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Coração de Cartolina – Claudio Vogt

 

                                                                 Coração de Cartolina
………Esta crônica trata sobre o meu primeiro Colégio: A ESCOLA NORMAL RURAL SANTA GEMA GALGANI (SARANDI – RS). O objetivo é exaltar a Educação. Ontem, quando anotei na agenda para resgatar esta dívida de gratidão, senti o peso da responsabilidade. Eu me senti pequeno.
Eu precisaria ter mais capacidade.
Confesso que chorei.
Senhor leitor, seja compreensivo:
tenho limitações.
Longe das fotografias e perto da saudade, vou fazer o que é possível.
Amanhã, alguém mais organizado poderá aperfeiçoar o trabalho.
………Se alguém perguntar por que os escritores choram, eu tenho uma resposta: não se consegue escrever a História da Pátria sem sangue e lágrimas… Quando a Rádio Farroupilha citava os nomes dos líderes, meu Pai dizia: “Estudou comigo no Colégio!” Sem querer, ele despertou em mim grande curiosidade pelo tal Colégio…
………No dia 01 de março de 1960, a minha Mãe (JOVILDE) entregou-me para a Irmã VERÔNICA: “Já paguei a matrícula. Ele é filho do FRIDOLINO. Cuide bem dele. Não para quieto!” Estava começando uma caminhada de 22 anos de estudos presenciais. Coroados por um doutorado no RIO DE JANEIRO.        
………O momento era mágico. Nos ESTADOS UNIDOS, um Presidente jovem lutava contra a discriminação. No RIO GRANDE, o Governador brigava pela Educação. Na INGLATERRA, os BEATLES já estavam ensaiando. No BRASIL, faltavam 40 dias para o JK entregar a nova capital. No SARANDI, o HARMONIA colecionava 10 anos de vitórias. A Emissora Sarandiense já completara o seu primeiro lustro. O “Colégio das Irmãs” estava duplicando o prédio. A loja do meu Pai, a CASA SANTO ANTÔNIO, com 3 anos, começava a assumir a liderança do comércio. Eu, “experiente”, já tinha seis anos. A sorte estava lançada. Havia no ar uma efervescência. Eu consegui captar aquilo tudo. Mas não sabia o nome… Eram os “ANOS DORADOS” que estavam começando!
………A cidade do meu coração possuía três escolas de Ensino Primário: o Colégio SANTA GEMA GALGANI e dois Grupos Escolares.
Os Padres Italianos haviam espalhado a fraternidade.
A música italiana, o romantismo e a nostalgia.
Éramos cinco mil almas católicas… em busca da felicidade.       
………A minha primeira sala de aula ficava ao lado da Secretaria.
As janelonas dela ficavam no térreo do prédio novo, que estava em obras (A segunda e a terceira janelas).
A Irmã VERÔNICA colocou dois alunos por carteira.
Eu sentia medo de não conseguir aprender. Mas tinha orgulho de estudar junto com os filhos dos médicos e comerciantes.
Muito capaz, ela nos alfabetizou com facilidade.        
………O meu desempenho foi prejudicado por vários fatores:
Colégio distante, alimentação insuficiente, falta de concentração, clima chuvoso, falta de motivação para fazer os temas de casa… Eu queria mesmo era brincar.
E mais nada!       
………Numa daquelas manhãs, a Irmã VERÔNICA exigiu que eu lesse em voz alta.
Eu li sílaba por sílaba.
Parecia uma metralhadora.
Ela, gentilmente, segurou-se para não rir.
Por ironia do destino, em quase todos os quartéis em que servi, trabalhei como locutor.
A Diretora, Irmã MARIA INÊS, dizia que nós éramos engraçados… mesmo quando errávamos.
Que saudade!         
………Aquela sala, da primeira turma do Primeiro Ano, é uma relíquia.
Foi dela que assisti ao maior temporal de todos.
No outono de “60”, parecia que havia começado o fim do mundo.
O vento arrancou os troncos e tábuas dos andaimes. Arremessava-os para o lado da estrada (futura rodovia).
A chuva assustava os pequeninos.
A Irmã VERÔNICA nos colocou de joelhos, em diagonal, de uma ponta à outra da sala.
De frente para a tormenta.
Rezamos, em voz alta, durante mais de uma hora.
A Irmã Diretora, preocupada, entrava e saía.
Não sabia mais o que fazer.
Estava à espera de um milagre!
