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sexta-feira 29 março 2024
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Após tragédia, futuro da Chapecoense passa pela categoria de base

Grupo revela desejo de aproveitar aprendizagem adquirida com vítimas para trazer novas alegrias ao time da cidade

Jovens das categorias de base são responsáveis para construir novo amanhã para Chape | Foto: Guilherme Testa

Jovens das categorias de base são responsáveis para construir novo amanhã para Chape | Foto: Guilherme Testa

A dor e tristeza com a morte de 71 pessoas na queda do avião que levava a delegação da Chapecoense para a final da Copa Sul-Americana trouxeram junto a vontade de participar e ajudar a reerguer o clube também como forma de homenagear as vítimas. Para tanto, os exemplos já foram escolhidos: estão entre aqueles que perderam a vida na Colômbia. Os jogadores que levaram o clube ao seu maior momento com a final da Sul-Americana também tinham um outro lado: o de ajudar os mais jovens. Garotos das categorias de base do time catarinense relembram os bons momentos com os atletas do grupo principal mortos em Medellín e revelam o desejo de aproveitar a aprendizagem adquirida para trazer novas alegrias ao time da cidade, que hoje chora as perdas de seus ídolos.

Filho do ex-árbitro Carlos Simon, Ramiro Simon é zagueiro do time Sub-20 da Chapecoense. No clube desde o começo de 2016, ele participou de diversos treinos com a equipe principal no trabalho de integração da base com o profissional feito pelo clube. Simon não escondeu sua emoção ao lembrar-se dos jogadores mortos na Colômbia e revelou dicas recebidas, principalmente pelos zagueiros Willian Thiego, Filipe Machado e Neto, um dos sobreviventes do acidente.

“Subimos muitas vezes para treinar com os profissionais neste ano. O apoio que eles davam para nós da base era muito grande. É difícil achar um grupo assim. Eles nos ajudaram muito. Aprendi muito com eles. Quero conversar com os jogadores que sobreviveram, tinha muita coisa que gostaria de falar aos que morreram e me arrependo. Quero agradecer, pois realmente eu aprendi muito com eles”, contou Ramiro, que lembrou que os conselhos ajudaram a perder a insegurança nos primeiros treinos com os profissionais.

“Eu era muito inseguro quando vinha treinar com o profissional no começo. Depois do treino, eu ia de canto e perguntava ao Thiego, ao Felipe e outro zagueiros, o que eles tinham achado. Eles diziam: ‘Tu estás no caminho certo, treina a parte física, te dedica’. Aprendi muito com eles. Todos. Aprendi muito com eles e ainda me inspiro neles”, completou.

Meia habilidoso, Canhoto sempre gostou de observar como os jogadores da sua função atuam. Nos treinos com o time principal da Chapecoense ganhou um novo ídolo, alguém para se inspirar na sequência da carreira. Fã do holandês Robben, do Bayern de Munique, o garoto viu em Tiaguinho, apenas três anos mais velho, uma nova inspiração bem de perto. Ele agora quer trilhar os passos do jovem que foi um dos destaques da Chapecoense em 2016. “Sempre vi o Robben como espelho, porque sou canhoto como ele e jogo pela direita puxando para dentro.

Recentemente, nos últimos jogos que estava vendo, estava me espelhando muito no Tiaguinho. Ele era um jogador que estava conquistando tudo aqui no clube. Executava um bom futebol e eu me espalhava nele. Era um garoto muito bom. Vou levar ele sempre no meu coração. Vou tentar seguir os passos dele, que já tinha conquistado muita coisa. Ele foi como herói para lá, como todos”, contou Canhoto.

A tragédia que matou jogadores, dirigentes, membros da comissão técnica e funcionários do clube ainda está sendo assimilada pelos jovens. Em não raros momentos, durante os depoimentos, Ramiro e Canhoto ficaram emocionados ao lembrar da convivência. “Cheguei em fevereiro aqui e desde o início me apeguei muito com todos os jogadores do profissional. Não apenas os atletas, mas massagistas, fisioterapeutas, diretores. Eles eram pessoas muito queridas. Eu realmente estou com parte do meu coração destruído. Estou muito triste. E pensar que semana passada estavam todos aqui rindo e brincando. Não tem como entender. Tinha um carinho enorme por todos eles”, declarou, emocionado, Ramiro.

Canhoto também balança ao lembrar de momentos com o grupo profissional da Chapecoense. Ele destacou ainda os conselhos recebidos para ficar sempre tranquilo nos treinos e jogos, algo que tentará levar adiante na carreira. “Eles sempre falavam que a gente deveria ficar tranquilo, mostrar o nosso futebol e dar o nosso máximo que iria chegar ao profissional. Duas ou três vezes por semana treinávamos com eles. Eles não estão mais aqui, isso dói. Dói saber que eles não estão mais aqui entre nós, mas sabemos que um dia deixaram uma ajuda grande para nós. Levaremos para a vida toda isso”, afirmou.

