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quarta-feira 24 abril 2024
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Antonio García: “O ELN quer a paz para todos os colombianos”

Antonio García, responsável militar e segundo comandante do Exército de Libertação Nacional (ELN) (Foto: Divulgação)

“O ELN tem pressa por uma paz que traga felicidade e bem estar a todos os colombianos, em suas maiorias. Não temos pressa para fechar um acordo ruim”, diz Antonio García, responsável militar e segundo comandante do Exército de Libertação Nacional (ELN).

Diante da atual crise que vive o processo de paz entre a guerrilha e o governo de Juan Manuel Santos, ele também afirma que sua organização “não violou nenhum acordo e que a crise é gerada porque o governo não participou do início do Quinto Ciclo de negociações e porque pretende fazer exigências unilaterais através da mídia”.

Para explicar essa situação, esta liderança do ELN concedeu uma entrevista aos sites Desinformémonos(México), Resumen Latinoamericano (Argentina) e Colômbia Informa sobre o atual contexto de negociações de paz entre o governo e o grupo guerrilheiro na Colômbia.

Por que a Mesa de Negociação de Quito está em crise?

O pacto com o governo foi um cessar fogo bilateral, temporal e nacional, essencialmente referido a por um fim nas operações ofensivas entre as Forças Armadas do Governo e o ELN; e, de maneira particular, a compromissos relacionados a ações e dinâmicas humanitárias que melhorariam o ambiente no país.

Foi criado um Mecanismo de Monitoramento e Verificação do referido cessar fogo que permitiu avaliar, qualificar e superar os incidentes de quem não cumpre os acordos. Este mecanismo não funcionou, o governo limitou-se apenas a considerar os fatos em que o ELN estivesse envolvido e se recusou a contemplar os fatos em que estava envolvido. Nomeou-se como juiz do processo. Esta situação levou o ELN a retirar os companheiros que participaram do mecanismo.

Nunca falou ou concordou com extensões ao cessar fogo, foi estabelecida apenas a data de sua finalização e o início de um novo ciclo de negociações. Portanto, após o final do prazo do referido cessar fogo, cada parte era livre para realizar operações militares, seja defensiva ou ofensiva. O governo realizou operações claramente ofensivas em pleno cessar fogo e se recusou a avaliar.

O ELN não respondeu militarmente às referidas ações de violação do cessar fogo, mostrando o compromisso de cumprir o Acordo. Ele insistiu na necessidade de avaliar essas ações, mas o governo se recusou a avaliar, invalidando o mecanismo. A mensagem foi clara para nós: ao governo pouco importava avaliar os incidentes e queria nos impor a sua maneira de aplicar o cessar fogo ao seu favor, de forma vantajosa.

Que tipo de operações ofensivas o governo fez contra o ELN?

O governo ocupou áreas internas de operações e de mobilidade do ELN, as quais o Governo estava obrigado a respeitar. Aproveitou a possibilidade de realizar operações de inteligência e controle territorial. No meio dessas operações, atacou dois campos, mas, conseguimos evitar o confronto em conformidade com os acordos.
Em suma, o ELN não violou nenhum acordo e a crise é gerada porque o Governo não participou desde o início do Quinto ciclo e porque pretende fazer demandas unilaterais através da mídia.

A coisa mais certa a fazer seria participar do novo ciclo de negociações e avaliar o cessar fogo. Se quisessem um novo acordo melhor deviam propor isso na Mesa, que é o espaço onde deveria ser feito. Mas quiseram pressionar por fora da Mesa e impor sua lógica e dinâmica.

Vários setores consideram que foi um erro político do ELN ter iniciado a ofensiva militar em 10 de janeiro. Como explicam suas ações, tendo em conta o início do Quinto ciclo?

O ELN não está em ofensiva militar. Lembremos que foi o Governo que realizou operações ofensivas no meio do processo. O ELN levou suas reclamações ao Mecanismo de Monitoramento e Verificação e o denunciou. Nós não fomos naquele momento, aos chamados “formadores de opinião” dizer algo. Por outro lado, agora que o ELN tem o direito de realizar operações ofensivas, eles vêm à frente para fazer uma manipulação tendenciosa.

O ELN, normalmente, tem realizado dezenas de ações por mês, por isso não podemos dizer que é uma ofensiva. É uma ação rotineira na realidade do país e da guerra. Ninguém assinou nenhum acordo para acabar com qualquer conflito armado. Ficamos claros de que era temporário, que o seu nome estabelecesse. Uma ofensiva concentraria esforços nacionais, com alcance e objetivos estratégicos.

Depois de meses de negociações com o governo Santos em Quito, qual é o balanço que vocês fazem desta nova tentativa para alcançar uma solução política para o conflito e um acordo final de paz?

O saldo explica a complexidade dessas conversas. O governo se acostumou às negociações que avançou com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), os conteúdos ou temas da Agenda, o desenho do processo, os objetivos da negociação e as técnicas de negociação e não entende que este processo é diferente.

