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terça-feira 23 abril 2024
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Chapecó – Não me vejo como ex-atleta, diz Follmann

Carreira de goleiro acabou, mas atividades não faltarão. O ex-jogador também espera se adaptar melhor à prótese para praticar esportes

 

Rodrigo Goulart

A queda do avião que levava a Chapecoense para a Colômbia completa 140 dias nesta terça-feira (18). A data de 29 de novembro de 2016 está marcada como uma das mais tristes da história do esporte.

Quase cinco meses depois do desastre que matou 71 pessoas, Jakson Ragnar Follmann, um dos seis sobreviventes, sorri para o futuro, agradece a Deus por estar vivo e mantém as lembranças dos ex-colegas de time que perderam a vida na tragédia ocorrida perto de Medellín, onde o Verdão enfrentaria o Atlético Nacional pela final da Copa Sul-Americana no dia 30 de novembro.

A carreira de goleiro acabou, mas Follmann, 25 anos, quer continuar no esporte, mas em princípio sem competir. O ex-jogador está em processo avançado de adaptação à prótese na perna direita – amputada abaixo do joelho devido aos ferimentos – e também se recupera das lesões sofridas no tornozelo esquerdo.

Atividades profissionais não faltarão para o jovem Follmann, como você poderá observar na entrevista exclusiva para o Diário do Iguaçu.

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Diário do Iguaçu – Você assumiu o cargo de embaixador da Chapecoense. Como vai funcionar este trabalho?

Jakson Follmann – Pela correria, ainda não assinei o contrato de embaixador no clube. Vou participar de viagens, de eventos em nome da Chapecoense. Quero poder representar bem, retribuir a confiança que o clube está me depositando. Então, estou ansioso para começar logo como embaixador e tocar esse trabalho.

DI – Ficou surpreso em assumir essa função? Esperava trabalhar em outra área do clube?

Follmann – Na verdade, quem propôs essa função fui eu mesmo. Estou satisfeito. Comecei a estudar algumas coisas sobre como é ser um embaixador dentro de um clube.

DI – A Fox Sports o contratou para ser comentarista de goleiros, uma novidade na imprensa. Como conciliar este novo emprego com as atividades de embaixador?

Follmann – Vai ser bastante corrido, mas estou preparado para isso, ansioso para voltar à ativa. Estou muito disposto a fazer todos estes trabalhos. Vou ter que ficar alguns dias no Rio, mas também é possível fazer alguns vídeos via Skype quando eu estiver aqui, em Chapecó. Vou conseguir conciliar bem estes dois serviços, serei muito feliz nessas novas funções e estarei sempre aqui na Chape, a minha casa. A gente precisa de desafios novos. Estou muito contente e motivado. Vai dar tudo certo, já deu tudo certo.

DI – Pretende se formar em alguma área?

Follmann – Pretendo estudar sim. Ainda não comecei a faculdade. Tenho muita coisa para fazer, não posso querer abraçar o mundo e depois não dar conta. Aos poucos vou voltando à ativa, mas, com certeza, quero voltar a estudar. Não sei o que ainda, administração, jornalismo, algo assim, mas agora é agarrar com as duas mãos a oportunidade de ser embaixador e comentarista.

DI – Qual é a sua rotina?

Follmann – Minha rotina é praticamente dentro da Chape. Faço fisioterapia todos os dias aqui. Quando estou em São Paulo, na clínica onde faço minha recuperação, faço fisioterapia lá também. De manhã eu acordo, venho aqui na Chape e faço a minha fisioterapia a manhã toda. À tarde, quando posso, também faço fisio aqui. Não posso fazer dois turnos, pois eu canso muito fácil. Mas todos os dias estou aqui dentro, me recuperando. Espero logo estar totalmente recuperado para exercer bem as funções que estão dispostas para mim.

DI – Como está sendo a adaptação à prótese e o que ela possibilita fazer?

Follmann – A prótese me possibilita fazer muitas coisas. Ela me deixa fazer tudo o que eu fazia antes. Claro que não jogar futebol, não ser goleiro, mas vivo uma vida normal. Vou ser atleta, vou praticar esportes, porque eu não me vejo como um ex-atleta. Vou poder nadar, correr, claro que não agora, mas mais adiante, até pelo meu tornozelo esquerdo que ainda está impossibilitado. Nesta semana, vou colocar a minha prótese definitiva e, aí, vou poder começar a testar algumas coisas. Estou bastante feliz e poder dar continuidade na minha vida.

DI – Qual modalidade você pensa em praticar? Tem o desejo de disputar competições?