Além dos conselhos, as brincadeiras também eram comuns na relação entre os jogadores do time profissional e os garotos da base. Ramiro Simon recorda que a profissão do seu pai era lembrada aos risos quando ele cometia faltas nos treinamentos. “Eles brincavam comigo. Quando eu treinava e fazia uma falta eles diziam: ‘Simon, mais uma falta? A regra é clara’”, contou Ramiro, em um dos poucos momentos de sorriso na conversa com a reportagem. “Que grupo fantástico era esse da Chapecoense”, finalizou logo em seguida. Os elogios estão guardados na memória dos garotos. “Um dia eu estava treinando de volante e dei uma caneta aqui. O Thiego gritou ‘Olha a marra’”, conta Ramiro, apontando para o local do gramado onde fez o drible.

O desejo de Ramiro Simon e Canhoto em jogarem no time principal da Chapecoense já vem sendo atingido por Lourency. Após se destacar no time Sub-20 em 2015, o atacante, de 20 anos, ganhou a oportunidade de subir ao plantel profissional no começo deste ano, ainda quando o time era comandado pelo técnico Guto Ferreira. Com Caio Jr. ganhou novas oportunidades e chegou a marcar um gol no Campeonato Brasileiro, na vitória de virada sobre o Fluminense no Rio de Janeiro, em setembro.

O jogador chegou a atuar em dois jogos da Copa Sul-Americana, ambos contra o Independiente, da Argentina. Nas últimas semanas havia retornado ao plantel Sub-20 para disputar as finais do Campeonato Catarinense, onde a Chapecoense buscava o primeiro título na categoria. Em razão disso, ficou fora do grupo que viajou para a Colômbia.

Ele lembra com carinho dos companheiros mortos. “Era todo mundo parceiro. Era o meu primeiro ano no profissional e foi bem legal porque eles me deram muita moral, a ajuda que precisava para seguir com confiança. Fiz vários irmãos, não apenas companheiros de trabalho, mas irmãos”, disse.

A relação da torcida com o time, diz ele, contribui para esse bom ambiente. Lourency lembra de sua estreia na Arena Condá como profissional, logo no primeiro jogo do Campeonato Catarinense, diante do Inter de Lages. Desde então, garante, nunca teve problemas com vaias ou críticas da torcida. Seu objetivo é retribuir o apoio dando dentro de campo alegrias aos torcedores após o sofrimento com as perdas dos ídolos. “Em todos os jogos que entrei, eles sempre me apoiaram, nunca criticaram. A torcida aqui é assim. Não importa se o jogador for bem ou mal, eles estão sempre apoiando”, detalhou.

Outro detalhe que Lourency recorda com carinho de seu primeiro jogo é o fato de ter entrado no lugar de Ananias. Natural do mesmo estado que ele, o Maranhão, o meia era uma espécie de irmão mais velho. Um amigo que virou também referência para o crescimento na carreira. “Ele era maranhense como eu. Quando entrei no lugar dele foi um momento que não vai sair da minha cabeça. Era a estreia do clube no catarinense, o estádio estava cheio e foi muito bom. Algo que nunca vou esquecer”, contou. “Eu me espelhava muito não só por ser maranhense também, mas porque tinha um entendimento tático muito grande. Olhava muito ele jogar para quando tivesse a oportunidade repetir um pouco o que ele fazia.” Outro jogador que o ajudou muito foi o centroavante Bruno Rangel. “O Rangel não era da minha posição, mas dependia muito do atacante do lado para fazer gol. Então ele me dava dicas para as jogadas, até para dar o passe certo para ele.”

Das dicas que recebeu de Ananias, Bruno Rangel e outros jogadores mais experientes, Lourency pode agora ajudar os atletas mais jovens que subirem ao profissional da Chapecoense. Ele conta que o fato de estar no elenco já gerava perguntas dos atletas do Sub-20. “Depois que eu subi para o profissional, sempre que voltava para jogar pelo Sub-20 eles perguntavam como era jogar lá, disputar a Série A. Quando fiz o gol no Fluminense, eles me questionavam como era fazer um gol importante assim, a emoção. Eu dizia que se eles trabalhassem bastante, também chegariam lá”.

No sonho de jogar no time profissional e ajudar no futuro da Chapecoense, os jovens atletas do clube terão apoio dos jogadores que ficaram fora da viagem a Chapecó e salvaram-se da tragédia. Aos 32 anos, o goleiro Marcelo Boeck, campeão mundial pelo Inter, relatou o desejo de seguir no clube para ajudar na reconstrução da equipe. “Neste momento não tem dinheiro nem nada que me faça sair daqui. Quero ficar para ajudar”, disse Boeck, que ficou fora da viagem por opção do técnico Caio Jr. “Quando acontece algo assim a gente vê que tudo aquilo que traz o futebol nem se compara com o maior valor que é a vida.”