Foi criada uma matriz de opinião que manipulou a informação para acreditar que o ELN não tinha outra alternativa senão aceitar a mesma Agenda, inclusive os mesmos Acordos a que chegaram com as FARC.

O resultado não foi como eles imaginaram porque essa abordagem não nos representa. Teria que criar algo diferente. Efetivamente, se chegou a uma agenda própria para construir uma saída política. Existe um desenho diferente no imaginário da sociedade que coloca a participação das pessoas no centro e que não é um processo de rendição ou hesitação. Em Quito, o governo está discutindo com uma organização rebelde que está em armas, para o qual o conflito armado tem essencialmente um caráter político. Nesse sentido, recorremos ao direito de rebelião.
Quando o que é esperado em uma negociação é que ambas as partes assumem compromissos equivalentes.

Até agora, o governo vem adiando o desenvolvimento da Agenda acordada e tentou impor exigências unilaterais dentro e fora da Mesa. Quando o que é esperado em uma negociação é que ambas as partes assumem compromissos equivalentes.

O país entra num período eleitoral cujos efeitos imediatos na Mesa de Quito podem ser contraditórios. Para o ELN, é provável que a conjuntura eleitoral esfrie ou potencialize a negociação?

O processo eleitoral que está previsto não apresenta mudanças na realidade do país ou sua dinâmica política, pelo contrário, reafirma que as coisas permanecem as mesmas. Talvez os problemas do país estejam se tornando mais agudos. Sua inércia faz com que a política eleitoral continue a se reproduzir de forma mórbida. Em países com uma democracia real, as eleições são usadas para discutir os principais problemas e suas possíveis soluções.

Se esse fosse o espelho para a Colômbia, o ideal seria que os diferentes candidatos se atrevessem a conversar com a Mesa de Negociação que ocorre em Quito. No entanto, nessa conjuntura eleitoral não há nada de novo, é a repetição do mesmo: clientelismo, compra de votos, máquinas, discursos cheios de promessas e insultos, ausência de lideranças de verdade e imposição da lei metálica do dinheiro e da bala.

Se este governo quis projetar políticas para o futuro, deveria entregar ao próximo governo, acordos em construção, bem como novas realidades da caminhada pela paz. Mas isso depende da força real do atual governo. Estamos dispostos a trabalhar nessa direção. Continuaremos procurando um caminho para a paz.

Ou seja, sua avaliação é o esfriamento. O que fazer para que tal eventualidade não aconteça?

Não é tanto que as eleições esfriem o processo de diálogo do governo com o ELN, mas algo que vá além, pois esfria a vida política do país. Não há nada novo que indique mudanças. O que vemos é uma disputa entre os setores políticos que representam o grande poder recompondo suas alianças que mantêm a realidade do país tal como está.

Não há propostas que vão ao fundo dos problemas do país, que reivindiquem uma política para construir o bem das maiorias excluídas e pobres, que favoreçam o bem da nação, que coloque a democratização no centro da política, entendida como a participação das pessoas na construção de soluções para os problemas em vez do simples exercício do voto. O que deve ocorrer é um verdadeiro Processo de Paz onde as pessoas participassem da construção de soluções.

A desmobilização e a ação política eleitoral das FARC contribuem para essa democratização?

A desmobilização das FARC tem marcado processos que pouco ajudam na unidade e convergência das forças democráticas e sociais, priorizando as possíveis alianças com os setores privados que garantam o cumprimento dos Acordos de Havana. O que é necessário no país hoje é a unidade para a mudança e as transformações que o país precisa.

O processo eleitoral não pode dar o que nunca deu. É mais um mecanismo de reprodução de exclusão, clientelismo e compra e venda de votos. É por isso que a abstenção é o melhor indicador da falta de interesse das pessoas neste tipo de exercício político corrupto.

Na mesma direção sobre o efeito da conjuntura eleitoral nessas negociações, a retirada dos porta-vozes do governo em Quito foi uma medida de Santos para neutralizar o discurso de Uribe-Pastrana?

Fala-se que o governo recebe pressões de Uribe e Pastrana, mas no fundo é que Santos gosta de condicionar os acordos. Ele considera que à Mesa deve ser imposto, não que a Mesa seja o espaço onde os acordos são criados. Nesse sentido, desconsidera a Mesa e coloca a lógica do processo por fora da Mesa. Isso aconteceu desde o primeiro dia do início do processo em seu estágio confidencial. E não mudou. O ELN não se move por imposições.

Tudo parece indicar que, com o governo de Santos, a assinatura da paz não será acordada. Vocês não temem que a chegada de um novo governo sem uma decisão aberta de negociar uma paz justa abortará a Mesa já acordada?

Não serve de nada um Acordo de Paz que seja assinado com um governo que tenha de sujeitá-lo a uma negociação interna nos diversos poderes do Estado ou nas expressões políticas dos setores de poder. Pois isso evidencia as dificuldades do Estado para assinar acordos e cumpri-los. Isso foi demonstrado na assinatura do Acordo com as FARC.

