Por Ricardo Maluf, do programa “Destino Incomum”
Você provavelmente nunca deve ter ouvido falar em Oświęcim ou Brzezinka, mas provavelmente as conhece por seus nomes alemães: Auschwitz e Birkenau, respectivamente. São dois pequenos vilarejos no sul da Polônia, e é aqui que se localizam os maiores campos de concentração do mundo, onde mais de 1,5 milhão de pessoas foram assassinadas durante o regime nazista. Sem dúvida alguma é um dos lugares mais tristes e pesados que se pode conhecer.
Para nós ficou claro que este local merecia ser visitado –para tal acontecimento, nunca é demais ter sua história relembrada. Começamos nossa jornada em busca deDestinos Incomuns do Leste Europeu por Chernobyl e, após conhecer a vizinha Wieliczka, optamos por passar mais dois dias na região e explorar a fundo os campos.
Saímos de manhã cedo da estação central de Cracóvia para fazer o percurso de cerca de 65 km que nos separavam de nosso destino — Oświęcim. O trajeto leva cerca de uma hora, em uma minivan, e o ponto final é na porta do “complexo”. O dia estava feio e chuvoso, muito frio e carregado de nuvens escuras, exatamente como é a atmosfera do local.
Aparentemente você tem a impressão de estar entrando em um museu comum, onde deve deixar sua mochila em um locker, pegar um audioguide se achar necessário, e sair com um mapa na mão selecionando as exposições de seu maior interesse. Vale ressaltar que nem a entrada nos campos, nem o audioguide, sequer o locker são cobrados. Tudo é 100% mantido pelo governo da Polônia, sem custo aos visitantes.
Em seguida você começa o percurso através do famoso portão cuja a frase “Arbeit Macht Frei” iludia muita gente: “O Trabalho Liberta”. Em seguida da entrada, há uma das dezenas de placas informativas espalhadas pelo complexo (escritas em alemão, polonês e hebraico), que diz que se um prisioneiro fugisse, toda sua família seria trazida para o campo, como castigo ou mesmo como exemplo para os demais prisioneiros não tentarem o mesmo feito.
Seguimos em frente e optamos por começar a visita pelos barracões do fundo. O campo de Auschwitz, antes da guerra, era uma guarnição militar polonesa e, a mando de Heinrich Himmler, o principal ex-comandante da SS, em 1940, foi transformado em prisão para judeus e prisioneiros de guerra, principalmente russos.
Com o tempo começou a abrigar ciganos, presos políticos, homossexuais, deficientes e demais “impuros”, segundo os critérios arianos.
O primeiro barracão que visitamos, o nº 15, era dedicado à história da invasão da Polônia durante a Segunda Guerra e da resistência. Fotos, documentos e roupas ilustram a bravura de um povo que foi invadido, humilhado, torturado e exterminado. Há de tudo, de documentos sobre o massacre de Katyn, roupas e fotografias, até um livro com os nomes dos primeiros presos a morrerem no campo.
Como já esperávamos, infelizmente encontramos os sobrenomes de nossos parentes –Mendel e Gardolinski– e neste momento sentimos um nó na garganta pela primeira vez… e não foi a última.
Começando a assimilar tudo que estávamos vendo, que tudo eram evidências das atrocidades perpetradas, nos dirigimos ao próximo barracão. Estes barracões, feitos de alvenaria e com 3 andares (subsolo, térreo e primeiro andar), podiam abrigar cerca de 3.000 pessoas cada. Quando entramos vimos a placa “Provas dos crimes”. Logo de cara vemos uma maquete de como funcionava as câmaras de extermínio, e quantas pessoas podiam ser mortas ao mesmo tempo.
Na sala ao lado começam as exposições dos itens pessoais encontrados, e não é fácil ver centenas de malas, todas devidamente identificadas, cujos donos nunca retornaram para casa. À medida que andávamos pelas salas começávamos a entender a dimensão verdadeira do que foi Auschwitz. Uma sala inteira apenas para guardar objetos de higiene pessoal, enquanto outra armazenava próteses –pernas de pau, braços e muletas. Em uma vitrine tímida, dezenas de latas vazias do veneno ZyklonB.
