A Sala Constitucional conteve várias medidas presidenciais relacionadas à gestão da pandemia, a maioria sobre regimes de exceção, porque considerou que fragilizavam direitos fundamentais
O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, iniciou neste fim de semana o que chamou de uma “limpeza da casa”, destituindo, com o apoio do Congresso, um grupo de juízes da Suprema Corte e o procurador-geral, acendendo o alarme sobre tentativas de concentração de poder. “Ditador? Eu teria fuzilado todos ou algo do tipo. Salvar mil vidas em troca de cinco [magistrados], mas não sou um ditador”, ironizou Bukele em agosto passado.
“Condenamos categoricamente este golpe de Estado, avalizado pelo presidente Bukele e executado por deputados dos partidos Novas Ideias, Gana, PCN e PDC”, todos aliados do governante, disseram em um comunicado 25 organizações da sociedade civil salvadorenha, entre elas sindicatos patronais.
“Falta mudar muita coisa”
O Parlamento também depôs o procurador-geral, Raúl Melara, a quem questionou por ter filiações com o partido opositor Arena. Entrada a madrugada de domingo, elegeram seu sucessor, Rodolfo Delgado. Tanto os novos juízes quanto o procurador foram escoltados pela polícia para assumir seus cargos imediatamente.
Em seguida, o diretor da Polícia Nacional Civil (PNC), Mauricio Arriaza, entrou sob aplausos na sala da Assembleia Legislativa. “Falta mudar muita coisa no nosso país, mas está claro que não podem fazer tudo em um dia. Sei que a maioria do povo salvadorenho espera ansioso a segunda plenária”, que será realizada na segunda-feira, disse Bukele.
Estados Unidos reagem
Neste domingo, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, expressou a “grave preocupação” do seu país com a destituição de magistrados “e destacou que um poder judiciário independente é essencial para a governabilidade democrática”.
Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, a preocupação aumentou com a deposição do procurador-geral que, segundo Blinken, “luta contra a corrupção e a impunidade e é um parceiro eficaz dos esforços para combater o crime tanto nos Estados Unidos quanto em El Salvador”.
Blinken destacou, ainda, o compromisso dos Estados Unidos para melhorar as condições em El Salvador, inclusive “reforçando as instituições democráticas e a separação de poderes, defendendo uma imprensa livre e uma sociedade civil vibrante”.
Enquanto isso, a Organização de Estados Americanos (OEA), advertiu que “quando as maiorias eliminam os sistemas de pesos e contrapesos no âmbito institucional, estão alterando a essência de funcionamento do mesmo”.
Diante do ocorrido, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu a Bukele para “garantir a separação de poderes e a ordem democrática”.
“Faremos todos os esforços para que este ataque à democracia afete sua relação com o governo dos Estados Unidos, o Banco Mundial, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento)”, advertiu enquanto isso o diretor-executivo para as Américas da ONG Human Rights Watch, José Miguel Vivanco. Na noite de sábado, Bukele mostrou-se disposto a seguir trabalhando com a comunidade internacional, mas esclareceu: “estamos limpando nossa casa e isso não é de sua incumbência”.
Uma contenda intensa
Em 9 de fevereiro de 2020, Bukele desafiou o então Parlamento opositor quando, escoltado pelo Exército, chegou à Assembleia para pressionar pela aprovação de um crédito destinado a combater as gangues. Bukele, de 39 anos, conseguiu capitalizar o descontentamento da população em relação aos partidos tradicionais. Ele conta com apoio popular e o respaldo das Forças Armadas.
Isso levou seus aliados a vencerem as eleições parlamentares de 28 de fevereiro, deixando de lado as tradicionais Aliança Republicana Nacionalista (Arena, direita) e a ex-guerrilha esquerdista da FMLN. “A atuação dos deputados governistas confirma o temor de que o apoio popular expresso nas urnas fosse utilizado para concentrar o poder no Executivo”, assegurou em um pronunciamento a influente Universidade Centro-americana (UCA). Para a UCA, a destituição “mostra a veracidade dos sinais de autoritarismo no Governo do presidente Bukele”.
Correio do Povo