O ELN tem pressa por uma paz que garanta felicidade e seja boa a todos os colombianos, que favoreça as pessoas. Não temos pressa para um acordo ruim. Se construirá um Acordo com o governo que tenha a vontade real de mudar para o bem da Colômbia. É disso que depende a velocidade.

O governo de Santos coloca como norte da Mesa, o fim das expressões militares de confronto no conflito, buscando avanços neste aspecto para deixar a participação social em segundo lugar, como vocês vão lidar com essa contradição?

Esse foi um dos elementos que a nossa Delegação deixou claro no Acordo do cessar-fogo: que o período do cessar-fogo deve ser usado para se avançar nos acordos da Agenda e estimular a Participação da Sociedade.

A ideia era que, enquanto o ELN parasse suas ações militares, o governo contribuísse efetivamente para deter os assassinatos de lideranças sociais, que haveria alívio humanitário para as pessoas. Mas não se interessou em esclarecer o Massacre de Tumaco, Nariño (http://www.colombiainforma.info/ejercito-y-policia-emprenden-fuego-contra-poblacion-civil-en-narino/), bem como outros casos apresentados.

Os processos de participação prévia e preparatória realizados foram muito débeis e limitados, quase não foram divulgados. Foi até proibido que as pessoas transportassem telefones, algo incomum. Como se pode ver, a contradição existe como tal. Não como nossa resposta, mas como o governo a vê e a aplica. Para o governo, é menos participação e mais pressão militar, para que aceite acordos que lhe favoreça.

Que condições exigiriam um novo acordo de cessar-fogo?

O essencial em qualquer acordo de cessar-fogo é o objetivo que se persegue. Deve estar em correspondência com ele. Não se trata de tirar vantagens unilateralmente, portanto, deve ser referido e vinculado à superação integral do conflito e acompanhar os acordos sobre transformações concretas que a Colômbia precisa.

É por isso que a abordagem do governo é unilateral, pois para ele é desativar a guerrilha, anulando suas ações militares e depois a levando a uma rendição inevitável.

Se uma guerrilha não tem o que fazer para respeitar o acordo, estaríamos diante de uma caricatura de negociação. Existem algumas regras para pactuar com um cessar-fogo desde que Bolívar fez um pacto em Santa Ana com Morillo. Além disso, há experiências fracassadas que teremos que aprender. Na Colômbia há o suficiente.

Ninguém que quer concordar com a Paz assiste a uma mesa de diálogo pensando em aceitar apenas o que é conveniente para o inimigo deles. Isso é ilusório. Ou quem aceita está perdido. Trata-se de acordos que traduzam as duas partes.

Ouvem-se críticas no país a respeito de suas ações com explosivos para romper oleodutos pelos danos ambientais que podem causar. O que você responde a tais críticas?

O dano ambiental não é apenas devido às ações de sabotagem que fazemos, mas também por causa da própria exploração dos recursos minerais e energéticos que o governo realiza junto com as empresas transnacionais. Isso é totalmente calculável.

Então, se se trata de falar sobre o assunto que sempre expressamos e estamos abertos para discutir isso. Nem estamos negando que algumas de nossas ações podem causar danos ambientais e tomamos medidas para evitar ou minimizá-las. Quando queremos, podemos avaliá-lo e considerar outra forma de agir no âmbito da construção de propostas soberanas que levem em conta o interesse do povo e da nação, não apenas as que favorecem o governo e as transnacionais.

Alguns dizem que a participação da sociedade civil pode ser feita ao longo de três ou quatro meses, como você acha que o Ponto 1 da Agenda sobre a Participação da sociedade poderia ser desenvolvido? Qual seria o seu alcance? Você não acha que isso seria uma negociação entre o governo e o movimento popular?

A participação da sociedade é uma questão da sociedade, e deve ser levada muito a sério. Nem o governo e nem o ELN estão na capacidade ou têm o poder de substituí-la. A sociedade tem suas próprias expressões e eles devem ser os que dizem de que maneira quer participar, quais tópicos devem ser discutidos, com qual metodologia, em que tipo de cenários e, claro, quem decide.

Não podemos repetir o que os partidos políticos fazem no Parlamento. Não podemos dizer que não podemos fazê-lo dessa maneira ou daquela maneira porque nos parece. Ou inventando isso é um longo período de tempo ou que colocamos uma ou outra trava. É por isso que estamos em conflito há mais de meio século.

O fundo de tudo é a exclusão de pessoas na busca de soluções para os seus problemas, que são os problemas do país. As pessoas são a essência de uma nação. Não podemos continuar a subestimá-las ou a substituí-las.

Se a negociação progredir e o fim da guerra for acordado, qual o significado que você dá à possibilidade de se tornar um partido político legal?

Somos uma organização política, fazemos política, nunca negamos isso. E, claro, nós também fazemos isso com armas. Como todos os governos fazem. A diferença é que nós dizemos isso claramente

Fonte Sul 21




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