Há 10 anos na Chapecoense, o goleiro Nivaldo, de 42 anos, anunciou a aposentadoria dos gramados poucas horas após o acidente com os colegas. O agora ex-atleta, que participou de todo o crescimento do time da Série D até a Série A e a final da Copa Sul-Americana, quer fora dos gramados seguir ajudando o clube. “Vai ser difícil porque perdemos muitas pessoas queridas, que trabalharam a vida toda. Mas nós que ficamos vamos ter que reerguer esse clube. Tudo o que a gente vai fazer aqui de novo vai ser por eles”, prometeu.

Meta é se estabelecer como a quinta força do sul do País 

A ascensão da Chapecoense nos últimos anos veio acompanhada de investimentos nas categorias da base. Desde 2009, o clube iniciou uma reestruturação no setor para fortalecer a sua formação de atletas. O diretor das categorias de base da Chape, Cezar Dal Piva, conhecido como Mano, ressaltou que a meta traçada é de se estabelecer como a quinta força do Sul do País, a principal da Santa Catarina. Ainda que o principal objetivo seja a formação de jogadores, Mano ressaltou que a Chapecoense vem conseguindo resultados dentro de campo nas categorias de base.

Em 2015, o clube se consagrou campeão catarinense na categoria Sub-17 pela primeira vez. Neste ano, o Sub-20 chegou à final diante do Criciúma. A Chape venceu o primeiro jogo por 1 a 0. A segunda partida ocorreria na última quarta-feira, mas foi adiada em razão da tragédia. Os bons resultados levaram a Chapecoense a pela primeira vez ter jogadores convocados para a Seleção Brasileira Sub-17. Igor Campos e Guilherme Puhl, nascidos em 1999, participaram de amistosos da categoria nesta temporada nesta temporada.

Em 2014, a Chapecoense inaugurou o seu novo Centro de Treinamento. Localizado a oito quilômetros do centro da cidade, na localidade Linha Água Amarela, o espaço conta com quatro campos e proporciona a integração entre o time profissional e a base. Os garotos treinam ao lado dos atletas da equipe principal. Os garotos do sub-20 são chamados para treinar com o time de cima para ganhar experiência. O CT conta com uma área de 83 mil metros quadrados. Além dos quatro campos, há espaços para aquecimento em gramado e para realização de trabalhos específicos em quadra de areia. Na parte coberta são cinco vestiários, academia, além de salas de massagem e fisioterapia.

Com passagens na base de clubes como Inter e Coritiba, o atacante Lourency diz que a estrutura do centro de treinamento da Chapecoense não deixa nada a desejar em relação aos demais grandes clubes do país. “A Chapecoense está bem estruturada em academia e CT. Não temos do que nos queixar. Bate de frente com os outros. Você não pode comparar a Chapecoense com clubes como Inter e Grêmio, mas não perde por muito não. A Chapecoense está muito bem na parte dentro de campo e também fora”, contou.

De acordo com Dal Piva, 110 atletas das categorias sub-15, sub, 17 e sub-20 treinam no CT usado pelos profissionais da Chapecoense. O clube ainda conta com escolinhas espalhadas pelo Oeste de Santa Catarina e cidades no interior do Rio Grande do Sul e Paraná. Ao todo, são 900 crianças nessas escolinhas. No último final da semana, a Chape realizou a Copa Verde e Branco no centro de treinamento da Linha Água Amarela com o objetivo de integrar as escolhinhas das diferentes cidades. Mais de 600 garotos participaram do torneio.

O diretor das categorias de base da Chapecoense, Cezar Dal Piva, conhecido como Mano, deveria estar no avião que caiu na Colômbia na madrugada da última terça-feira. Mano revelou que a mudança nas datas das finais do Campeonato Catarinense Sub-20 impediu ele de viajar com a delegação para Medellín. Inicialmente, as finais do Catarinense ocorreriam na quinta-feira (dia 24 de novembro) e neste domingo, mas um convite para participar da Copa Ipiranga Sub-20, torneio organizado pela Federação Gaúcha de Futebol (FGF) que conta com clubes brasileiros, argentinos, uruguaios e chileno, alterou as datas. “Eu ia viajar com a delegação e voltava na quinta para a final do sub-20, mas recebemos o convite do (Francisco) Novelletto para participar da Copa Ipiranga, que era um torneio importante. Aí anteciparam as finais para segunda e quarta-feira e eu fiquei”, contou Dal Piva sem esconder a emoção.

O diretor das categorias de base havia participado da viagem para Barranquilla nas quartas de final, quando a delegação pegou o mesmo voo da Lamia. Dal Piva afirmou que a viagem até a cidade foi tranquila e que o avião não apresentou nenhum problema. “Foi tudo muito bem. Não tivemos nenhum problema”, lembrou.

Correio do Povo




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