de demanda por dólar, o que não está acontecendo. Temos, pelo contrário, um fluxo de entrada consistente e juros mais estáveis. Como a Rússia é também um mercado emergente e os investidores a estão evitando no momento, o dinheiro acaba indo para outros emergentes. E o Brasil está pagando juros muito bons e ainda tem uma Bolsa muito barata”, diz Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos.

Hoje, durante participação em evento, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, observou que Rússia e Brasil são exatamente os países com taxas de juros acima do nível considerado neutro. “O Brasil saiu na frente no ajuste monetário, e tem sido reconhecido por isso”, disse Campos Neto. “Com exceção de Brasil e Rússia, demais países estão abaixo da taxa neutra”, afirmou o presidente do BC, ressalvando que vários deles ainda vão elevar bastante os juros e que a inflação americana tem subido tanto quanto a brasileira.

Refletindo o fluxo para Brasil, o dólar à vista seguiu em baixa nesta terça-feira, a R$ 5,0521 (-1,07%) no fechamento – na semana, a moeda americana cede 1,71% e, no mês, 4,78% ante o real.

“Pode estar realmente havendo essa competição entre emergentes, mas o fato é que o fluxo precede isso, ocorrendo já há alguns meses: temos um mercado de renda fixa gigantesco e taxa de juros real positiva no Brasil. Com a elevação de juros nos Estados Unidos, isso pode se modificar, com alguma corrida para o dólar. Mas Roberto Campos Neto parece estar disposto a elevar mais os juros para não perder este gatilho”, observa o economista Renato Chain, da Parallaxis, para quem a elevação da Selic pelo BC tem um dos olhos no câmbio.

“Com a desindustrialização que houve no Brasil, há uma dependência de componentes importante, e o câmbio acaba sendo um fator de ‘pass-through” (transmissão para os preços)”, acrescenta Chain.

Para o banco Julius Baer, o preço do barril de petróleo deve chegar a três dígitos no curto prazo: não é mais uma questão de “se”, mas de “quando” a marca será alcançada, aponta a instituição, observando que os contratos no mercado futuro têm sido impulsionados pelos temores gerados pela crise na Ucrânia, embora o fôlego não deva se sustentar no longo prazo.

“Os riscos geopolíticos podem levar a um ciclo de crescimento mais lento e isso pode acabar com as chances de um aumento de meio ponto na taxa de juros do Fed na decisão da FOMC (o comitê de política monetária) em 16 de março”, observa em nota Edward Moya, analista da OANDA em Nova York. “O apetite por risco começará a ver algum apoio conforme os investidores começarem a precificar um Fed menos agressivo, mais acomodação do PBOC (o BC chinês) e com as tensões geopolíticas se estendendo por muito tempo”, acrescenta.

Na B3, destaque para o desempenho de mineração (Vale ON +1,73%) e siderurgia (Usiminas PNA +1,66%) nesta terça-feira, apesar do ajuste marginalmente negativo para os preços do minério em Qingdao (China) após recente recuperação. Na ponta do Ibovespa, Fleury (+8,23%), Soma (+7,32%), Cogna (+7,05%) e Minerva (+6,16%). No lado oposto, Banco Inter (Unit -9,62%), Americanas ON (-5,40%), ainda refletindo os efeitos da queda do site de compras, e Embraer (-4,63%). O dia foi também negativo para Petrobras (ON -1,55%, PN -0,32%), assim como para os grandes bancos, à exceção de Itaú (PN +0,90%) e BB (ON +0,94%).

Juros

Os juros futuros fecharam o dia em leve alta, após uma sessão marcada por um jogo de forças que limitou a oscilação das taxas. De um lado, a percepção positiva sobre o fluxo externo e a nova queda do dólar para R$ 5,05 prevaleceram durante a manhã, impondo recuo modesto.
À tarde, as taxas trocaram o sinal de baixa pelo de alta, na medida em que cresceram os temores em relação ao conflito entre a Rússia e o Ocidente na questão da Ucrânia, depois que a União Europeia (UE) aprovou um pacote de sanções econômicas contra Moscou e os Estados Unidos também anunciaram retaliações.
Tanto o câmbio quanto os impactos da crise geopolítica sobre os preços de commodities são pontos importantes para a inflação e resta saber o quanto podem pesar no atual plano de voo das autoridades monetárias.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 fechou em 12,425% (regular) e 12,43% (estendida), de 12,383% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2025 subiu de 11,341% para 11,40% (regular e estendida). O DI para janeiro de 2027 encerrou com taxa de 11,26 (regular e estendida), de 11,21%.

A escalada da crise geopolítica já havia começado ontem no fim do dia, com decisão da Rússia de reconhecer a independência de duas regiões separatistas na Ucrânia, mas o feriado em Nova York mascarou um pouco a reação nos ativos. Hoje, o cenário piorou com a mobilização de tropas russas para aquelas regiões e governos considerando que, com isso, na prática, a Rússia já invadiu o país báltico. Com as soluções diplomáticas cada vez mais distantes, a Alemanha pela manhã havia anunciado a suspensão da operação de um gasoduto russo e à tarde a UE aprovou um pacote de retaliações, assim como os Estados Unidos igualmente anunciaram retaliações.

No Brasil, os efeitos são dúbios, na medida em que o País, enquanto exportador de commodities, pode ganhar com avanço das cotações, mas perder pelo lado da inflação. Patricia Pereira, economista-chefe da MAG Investimentos, afirma que eventos bélicos deste tipo normalmente são inflacionários para o mundo todo, mas desta vez o Brasil sofre bem menos. “Esses eventos costumam prejudicar bastante o ‘kit Brasil’, mas agora é diferente, com a questão do fluxo forte amenizando os impactos sobre o real e também na curva de juros”, disse.

Havia alguma expectativa em torno da participação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em evento do BTG nesta tarde, mas as declarações foram apenas monitoradas. Um dia antes da divulgação do IPCA-15 de fevereiro, para o qual a mediana das estimativas é de 0,87%, ele afirmou que a autarquia tem atenção especial à inflação de serviços. Segundo ele, o BC considera em seus cálculos que a inflação industrial deve cair e há um olhar específico para preços de serviços, uma vez que o último número “surpreendeu negativamente”.

Correio do Povo