A depressão e o alcoolismo fizeram a opção por Adriano. Trocou a fortuna e três Copas do Mundo para viver na favela da Vila Cruzeiro. Se diz feliz, enquanto seus parceiros sonham com um retorno ao futebol. Sonho que Adriano sabe o quanto é irreal…
6h45 da dia primeiro de 2017.
Comunidade da Vila Cruzeiro.
“Comunidade” é uma maneira mais delicada de batizar a favela. Milhares de casas de alvenaria, deixam os tijolos à vista, sem tinta. Vielas e mais vielas. Mais de 500 policiais formam a Unidade de Polícia Pacificadora. Tentam, sem sucesso, conter o tráfico.
A favela é dominada pelo Comando Vermelho, não é segredo para ninguém.
Os gatos de luz e tevê a cabo dominam os postes.
Esgoto corre a céu aberto em várias vielas.
O calor do verão carioca é insuportável.
Na Vila Cruzeiro não há frescura, em nenhum sentido.
E é normal homens circularem de bermuda, sem camisa, de chinelos.
Vários deles estão junto de MC Smith neste Reveillon. Ele é autor de funks ‘proibidões’. Seus maiores sucessos são Vida Bandida e Vida Bandida 2. Em ambas ele destaca a vida da criminalidade, o Comando Vermelho. E avisa que o “Caveirão”, veículo blindado da polícia, ‘não o assusta.
MC Smith tinha um anúncio a fazer.
Pede que seja filmado.
E anuncia um tapa na cara da mídia.
Se trata da volta de Adriano ao futebol.
O jogador que já mereceu o apelido de Imperador se surpreende.
E entra no alcance da câmera do celular.
Ele com os olhos vermelhos, com o rosto inchado.
Está virado, sem dormir, como seus parceiros da favela.
Sem camisa.
Constrangido, ouve as profecias do amigo funkeiro.
O sorriso só some de vez quando MC Smith faz um pedido.
Quer que ele repita o gesto que o consagrou.
Mostre os músculos.
A resposta é cortar o coração.
Depois de esconder a barriga com as mãos, balbucia.
“Estou gordo…”
Adriano seguiu o destino que escolheu. Está fazendo exatamente o que quer. Trocou seu talento como goleador pelo direito de viver na favela. Cercado de namoradas, amigos. Festas, farras, churrascos em lajes. Nem quando era um dos maiores atacantes do mundo fazia distinção entre os parceiros que pertencem ao crime dos evangélicos, dos trabalhadores. Trata todos da mesma maneira.
Seu apelido é Didico.
Não tem compromisso com nada. A não ser desfrutar o que resta do que conseguiu ganhar em uma carreira ceifada pela metade. Ela acabou exatamente no dia 4 de agosto de 2004. Nove dias depois da maior conquista de sua carreira. A Copa América do Peru.
Eu estava cobrindo para o Jornal da Tarde e sei o que Almir Leite Ribeiro significava para o jovem atacante. “Esse título vai para o meu pai. Ele é o meu grande amigo desta vida, meu parceiro, sem ele não seria nada”, me disse após a vitória diante da favorita Argentina. O título só veio porque Adriano conseguiu empatar a partida no último minuto do segundo tempo e levar a decisão aos pênaltis.
“O Adriano fará história no futebol brasileiro.
Ele é forte, canhoto, talentoso.
É atacante para as próximas três Copas do Mundo.”
A previsão era do empolgado técnico campeão, Parreira.
Mas bastaram nove dias e Almir morreria de infarto. Ele tinha uma bala alojada no crânio. Tomou um tiro em uma festa na Vila Cruzeiro. Conviveu com dores lancinantes. A bala perdida se alojou muito perto do cérebro e uma cirurgia seria sentença de morte. Mas acabou falecendo aos 45 anos.
Desde a morte do pai, Adriano mergulhou na mais profunda depressão. Buscou alívio no álcool. Seu então empresário, Gilmar Rinaldi, fez de tudo para tentar livrar o jogador do vício. Queria até interná-lo à força. Adriano me deu uma entrevista exclusiva ao blog.
Em uma longa entrevista, ele confessou que tomava porres e era protegido pela direção da Inter de Milão. Sincero e corajoso, ele expôs todo o seu sofrimento.
“A morte do meu pai deixou um buraco enorme na minha vida.
Ele morreu em agosto de 2004.
Foi a pessoa que me fez quem eu sou.
Devo tudo a ele e a minha família.
Eu acabei ficando muito sozinho, me isolando quando ele morreu.