A situação era dramática.
Curioso, aproximei-me da janela.
Vi tábuas voando, uma pequena casa de madeira, dos pobres.
A Professora disse que não era verdade. Estávamos todos impotentes diante da força da natureza.
Um tronco dos andaimes passou rodopiando, em alta velocidade, a um metro da vidraça.
A situação era de pânico.
Rezamos mais alto e mais forte.
Aos poucos, a tempestade foi passando.
A chuva diminuiu, até parar.
Fiquei surpreso: nenhuma tábua, tronco, ou qualquer outro objeto atingiu a sala de aula do “Primeiro Ano Primário!”
Por quê?
O senhor leitor talvez tenha a resposta.
Para mim, foi o primeiro milagre… da Irmã VERÔNICA!
………Fomos liberados.
Não havia mais condições de aprender nada, naquele dia.
Ao percorrer as fileiras de eucaliptos, percebi que o muro “de material” (alvenaria) da quadra de esportes estava caído.
Os andaimes da obra do prédio novo haviam sumido.
Ao sair do portão da Escola, um estudante com mais idade me informou:
“O armazém do teu Pai está torto!”
Ao chegar em casa, eu mesmo constatei: ele estava “meio barrigudinho”.
E assim ficou, por muitos anos.
Lembrança do temporal de “60”…                              
………Mas, quando setembro chegou, eu me senti muito importante, ao desfilar, pela primeira vez, pelas avenidas do SARANDI, em homenagem à Pátria Brasileira. Fazíamos a volta lá no Cinema. Na esquina de cima, posicionados na calçada, vi o Pai e a Mãe me aplaudindo. Quanta emoção! Quanto orgulho! Quem assiste a um desfile como aquele deve aplaudir com entusiasmo. Por quê? Porque cada uma dessas crianças é um pedacinho do BRASIL, da obra do Criador. O aplauso significa, ainda, o nosso reconhecimento de que cada uma delas tem direito a um bom trabalho. Tem o direito de ser FELIZ!
………No Segundo Ano, entregaram duas turmas para a Irmã ROSÁRIA. Ela superou-se. Um dia, magoei-a. Derrubei a mamadeira. Sujei alguns cadernos. Ela ficou braba. Começou a folhear meu caderno: “Olha aí! Sujou tudo! Tu não fizeste o tema hoje!” E foi olhando as outras páginas: “Nem ontem!… Nem anteontem!…” Que vergonha! Todo mundo olhando para mim… Eu tinha um motivo muito forte para não fazer o tema: não queria ficar trancado numa sala. Eu queria liberdade… para brincar!
………Em quatro anos de Escola, briguei, apenas, uma vez. Faltou diálogo. Eu estava jogando “pingue–pongue”. O ALEXANDRE PREZZOTTO JÚNIOR (“JUNHO”) também queria jogar. Dei um tapa no rosto dele! Em menos de dois segundos, tomei um tapa no rosto. Uma Freira nos levou à presença da Superiora, Madre MARIA FRANCISCA. Esta fez, de “cara feia”, uma apologia da paz e da fraternidade. Eu, na verdade, recebi duas “orientações”. Enquanto aquela autoridade desenvolvia o seu educativo raciocínio, decidi tomar, na presença dela, um pouco do leite da mamadeira… Reclamou, furiosa, da minha falta de educação.