Foi na sala que armazena quase 2 toneladas de cabelos humanos que sentimos outro nó na garganta. Ao chegarem no campo, os presos tinham seus cabelos cortados, e os alemães os vendiam para a indústria têxtil. Emaranhados, lisos, bolas, tranças, pretos, brancos, grisalhos, cabelos de todas as formas e tamanhos guardados em um display de quase 10 metros de comprimento. E isso foi apenas o que estava estocado e foi encontrado quando o campo foi libertado pelos russos. Mas nada se compara a visão de milhares de pares de sapatos, dispostos em duas vitrines. Um corredor inteiro, do chão ao teto, tapado por sapatos dos dois lados, além de um canto somente para os infantis.
Se antes sentimos um nó na garganta, agora sentimos uma corda inteira. E o pior é pensarmos que cada sapato corresponde a uma (ou mais) pessoas mortas, visto que os mesmos eram reutilizados pelos presos durante anos. Vendo tantas evidências assim, tão de perto, é inconcebível que ainda existem pessoas que neguem a existência do holocausto. Decidimos sair para a rua para pegar um ar e nos recompormos.
Um pouco mais adiante está o bloco 11, também conhecido como “Bloco da Morte” –como se todo o resto do complexo não merecesse a mesma alcunha. Este bloco recebeu este título pois aqui funcionava a “prisão da prisão”. Nos andares superiores funcionavam escritórios da SS, enquanto no subsolo haviam celas de tortura dos mais variados tipos: celas em que o prisioneiro era privado de luz, de ar, de comida; ou que era obrigado a ficar de pé.
Entrar, mesmo que por poucos instantes, em uma das celas em que você não tem espaço para se sentar ou deitar, e vivenciar a sensação, foi uma das piores experiências que já tivemos. Não conseguimos imaginar como não perder o juízo depois de três ou quatro horas nessa situação, quiçá dias.
Na saída, já do lado externo do barracão, notamos uma parede de concreto com dezenas de flores. Era “simplesmente” a parede de fuzilamento, e as flores eram homenagens do governo alemão, de diversas entidades humanitárias, bem como de famílias de presos que visitam o complexo.
Cerca de três horas depois de entrarmos no campo de Auschwitz, chegamos ao local que esperávamos ser o mais chocante –e que certamente ficará marcado em nossas mentes para sempre: a câmara de gás. Lá o ar pesa toneladas e as paredes contam por si próprias a história do que aconteceu ali, contendo as marcas do desespero das pessoas. Em diversos pontos é possível ver os arranhões feitos pelas unhas, numa tentativa em vão de fuga. A câmara é relativamente pequena, comparada às de Birkenau, e possui apenas dois fornos crematórios. A construção foi adaptada de um antigo bunker de munição, já existente, da época que o complexo era do exército polonês.
Decidimos que era hora de visitar o segundo campo, em Brzezinka, ou Birkenau, distante apenas 3 km. Há um ônibus (gratuito) que faz o translado entre os campos.
O campo de Birkenau, diferente de Auschwitz, não foi transformado em museu com exposições, ele permaneceu intocado. Cerca de cinco ou seis vezes maior, podia abrigar cerca de 90.000 pessoas ao mesmo tempo e já na entrada podemos ver outro crime de guerra cometido pelos nazistas: a grande maioria dos barracões –estes em sua maioria de madeira– foi destruída e incendiada, no intuito de esconder o que foi feito, alguns dias antes dos russos libertarem o campo. Infelizmente, com os prisioneiros dentro.
Somente uma pequena ala ainda resiste, onde pode-se entrar e testemunhar as condições subumanas que as pessoas enfrentavam. As camas, triliches feitas de tábua, para dez pessoas por andar, contribuíam para a propagação de doenças. E para combater o frio, apenas um ou no máximo dois pequenos aquecedores.
Assim como os barracões, as câmaras de gás também foram dinamitadas, mas é possível constatar o tamanho delas, cuja capacidade operacional máxima permitia exterminar entre 8 a 10 mil pessoas por dia
Assista o vídeo no link abaixo
Acreditamos que nenhum outro local no planeta tenha uma atmosfera tão carregada, impregnada de horror e sofrimento como Oświęcim e Brzezinka. Apesar da tristeza, é um local que, ao menos uma vez na vida, todos deveriam visitar. Seja para testemunhar pessoalmente tal barbárie, seja para homenagear quem ali pereceu.