Follmann – Não há como ser um atleta paralímpico nesse momento, porque tenho muito trabalho pela frente. Inúmeras pessoas querem que eu seja um paratleta, mas só o tempo dirá. Como o meu tornozelo (esquerdo) está ainda bastante impossibilitado para algumas atividades, eu tenho que esperar para saber se o meu corpo vai se adaptar a algumas modalidades, que ainda não sei quais são. Vou querer praticar muitos esportes, mas sempre respeitando muito o meu corpo.

DI – A Chape é conhecida nacionalmente por ser um clube com ambiente familiar. Esta característica neste processo de reconstrução após a tragédia de novembro continua?

Follmann – Continua o mesmo ambiente familiar. Claro que mudaram muitas peças, são 26 contratações. E não mudou só o time como também todo o departamento de futebol, mas seguindo sempre a mesma filosofia, que é o mais importante e que foi o que colocou a Chapecoense onde ela está hoje, sempre com os pezinhos no chão. Todas as pessoas que estão trabalhando fora do campo são cientes disso, já pegaram o time da coisa. Então, a Chape está em uma crescente bacana. Claro, ainda está se reconstruindo. Foi uma tragédia muito grande, que abalou o mundo, o clube ficou sem chão, mas aos poucos a Chapecoense está voltando a ser a Chapecoense. Tenho certeza que logo esse grupo que está aí vai conquistar grandes títulos para essa cidade, para essa torcida que tanto sofreu e que tanto merece.

DI – Você tem muito talento para cantar. A música vai continuar sendo um hobby ou existe algum projeto profissional nesse sentido?

Follmann – Cantar é só um hobby. Já apareceram vários convites para fazer parceria com alguém para gravar alguma música, mas isso não está na minha mente, não. É uma paixão que eu tenho, mas vou ficar só cantando como hobby, no churrasco em casa para a minha noiva (Andressa).

DI – E como está a família? Casamento marcado?

Follmann – Graças a Deus, a família agora está feliz, está bem. Estão mais relaxados, mais tranquilos. O nosso casamento a gente marcou para agosto deste ano. Não sabemos ainda a data, mas acho que vai ficar para o dia 11. Estamos muito ansiosos em poder casar, em construir uma família. Tenho certeza que vai dar tudo certo. Como falei antes, já está dando certo.

DI – No que você encontra forças para tocar a vida e ser considerado hoje um exemplo de superação?

Follmann – Encontro força em Deus. Peço muita proteção, agradeço muito a ele por ter me dado essa segunda chance de viver. Também à minha família, à minha noiva. São pessoas que sempre estão do meu lado, me apoiam. Tento tirar forças deles, porque eles tiveram muita força em um momento tão difícil. Cabe agora eu retribuir um pouco disso. Vou ser sempre o Follmann sorridente, o Follmann pra cima. Isso me ajuda muito para estar com a cabeça positiva.

DI – Faz pouco mais de quatro meses e meio do desastre aéreo. Hoje, o que você guarda de lembrança daquele momento?

Follmann – Agora está mais tranquilo. Não tenho tantas lembranças daquela noite. Procuro sempre estar com a cabeça ocupada, até para não estar pensando em tudo o que aconteceu. Graças a Deus, não tive nenhum pesadelo com a tragédia. Na verdade, acho que só sonhei uma ou duas vezes nesse tempo todo. Tenho que tocar a vida e se lembrar dos irmãos. Agradeço a Deus por não ter visto ninguém morrendo. Lembro-me de poucas coisas, que era frio, que não enxergava praticamente nada e que eu gritava por socorro. É um momento que quero apagar da minha memória o mais rápido possível, até para ficar sempre com coisas boas de todos os irmãos que acabaram partindo.

DI – Como você recebeu a notícia da amputação de parte da perna direita e como você reagiu?

Follmann – Eu acordei apenas no sábado (dia 3 de dezembro, quatro dias depois da queda do avião e data do velório coletivo na Arena Condá). Veio o psicólogo do hospital (de Rionegro, na Colômbia) e me deu a notícia. Eu disse a ele: “prefiro minha vida do que a perna”. Foi a primeira coisa que falei. Não estava tão preocupado com a minha perna naquele momento, porque sabia que estava bastante machucado, me preocupava muito em perguntar aos médicos se eu corria risco de morrer. Claro que com o tempo fui parando para pensar, mas graças a Deus eu tirei de letra isso. Não me desesperou, porque com o passar dos dias fui vendo o tamanho que foi a tragédia. Perder uma perna por tudo que aconteceu é estar no lucro. Agradeço muito a Deus por estar vivo e entre os amigos e a minha família.

Diario do Iguaçú




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