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A serenata – Viviane M Foresti

A serenata

Para minhas filhas – que sempre moraram em apartamento e nunca tiveram a possibilidade e nem o prazer de serem homenageadas com uma serenata – aqui vai um pequeno relato.
Em um tempo, nem tão longínquo assim, em que as casas tinham apenas uma cerca para impedir os guaipecas de entrar e destruir o jardim – onde as grades, a cerca elétrica e o arame farpado, só eram vistos nas cadeias públicas – a serenata era algo corriqueiro, principalmente no interior.
Ela tinha por objetivo atingir o coração feminino com a ajuda de uma canção melosa.
Normalmente era feita tarde da noite, na madrugada, por um coração irremediavelmente alvejado pelo cupido, levemente embriagado e não propriamente de amor.
Entoavam uma canção romântica, acompanhada de violão, desfiada e desafinada embaixo da janela da amada.
Quando o amor era correspondido era um jogo ganho, porém, nem sempre o resultado almejado era alcançado.
Às vezes o tiro saía literalmente pela culatra e,
infelizmente as serenatas feitas em frente a nossa casa não acabavam bem.
Meus pais não gostavam da barulheira causada pelos pretendentes e, então, só podíamos espiar pelas frestas da janela do quarto, com o coração aos pulos.
Éramos três irmãs e nunca se sabia quem era a homenageada do dia ou, melhor, da noite.
Porém o maior problema não era esse.
Em frente à nossa casa morava um tio de minha mãe, que tinha uma intolerância quase doentia aos cantores da madrugada.
Acordava logo ao primeiro acorde, sempre antes da homenageada e, já, “arrabbiato”. Mal se aguentava uns minutos na esperança que meu pai tomasse uma atitude, e pusesse os atrevidos a correr. Mas como isso não acontecia, ele então botava um “trabuco” para fora da janela, pelas venezianas entreabertas, dava um tiro para o alto, como advertência, e gritava: “Porca miséria, andate via seus emaconhados”.
Se o “Romeu” estivesse realmente a fim e bêbado o suficiente para insistir em sua cantoria, o próximo tiro seria para o chão, soltando faíscas nos paralelepípedos irregulares da rua.
Com isso, o mais corajoso dos pretendentes “picava a mula” e desaparecia, cantando desafiadoramente, na escuridão da noite, nos deixando furiosas e envergonhadas.
Mas mesmo assim era uma alegria, pois então tínhamos o que conversar e sonhar o resto da noite. 


Viviane M Foresti