Foi a pior coisa.
Me vi sozinho, triste, deprimido na Itália.
Foi quando surgiu o problema de alcoolismo?
Foi.
E vou ser bem sincero para você entender o que vivi.
Eu passei a beber, só me sentia feliz bebendo.
Eram festas todas as noites.
E bebia o que passava pela frente: vinho, uísque, vodca, cerveja… muita cerveja.
A situação ficou fora de controle.
Eu só conseguia dormir bebendo.
Acordava e não sabia nem onde estava.
Eu era jogador de um dos maiores times do mundo.
Comecei a ter problemas com o treinador, o Mancini, com os companheiros.
Eles perceberam?
Não tinha como não perceber.
Eu chegava bêbado para os treinos da manhã.
Com medo de perder a hora dormindo, eu ia bêbado mesmo.
Isso aconteceu várias vezes.
Eu ia dormir no departamento médico e diziam para a imprensa que eu estava com dores musculares.
A direção da Inter foi sensacional comigo, tentou me ajudar de todos os jeitos.
Eu passei a me dar mal com o Mancini, o técnico.
A situção ficou insuportável.
Eu não parava de beber, tive de sair da Inter.”
A situação ficou pior.
Ele não queria mais viver.
“Estava sofrendo muito, comecei a desacreditar até em Deus, a quem sou muito apegado. Estava na Itália ainda. Deus não existe, eu dizia. Às vezes, pensava que, se fosse para fazer minha família chorar e sofrer, eu preferia ir embora. Nunca tive medo de morrer, de fazer nada da minha vida. Sempre fiz o que acho que tinha que fazer. Aquilo que quero, eu faço. Esse é meu lado homem. Foi muito complicado.”
Buscava a fuga na bebida e nas orgias.
Adriano ainda enfrentou um episódio que poucos sabem. Pouco antes da Copa de 2006, quando formava o Quarteto Fantástico, com Ronaldo, Kaká e Ronaldinho Gaúcho. A revelação foi feita ao site esportivo da Globo.
“Dias antes de embarcar para a Alemanha, Adriano foi festejar com os amigos da Vila Cruzeiro na boate Quebra-Mar, no início da orla da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. O grupo, segundo versão de pessoas próximas ao jogador, contava com alguns foragidos da Justiça. Ao deixar a boate, a comitiva do Imperador foi abordada por policiais e levada para um local nas redondezas de Realengo.
“Um dos grandes amigos do atacante tentou fugir, foi baleado e morreu. Segundo relatos de quem estava presente, há registros fotográficos do Imperador no local em que aconteceu a morte. A partir daí, o jogador conviveu com tentativas de extorsão, o que teria contribuído para desestabilizá-lo emocionalmente no Mundial.”
Gilmar Rinaldi via Adriano se afundar no álcool. A depressão só aumentava. O empresário tinha medo que o jogador pudesse se suicidar. E insistia na internação. Insistiu tanto que romperam. “Fiz o que pude e o que não pude para tentar proteger o Adriano dele mesmo”, me disse Rinaldi.
Depois da Inter, o atacante começou sua derrocada.
Passou pelo São Paulo, Roma, Corinthians, Atlético Paranaense, Miami United.
Cada vez os vexames eram maiores.
Mais constrangedores.
“O Adriano jogou sua carreira fora.
Seria o titular da Copa de 2010 e 2014 se quisesse.
Não quis”, lamenta Ronaldo Fenômeno.
O tempo passou.
O jogador fará 35 anos em fevereiro.
Está sem atuar para valer, desde 2009, quando foi campeão com o amado Flamengo.
A frase predileta que Adriano usa para explicar a decadência é conhecida.
Um triste mantra.
“Eu só fiz mal a mim mesmo.”
E como você fez, Didico…
http://esportes.r7.com/blogs/cosme-rimoli
Ganhou seis vezes o prêmio Aceesp, como melhor repórter esportivo entre jornais e revistas de São Paulo. Trabalhou 23 anos no Jornal da Tarde. Começou com o blog no UOL, em 2009. Logo se tornou um dos dois mais acessados no esportes do portal. Cobriu ‘in loco’ as últimas seis Copas do Mundo, seis Eliminatórias para a Copa, quatro Copas América, dezenas de finais de Libertadores, Brasileiros e Campeonatos Paulistas. Mundial de Clubes no Japão 2011. O Pan-Americano do México. Três etapas do UFC. Olimpíadas de Londres 2012. Copa das Confederações em 2013. Foi, como enviado especial, a 29 países para cobrir eventos esportivos