………Em nossa passagem por este mundo sem portões, acontecem alguns fatos que parecem pequenos. Mas que acabam tomando vulto… em nossos corações. Ocupam, para sempre, um lugar de destaque em nossas almas. E quase nos matam de saudade! Aconteceu comigo um caso desses. Foi no inverno de “62”. Eu não era o mais “sabido”. Nem o mais caprichoso. Eu era, apenas, o mais feliz! Para mim, foi o fato mais marcante dos tempos do Colégio. A minha Família e a Escola fizeram a moldura. A Professora pintou o quadro. Eu era meio queimado do sol. A Mãe nutria amor verdadeiro pelo “moreno”. Sentia orgulho. Estava tudo pronto para a Festa Junina. Começava o inverno. As férias estavam chegando. Quanta alegria! O meu irmão, CLÓVIS FERNANDO (“LETO”), estava voltando do Seminário de TAPERA… para brincar comigo. Escrevi o apelido dele na prateleira da cozinha. O Pai e a Mãe não reclamaram. Eles também sofriam a mesma dor, a mesma saudade. Quando eu estava no centro do gramado da Festa Junina, fui surpreendido pela presença da querida Irmã ANITA. Veio falar comigo. Saber se o “moreno lindo” estava feliz. Ela estava  bonita, alegre, carinhosa… Eu nunca mais esqueci… Como esquecer um coração verdadeiro? Como esquecer um sentimento tão sincero? Como esquecer um sorriso contagiante? No teatro dos Poderes, ela me escolheu para representar o Poder Executivo. Antes tarde do que nunca: Obrigado, Irmã ANITA, minha querida Professora! Eu guardo, até hoje, com carinho, as cartolinas daquele Jogral. Vivemos, juntos, o paradigma da cartolina. Os trabalhos mais nobres eram feitos de cartolina. Mas, para mim, ela mostrou um coração de verdade. Que nunca mais vou esquecer…
………No quarto ano, em 1963, o nosso Professor foi o AGENOR ROSIN. Ensinou gerações inteiras a gostar de JESUS. Por intermédio de redações constantes, nos ensinou a gostar de redigir. Era forte e corajoso. Numa noite, quando os ladrões tentaram roubar a residência dele, saiu de casa, de “peito aberto”, para esclarecer a situação. Ensinou de tudo um pouco: fé, vida, água, futebol, comportamento… Na idade de CRISTO, 33 anos, foi chamado para o Céu. Obrigado, Professor AGENOR! Pelo exemplo de Homem! De Grande Homem!    
………Houve um fato misterioso: quando eu rolava pelo gramado do “campinho”, jogaram uma bombinha de SÃO JOÃO. Era uma brincadeira. Eu sei! Mas o rojão parou sob o meu rosto. Quando vi a fumaça me apavorei. Apagou debaixo dos meus olhos. Graças a DEUS, a bomba falhou! Quantas bombinhas falham? Foi um milagre? Meu Pai era devoto fervoroso do SANTO ANTÔNIO.                            
………O portão da Escola SANTA GEMA era um divisor de águas. Digo: de mundos. Em 22 de novembro de 1963, quando já se aproximava o dia da minha formatura, assassinaram JOHN F KENNEDY. Defensor da liberdade dos negros. Nós, alunos, com pouca instrução, não conseguíamos processar aquela informação. Eu estava na Avenida EXPEDICIONÁRIO, próximo ao GIORDANI. Não sabia para onde ir. Nem o que fazer. Quem matou o Presidente? Por quê? Mas a Irmã não ensinou a cultuar a paz? Mais tarde, fiquei sabendo que ele havia entrado em rota de colisão com entidades racistas radicais.                       
………Havia chegado a hora da partida. Já estávamos prontos para o Curso de Admissão. Era preciso deixar para trás as bucólicas fileiras de eucaliptos. Ultrapassar, pela última vez, o saudoso portão do Colégio. Que me ensinou valores. Na manhã de 14 de dezembro de 1963, após o café, escutei uma faixa do disco (LP) dos CARBONOS: “REFLETINDO SOBRE A VIDA”. Eu precisava pensar. Na verdade, não sabia, ainda, se havia sido aprovado.
………No meio da manhã, entregaram os boletins. A Escola Sarandi classificou, em primeiro lugar, o guri CARLOS ANTÔNIO MAZZOCO, o “TONHO”. Merecido! Era leal, maduro e inteligente. A minha classificação não foi informada. Apenas, a média final: 75.
………Sou grato a todos meus colegas. Cada um me ensinou um pouco. Homenageio, a seguir, aqueles que, sob minha ótica, se destacaram: melhor redação – MARIA ELIZA DALBOSCO / aluna mais bonita – IVANICE PARIS (Eleita Miss SARANDI) / melhor jogador – ARISTIDES TONELLO / mais caprichoso (letra mais bonita) – GILBERTO COLLI / melhor sociabilidade – ADEMIR CHIOSSI / coração mais bondoso – DARCI DURANTE, da Linha AGUSSO (Levava para casa dois alunos por dia… em seu cavalo manso e branco).                                              
………SANTA GEMA GALGANI! A primeira Escola da minha vida! A melhor do meu pequeno SARANDI! Hoje, volto para te agradecer. Não trago ouro nos bolsos. E, sim, um poema no coração:                                 
Lembrar de ti ainda me fascina. 
 Sonhar contigo ainda me ensina.
No teu mundo de educação, amor e disciplina,
Teu bondoso coração nunca foi de cartolina…