Condenado em 2019 pela morte do filho Bernardo Boldrini, médico que teve sentença anulada em 2021, será julgado novamente, a partir desta segunda-feira
Um fato que uma cidade inteira queria esquecer, mas será lembrado em mais uma oportunidade a partir desta semana. O Caso Bernardo, sobre o garoto de 11 anos que desapareceu em 4 de abril de 2014, no município de Três Passos, e foi encontrado morto, dez dias depois, enterrado em uma cova, em Frederico Westphalen, volta à tona.
Acusado de ser o mentor intelectual do crime, o médico Leandro Boldrini, volta a ser julgado, a partir desta segunda-feira, depois que sua condenação foi anulada em 2021, dois anos após receber sentença de 33 anos e oito meses de prisão.
O clima na pacata cidade de 25 mil habitantes de Três Passos, no dia que antecedia o júri, corroborava com a simplicidade que caracteriza a região em um domingo à tarde: estabelecimentos fechados para o almoço, pessoas recolhidas em casa, pouco trânsito e movimentação discreta nas ruas.
Ao serem questionadas sobre o caso, a primeira reação comum é a de rosto virado, como quem não gosta de lembrar do assunto.
“Até hoje me arrepio”, lembra o vice-prefeito de Três Passos, Rodrigo Ipê, que recorda com detalhes até mesmo as datas do ocorrido. Paciente do cirurgião Boldrini, ele se mostrou chocado ao saber do crime. “A penumbra que ficou na cidade em 2014, 2015, foi terrível. Nove anos, volta tudo de novo… não esperava um segundo julgamento. Mas que a justiça seja feita”, ressalta.
Apenas Boldrini teve o julgamento anulado. Em 2019, ele foi condenado junto da madrasta da criança, Graciele Ugulini, por serem, respectivamente, o mentor intelectual e a executora do crime, a amiga dela, Edelvania Wirganovicz, por ter ajudado a executar o assassinato, e Evandro, irmão de Edelvania, por ter preparado a cova onde o menino foi enterrado.
Proprietário de restaurante no Centro de Três Passos, Eliseu Lucini, rememora como o caso chocou a cidade. “Como é uma cidade pequena, todo mundo se conhece. Estamos acostumados a ver isso em centros urbanis maiores, mas aqui, quase não ocorrem crimes.
Mas chama a atenção envolver pessoas que deveriam cuidar da soutras, como um médico, uma enfermeira (Graciele) e uma assistente social (Edelvania, que atuava na profissão)“, comenta, acrescentando que é a Justiça quem deve condenar. “A Justiça o julgou como culpado na primeira vez. Tudo indica que sim, mas cabe ao júri decidir”, pondera.
Anulação
No final de 2021, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou a sentença de Leandro porque entendeu que os promotores de Justiça não se limitaram a formular perguntas ao réu, mas sim fizeram argumentações sem que os advogados de defesa pudessem contrapor. O pai de Bernardo permanece preso preventivamente e está recolhido na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Na defesa vão atuar os advogados Ezequiel Vetoretti e Rodrigo Grecellé Vares.
O Ministério Público será representado pela promotora de Justiça Lúcia Helena de Lima Callegari e pelo promotor de Justiça Miguel Germano Podanosche. Segundo o MP, Leandro e a madrasta de Bernardo, Graciele, consideravam o menino um estorvo para o novo núcleo familiar, pois eram pais de uma criança mais nova. O casal teria oferecido dinheiro para Edelvania ajudar a executar o crime. Bernardo, não sabendo do plano, teria aceitado ir até Frederico Westphalen com a madrasta para ser submetido a uma benzedeira. O menino acabou morto por uma superdosagem de Midazolan, medicação de uso controlado.
O júri
A partir das 9h30, no Salão do Júri do Foro da Comarca de Três Passos, começa o segundo julgamento. A condução será por conta da Juíza-Presidente, Sucilene Engler Audino. Crimes dolosos (com intenção) contra a vida são julgados não por um Juiz, mas pelo Tribunal do Júri, que é formado por sete jurados que são pessoas que fazem parte da sociedade, escolhidos na manhã de segunda-feira.
Acontecerá a oitiva das testemunhas e o interrogatório do réu. Os depoentes responderão aos questionamentos da Juíza, dos Promotores de Justiça, dos Advogados de defesa e dos jurados (quando houver) sobre o que sabem a respeito do caso. Já o réu poderá responder às perguntas ou se manter em silêncio. Em seguida, haverá a fase dos debates orais, momento em que acusação e defesa apresentarão suas teses aos jurados.
Há ainda 1 hora de réplica (para a acusação) e o mesmo tempo de tréplica (para a defesa). Na sequência, os jurados serão indagados se estão prontos para decidir. A partir da decisão dos jurados, a Magistrada estabelecerá a pena (em caso de culpa) ou determinará a soltura imediata do réu (em caso de absolvição).
O júri que vai definir o futuro de Leandro Boldrini está previsto para durar três dias.